Foi (mais) um encontro muito tenso da Comissão Política Nacional (CPN) do CDS, o núcleo duro do partido. Sem descolar nas sondagens, a tentar travar a sangria de militantes para o Chega de André Ventura e a enfrentar demissões de alguns quadros do partido — esta semana foi Francisco Mendes da Silva, líder da distrital de Viseu e nome respeitado no CDS, a bater com a porta –, Francisco Rodrigues dos Santos continua a tentar segurar a sua liderança. Os alegados inimigos são os mesmos de sempre — os internos.

No último encontro, que decorreu via Zoom, no sábado, e que se prolongou durante quase quatro horas, o Observador sabe que o presidente do CDS não poupou na adjetivação para criticar os seus adversários internos. “Existem minorias ruidosas no partido” e “tentativas de sabotagem interna”, chegou a alegar o antigo líder da JP.

As referências aos críticos internos não se esgotaram aqui. O presidente do CDS falou em suspensórios — numa alusão clara a Mendes da Silva, cujos suspensórios são uma imagem de marca — e à “minoria” barulhenta que o critica. “Nem sequer são muitos, nem representam muita gente”, atirou.

Não foi o único momento em que Rodrigues dos Santos deixou escapar alguma exasperação com a forma como é visto dentro e fora do partido, em particular em relação ao grupo parlamentar do CDS — deputados que não escolheu, que são uma herança de Assunção Cristas e que estiverem quase todos alinhados com João Almeida (também ele deputado) na última disputa interna.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Francisco Rodrigues do Santos chegou mesmo a sugerir que há uma estratégia ativa para criar a ideia de que existem dois partidos. Um naturalmente bom, iluminado pelos deputados, e outro mau, representado pela atual liderança. “[Parece que há] um partido bom no Parlamento. E um partido mau que somos nós. E quando é o partido bom que fala parece que não somos nós“, lamentou o líder do CDS junto da sua direção.

A verdade é que as relações entre o presidente do CDS e a bancada já foram manifestamente melhores. O último episódio pôs frente a frente Francisco Rodrigues dos Santos e Telmo Correia, líder do grupo parlamentar, a propósito da participação de António Costa na comissão de honra de Luís Filipe Vieira. O presidente democrata-cristão veio a público criticar o primeiro-ministro por se prestar àquela situação, aplicando a mesma regra a “qualquer outro político com papel de relevo na nossa democracia”.

Ora, Telmo Correia também pertencia (e pertence) à comissão de honra do Benfica — tal como Sílvio Cervan, que é vice do partido e do Benfica. E se Cervan foi um dano colateral, Telmo Correia era mesmo um alvo a atingir: a direção do CDS não gostou que Telmo Correia não os tivesse consultado sobre o apoio a Vieira e que tivesse defendido publicamente António Costa — à revelia da estratégia do partido.

O pior é que o próprio Telmo Correia não tirou o pé do acelerador. O líder parlamentar chegou mesmo a dizer que não ia falar sobre as críticas do presidente do partido para “não prejudicar a imagem pública” do CDS e não resistiu a acrescentar: “Não obstante, teria muito a dizer sobre este assunto”.

Ao que o Observador apurou, o líder do partido terá sido defendido por pelo menos um dirigente do CDS, que atirou contra os “lesados do congresso”, que querem “lançar a discórdia no partido”, numa referência aos elementos que estavam com Assunção Cristas e que eram, em grande medida, herdeiros do portismo. O mesmo serviu para o grupo parlamentar, cuja lealdade à atual direção foi questionada. O caldo entornou e de que maneira.

“Não somos tão cinzentinhos como o PSD”

Perante os dirigentes do partido (ainda que a reunião tenha sido virtual), Francisco Rodrigues dos Santos aproveitou para fazer a defesa do projeto político que escolheu para o partido e tentou distinguir-se dos dois partidos à direita. A determinado momento sugeriu o que o PSD era um partido “cinzento” e que o Chega não passava de um movimento radical.

Francisco Rodrigues dos Santos, que chegou à presidência do CDS com uma agenda marcadamente mais conservadora e com o objetivo assumido de cortar com a estratégia catch-all party de Assunção Cristas, tem tido dificuldade em impor-se política e mediaticamente. A instabilidade no partido e, sobretudo, a pandemia dificultaram de que maneira a afirmação do líder.

Mas, nem por isso, Francisco Rodrigues dos Santos esqueceu as responsabilidades e a alegada incoerência dos seus críticos. “Estivemos para morrer com o regresso de Paulo Portas, que tinha sondagens tão baixas quanto as que temos hoje, e não morremos. [A anterior direção] teve 4% e deixou crescer a Iniciativa Liberal e o Chega para representação parlamentar. Nessa altura, identificavam-se [com o partido]. Hoje não se identificam?”, provocou.

Nesta última CPN do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos tentou, mais uma vez, apelar à mobilização de todos e afirmar uma identidade. “Não somos tão radicais quanto o Chega, nem tão cinzentinhos quanto o PSD”, disse. Resta saber se o partido e os eleitores ainda o acompanham.