As previsões do Governo para o impacto do Novo Banco nas contas do Estado tem sido sempre ultrapassadas pela realidade. E 2021 não deverá ser diferente.

Segundo a proposta orçamental apresentada por João Leão, a estimativa para o impacto da recapitalização da instituição bancária, via Fundo de Resolução, no défice do próximo ano equivale a 0,13% do Produto Interno Bruto (PIB). Esta percentagem corresponde aos 275 milhões de euros de financiamento adicional que o Fundo de Resolução deverá ir buscar à banca, sob a forma de empréstimo, para assegurar a capitalização do Novo Banco.

No entanto, o valor dessa capitalização deverá ser superior. Aliás, o número que consta das tabelas anexas à proposta orçamental, e que tanto trabalho deu aos jornalistas para o encontrarem, aponta para transferências do Fundo de Resolução de 475 milhões de euros para a banca. Um valor que o próprio secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, confirmou que corresponde à previsão da transferência a realizar para o Novo Banco em 2021, ao abrigo do contrato de venda que protege o comprador das perdas em ativos de má qualidade.

Mas o Governo optou por contabilizar apenas os 275 milhões de euros, apesar de o INE (Instituto Nacional de Estatísticas) ter sempre considerado que a conta deve abranger a totalidade da transferência feita pelo Fundo de Resolução para o Novo Banco. Como aconteceu no passado e como deve continuar a acontecer, segundo resposta dada por fonte oficial do organismo de estatísticas ao Observador.

Isto apesar de para 2021 estar prevista uma mudança. O recurso por parte do Fundo de Resolução a um empréstimo junto de entidades privadas. Os bancos devem financiar uma parte da transferência que antes era assegurada por empréstimo do Estado — obrigação contratual que o Governo deixou cair para agradar ao Bloco de Esquerda. Questionado sobre o impacto orçamental desta eventual operação, fonte oficial do INE respondeu ao Observador que o empréstimo vai onerar a dívida pública, mas não altera o critério que inclui toda a transferência do Fundo de Resolução para o Novo Banco no saldo das contas do Estado.

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Caso o Fundo de Resolução contraia um empréstimo ao setor financeiro para financiar parte da transferência de capital a efetuar para o Novo Banco, esse montante terá impacto na dívida das Administrações Públicas”.

Mas acrescenta: o “impacto no défice corresponderá à totalidade da transferência de capital do Fundo de Resolução para o Novo Banco”.

O Observador voltou a questionar o Ministério das Finanças sobre esta, aparente, diferença de critérios nas contagem dos efeitos no défice. E fonte oficial reafirmou explicações dadas pelo ministro João Leão que remetem para um “efeito estatístico” que resulta da circunstância de o Fundo de Resolução estar arrumado (pelas autoridades estatísticas) no perímetro das contas públicas. O resultado é que a saída de fluxos financeiros para uma entidade privada como o Novo Banco têm de ser consideradas para cálculo do saldo orçamental.

O Ministério das Finanças ao Observador explica ainda que os 275 milhões de euros inscritos na previsão de défice de 4,3% do PIB, e que seguiram para Bruxelas, correspondem ao empréstimo bancário ao Fundo de Resolução. “No fundo trata-se do “efeito líquido”, ou seja, excluindo receitas próprias do Fundo de Resolução e despesas com juros”.

Também o INE assinala que “as contribuições pagas pelo setor financeiro ao Fundo de Resolução são consideradas receita das Administrações Públicas, com o correspondente impacto no saldo”. Neste caso positivo, contra o efeito negativo do empréstimo. No entanto, estas receitas próprias do Fundo existiriam mesmo sem injeções no Novo Banco. E teriam sempre esse efeito positivo. “Dado que o Fundo de Resolução integra o setor institucional das Administrações Públicas, as suas receitas e despesas estão refletidas no saldo das Administrações Públicas”, acrescenta o INE.

Se o Governo considerasse os 475 milhões de euros da prevista injeção no Novo Banco em 2021 isso equivaleria a 0,2% do Produto Interno Bruto. Em causa está uma diferença de apenas 0,1 pontos percentuais do PIB que só ganha relevância porque a aprovação do Orçamento do Estado está na corda bamba perante a intransigência mostrada pelo Bloco de Esquerda sobre o tema Novo Banco. Para o Bloco, não basta que o Estado deixe de financiar a injeção, como fez no passado, mas a operação deve ficar de fora das contas do défice. Até porque o partido coordenado por Cataraina Martins, ciente das derrapagens, não quer “passar um cheque em branco”.

Mas dado o “efeito estatístico” que referiu João Leão, é quase impossível tirar o Novo Banco do défice com a atual arquitetura do contrato de venda do Novo Banco e da própria entidade de resolução em Portugal.

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Apesar do maior ruído em redor da questão, e para o qual contribuíram em grande medida os lapsos e correções que o Ministério das Finanças foi fazendo sobre esta matéria, basta olhar para os últimos dois orçamentos do Estado para perceber que as derrapagens na previsão orçamental para o Novo Banco não foram exceção. Foram a regra. Só que em anos contas equilibradas a pressão do Novo Banco passou pelos pingos da chuva. Até agora.

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Para 2020, a proposta conhecida em novembro e enviada à Comissão Europeia previa um impacto orçamental da recapitalização do Novo Banco correspondente a 0,3% do Produto Interno Bruto. Era a tradução em percentagem dos 600 milhões de euros que estavam explicitamente referidos no Orçamento para 2020. No entanto, numa consulta do mapa com a estimativa de despesa do Fundo de Resolução estava lá inscrita uma transferência para instituições financeiras superior a 900 milhões de euros.

Não é claro se no último orçamento que Mário Centeno assinou (e no qual João Leão era secretário de Estado do Orçamento), os 600 milhões de euros representavam o valor total da transferência então prevista, ou se era o financiamento que o Estado teria de dar ao Fundo de Resolução para meter no Novo Banco.

Quando chegou a hora de apresentar a fatura, o Novo Banco pediu 1.037 milhões de euros, 173% mais que a estimativa feita poucos meses antes e que foi aprovada com o Orçamento do Estado. O documento passou com a abstenção do Bloco de Esquerda, semanas antes de ser anunciado o número final da chamada de capital que só fica fechado com os resultados do ano anterior.

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Os 0,3% do PIB que constavam da proposta para este ano vão saltar para 0,5% do produto, ou até mais, considerando a queda antecipada para a economia este ano.

Recuando a 2019, também se verificou uma diferença entre a previsão do Governo e a realidade dos números, sempre para cima. Na proposta orçamental conhecida em outubro de 2018 (versão enviada para a Comissão Europeia), a capitalização do Novo Banco tinha um impacto estimado de 0,2% do PIB, qualquer coisa como 370 milhões de euros. A conta chegou a 1 de março de 2019 e foi três vezes maior do que o Governo previa: 1.149 milhões de euros, o que equivalia a mais de 0,5% do PIB.

O “desvio desfavorável” nas “outras despesas de capital” (devido ao impacto da recapitalização do Novo Banco ter sido maior do que o previsto no OE/2019 é aliás sublinhado na análise que o Conselho de Finanças Públicas fez às contas de 2019. O Governo parece ter ficado mais surpreendido com a dimensão do pedido. E foi aqui que surgiu a ideia da auditoria à gestão e aos créditos ruinosos – que mais tarde foi enquadrada por uma lei do Parlamento que obriga a recorrer a auditorias de cada vez que há uma ajuda pública.

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A auditoria da Deloitte a 18 anos de gestão do BES/Novo Banco foi divulgada só no final de agosto, sem que as suas conclusões tivessem acalmado os ânimos de vários quadrantes políticos em redor do tema, que já se tornou incontornável para a negociação do Orçamento do Estado. E não só só. É que vem aí mais uma comissão de inquérito à banca e um novo pedido de auditoria ao Tribunal de Contas.

Já para 2018, o primeiro ano de execução do mecanismo de capital contingente acordado com a Lone Star, a proposta orçamental não quantificava qualquer pedido de injecção. O valor veio a ser de 792 milhões de euros, ainda assim abaixo da linha limite que Centeno tinha fixado para o esforço do Estado e que era de 800 milhões de euros por ano.