Não é só na casa dos avós que a tradição das porcelanas perdura, não é só na gaveta das meias que a lã tem um lugar de destaque. E quem é que alguma vez disse que as fábricas do século passado não podem ter uma segunda vida? Designers, criativos, investigadores e artesãos no Centro do país souberam reinventar a forma como dão a conhecer as matérias-primas com que trabalham, aliando tradição, criatividade e história. É preciso não deixar isso cair no esquecimento: o nosso património industrial está vivo e merece ser explorado.

Comecemos por Ílhavo, em Aveiro, onde o Museu Vista Alegre nos transporta para um mundo que talvez poucos conheçam. Aprecia a arte centenária da porcelana? E será que conhece os seus segredos? Foi com o intuito de partilhar a memória da porcelana artística e conservar a história da sua produção que a marca Vista Alegre, sinónimo de portugalidade, decidiu ampliar o museu inaugurado em 1964. Atualmente, ao caminhar pelas salas espaçosas e cuidadosamente curadas do museu, poderá deslumbrar-se com o lindíssimo espólio com mais de 30.000 peças, tanto tradicionais como modernas, que nos encantam com os seus detalhes delicados.

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Esta visita promete mais: descubra os documentos e desenhos que permitem conhecer a história da fábrica, a evolução da produção estética da porcelana, e a importância do nosso património. Mais do que visitar um museu, estará a fazer uma viagem imersiva ao mundo da cultura ceramista, onde são evidenciados os saberes de várias gerações de trabalhadores da fábrica. Se gosta de pôr as “mãos na massa”, fique a saber que no espaço educativo do museu poderá iniciar-se na arte da decoração cerâmica, com a ajuda de pintores especializados da Vista Alegre, ou na olaria. Uma dica: procure os dois antigos fornos da empresa, na receção do museu.

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E se falamos de turismo industrial em Portugal, não podemos esquecer a cerâmica. É nas Caldas da Rainha, no Museu da Cerâmica, que somos convidados a descobrir a memória da loiça que faz parte da história da cidade e de Portugal. Criado oficialmente em 1983 na antiga Quinta do Visconde de Sacavém, na zona histórica da cidade, partiu de um desejo antigo da população das Caldas da Rainha. Primeiro, deixamo-nos deslumbrar pelos maravilhosos  jardins de traçado romântico que rodeiam o edifício, decorados com vários elementos cerâmicos, mas o que nos fará querer regressar são as coleções do museu. Em exposição está o que de melhor se faz no nosso país, com várias peças únicas, desde o século XVI aos nossos dias, que representam vários centros cerâmicos portugueses e estrangeiros.

Fique a saber que nesta viagem ao passado, é possível observar os processos de produção local, desde as formas oláricas à produção artística do passado, através de ceramistas caldenses como Manuel Mafra, Eduardo Constantino e Ferreira da Silva.

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Continuamos nas Caldas da Rainha e no universo da cerâmica: não só por ser reconhecida mundialmente, a Fábrica Bordallo Pinheiro, indissociável da cerâmica artística em Portugal, merece toda a nossa atenção e uma visita, pois claro. Descubra as instalações da antiga Fábrica de Faianças, o legado desta indústria e marca portuguesa, assim como alguns objetos que imortalizaram o artista que os projetou. Recorde este nome: mestre Raphael Bordallo Pinheiro.

Não podemos escrever que o melhor fica para o fim, porque este roteiro alternativo está cheio de boas surpresas, mas fique a saber que esta última sugestão promete. Nas Caldas da Rainha, a Fábrica da Molde, fundada em 1988 e uma referência na indústria cerâmica portuguesa, transporta-nos para o mundo desta arte de forma imersiva. Visite a fábrica em funcionamento e aprenda, vendo, todo o processo de criação de uma peça de cerâmica, através da passadeira pedonal construída acima das oficinas de trabalho. Entrar na Molde e não fazer um workshop de pintura, para decorar a sua própria peça de cerâmica, seria um desperdício. Por isso, avisamos atempadamente: reserve um lugar nos workshops facilitados pelos artistas da Molde e “parta a loiça toda”.

Sabemos que nos entende quando escrevemos que não podemos deixar cair no esquecimento o nosso património industrial: não só é parte da nossa história, como turisticamente nos oferece a oportunidade de sair da rotina e descobrir locais alternativos, como o Museu do Vidro, na Marinha Grande. Instalado no Palácio que noutros tempos foi a residência do empreendedor industrial britânico Guilherme Stephens, responsável pelo impulsionamento da indústria vidreira da região. Neste museu, poderá ver uma exposição permanente que conta as histórias que precisamos de saber sobre as técnicas de fabrico, a decoração das peças, e as principais ferramentas utilizadas para trabalhar o vidro. Aproveite para se deslumbrar com as coleções artísticas compostas por taças, jarras e outras peças em exposição, produzidas entre o século XVII e XX. Caminhe pelas salas do museu onde estão representados cenicamente vários espaços, como um local fabril e uma oficina doméstica. Se tiver oportunidade, demore-se nos jardins do palácio.

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É em Porto de Mós, na região de Leiria, que encontramos a Real Fábrica de Azulejo do Juncal. Fundada em 1770, numa altura em que a política do Marquês de Pombal pretendia investir na produção nacional, é desde essa altura uma fábrica importante na região, no universo da cerâmica. Anote o seguinte: as peças que encontrará na Real Fábrica são provenientes de museus e de colecionadores, uma vez que as peças produzidas neste espaço são, desde o início, únicas pelos seus motivos decorativos. Vale a pena visitar.

De Leiria, seguimos para a Covilhã, onde três percursos urbanos nos convidam a revisitar os espaços mais importantes da indústria de lanifícios da cidade da Covilhã, a chamada Rota da Lã, e o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Ora, estes agradáveis percursos permitem-nos conhecer o testemunho industrial desta matéria-prima, e escrito assim até pode parecer não muito divertido, mas garantimos que é. Ao passear por estes trilhos citadinos, conseguimos reconstituir através da observação de bebedouros, tanques, espaços pecuários, abrigos sazonais, palacetes, râmolas de sol, bairros operários, leia-se o nosso património, a história desta atividade milenar. Melhor, melhor, é depois fazer uma paragem pelo Museu de Lanifícios, onde poderá ler toda a informação e aprender mais sobre o processo e modos de produção, sobre as suas aplicações, através da maquinaria e exemplares em exposição, e assim conhecer os antecedentes históricos desta região e as tradições ancestrais da tecelagem, feita de homens e mulheres valentes que conduziam rebanhos por montanhas inóspitas.

Com o boom do turismo, a indústria das conservas despertou o interesse dos turistas e dos portugueses, e por isso, já que consumimos esse produto, porque não aprender o que não se vê nas embalagens bonitas? Fique a saber que o sítio ideal para descobrir a história e o desenvolvimento do processo conserveiro (e todas as duas fases) chama-se COMUR, o pólo museológico da indústria conserveira, na Murtosa. Há que apoiar o que nos diferencia.

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Ainda na Covilhã, vale a pena parar na antiga fábrica António Estrela/Júlio Afonso, que atualmente é o singular e renovado New Hand Lab. Quem atualmente caminha por este espaço cultural com salas repletas de instalações artísticas e exposições 100% dedicadas à lã, dificilmente imagina que, no passado, aqueles 10 mil metros quadrados eram a sede de uma reputada fábrica de produção de lã. A diminuição do número de encomendas levou os proprietários da fábrica a parar alguns setores de produção e a transformar o espaço numa hub onde um coletivo de artistas, criadores e designers locais partilham o seu trabalho. Este é um espaço de expressão livre e criatividade a não perder. A boa notícia é que alguns produtos podem ser adquiridos dentro da fábrica, numa loja aberta ao público.

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E, já agora, sugerimos visitar um museu a céu aberto? Falamos das Minas da Panasqueira, localizadas entre os concelhos do Fundão e Covilhã, na aldeia da Panasqueira, onde o património mineiro é a estrela desta visita, nomeadamente o mineral volfrâmio. Se ainda não sabe, aproveite para tomar nota que durante a IIª Guerra Mundial, esta mina foi considerada a maior do país e, atualmente, com mais de 12 mil quilómetros de túneis escavados, têm mais de 300 metros de profundidade. As escombreiras não deixam ninguém indiferente: vale a pena caminhar por este local de exploração mineira e sentirmo-nos pequenos perante a grandeza destas paredes rochosas em tons de castanho. Sem a projeção do passado, atualmente ainda estão em funcionamento. Não se esqueça de procurar pela maquinaria, pelo antigo refeitório dos mineiros e pelas estruturas que tornam este local mítico.

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Ao falarmos de património industrial e cultural, é importante referir a Fábrica de Cimento Macieira-Liz, em Leiria, e o Museu de Cimento, duas sugestões a considerar, por terem um papel tão importante na preservação da história da indústria cimenteira portuguesa. Esta fábrica, inaugura em 1923,  foi essencial para a expansão industrial de Novecentos.

Sabia que Portugal tem uma das melhores indústrias de curtumes? Quem o diz é João Carvalho, o responsável do Artspace, o estúdio de arte e atelier do artista, em Alcanena. Não se vai arrepender de percorrer todos os quilómetros necessários até ao distrito de Santarém, para visitar as exposições do João e de outros artistas inspirados pela área de curtumes.

Fale ao vizinho, aos amigos, à família: o nosso património industrial está mais vivo. Não fale baixinho, fale com volume suficiente para que todos saibamos que as nossas tradições mais antigas não caíram no esquecimento.

Saiba mais sobre este projeto em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/