Um grupo de médicos portugueses subscreveu uma carta aberta de resposta à missiva assinada pelo atual bastonário da Ordem dos Médicos e quatro ex-bastonários, que defendem uma maior utilização dos serviços de saúde privados para responder à situação gerada pela pandemia do novo coronavírus.
O grupo, onde se incluem profissionais como Ana Jorge, ex-ministra da Saúde, Isabel do Carmo, antiga dirigente da Ordem dos Médicos, e João Goulão, Coordenador Nacional para os Problemas da Droga , diz não se sentir representado por aquilo que foi publicado no Público a 14 de outubro, defendendo precisamente o contrário — que a proposta expressa pelo bastonário e outros membros e ex-membros da Ordem só aumentaria “as insuficiências que se apontam ao SNS, bem como o que os portugueses teriam de pagar pela sua saúde”.
Na opinião dos subscritores, a carta dirigida a ministra da Saúde, Marta Temido, amplia “em tom alarmista” as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde, “sobretudo derivadas da pandemia”, para com isso defender a utilização de serviços privados. “Poderá haver médicos concordantes com essa carta, por coincidirem com os seus objetivos. Nós não. Não nos sentimos representados”, afirmam na missiva publicada esta terça-feira, também no jornal Público.
Chamando a atenção para o facto de a Ordem dos Médicos ser “uma entidade de direito público, de inscrição obrigatória”, o grupo lembra que “as posições expressas pelos seus órgãos eleitos têm de corresponder ao máximo denominador comum” e que, por essa razão, “não é lícito” que “a natural credibilidade da Ordem dos Médicos seja mobilizada para as posições pessoais de ex-bastonários e do seu bastonário atual. Descrevendo um ambiente de perigo iminente, vaticinando a falência do SNS e amplificando as suas dificuldades, desassossegando e perturbando a saúde mental das famílias e, sobretudo, das pessoas mais idosas e isoladas”, afirma.
Citando a carta dirigida a Marta Temido, onde se diz que “não há tragédia maior do que esta”, os subscritores defendem que “é bom que se tenha respeito pelas verdadeiras tragédias. É bom que se contribua para a perceção do risco de forma racional e transmitindo a serenidade necessária a quem de facto tem de fazer escolhas todos os dias e tomar as precauções para prevenir o contágio”. Defendendo a “estrutura” e o espírito do Serviço Nacional de Saúde, os médicos explicam assim “a resposta exemplar” durante a primeira vaga que, na sua opinião, não se deveu apenas “à abnegação dos médicos e outros profissionais”.
Afirmando ser muito claro o que aqueles que assinaram a carta de 14 de outubro pretendem, os subscritores declaram que recorrer ao privado é “levar o SNS a comprar (ainda mais) serviços aos estabelecimentos privados, aqueles que, no início da crise, praticamente fecharam, logo disseram que não recebiam doentes com Covid-19 e enviaram grávidas positivas para os serviços públicos”.
“A concretização da proposta de operacionalização do chamado ‘sistema’ de saúde’, com ‘normalização’ da compra de serviços de saúde a prestadores privados, subverteria o conceito constitucional do Serviço Nacional de Saúde. Com esta proposta, só aumentariam as insuficiências que se apontam ao SNS, bem como o que os portugueses teriam de pagar pela sua saúde. O sentido da melhoria do SNS é exatamente o contrário: reforço da capacidade interna, para melhor servir a população em todas as necessidades de saúde e não apenas nas que dão lucro”, concluem os médicos.