O plano de tesouraria da TAP para 2020, que estabelece as necessidades financeiras da empresa no quadro do empréstimo concedido pelo Estado, revela que a empresa tem precisado de mais de 100 milhões de euros por mês, em média, para suprir as necessidades de liquidez.

O documento, com a chancela do Ministério das Finanças, foi entregue à comissão parlamentar de orçamento e finanças esta semana depois de um pedido formal da Iniciativa Liberal. A informação chegou com o selo de confidencial, é muito escassa e nem toda legível. Ainda assim, o documento foi consultado pelo Observador e daí foi possível concluir que o ritmo das necessidades de liquidez da TAP tem sido de 120 milhões de euros por mês, em média, desde maio, quando se começou a esgotar a caixa da transportadora aérea. A empresa foi duramente atingida pelos efeitos da pandemia logo a partir do final de março com a paragem quase total das operações em abril.

Também é possível perceber que as necessidades de liquidez da TAP até ao final deste ano esgotam praticamente o empréstimo concedido pelo Estado e autorizado pela Comissão Europeia. Esta indicação já tinha sido aliás dada pela equipa das Finanças durante a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para justificar a inclusão de uma garantia do Estado de 500 milhões de euros com destino à TAP no próximo ano.

As necessidades de liquidez flutuaram ao longo dos últimos meses. Terão sido maiores, por exemplo, em junho, quando foi necessário suprir responsabilidades de meses anteriores. Com o fim do layoff simplificado que permitiu à empresa poupar mais de 100 milhões de euros em custos salariais só no primeiro semestre, as despesas terão novamente aumentado. Já a receita, e depois de alguma retoma nos meses do verão, voltou a cair e não existe um horizonte temporal para a retoma dada a escalada da pandemia nos principais mercados da TAP.

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Esta quarta-feira, no debate do Orçamento, a questão foi levantada pelo deputado e presidente da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, que, acenando com umas “folhinhas”, não poupou críticas à falta de informação e transparência do documento. “Leu esta folhinha e foi por isso que decidiu enterrar 1.700 milhões de euros na TAP?”, questionou, tendo ficado sem resposta. Perante a resistência e demora, para lá do prazo legal, na entrega do plano de tesouraria ao Parlamento, a Iniciativa Liberal chegou a apresentar uma intimação judicial para exigir o documento. O documento lá chegou ao Parlamento, mas com informação muito limitada e sob reserva de confidencialidade, o que levou o Iniciativa Liberal a insistir com outro requerimento a exigir mais dados sobre as necessidades de liquidez que fundamentaram o empréstimo à TAP.

O Ministério das Finanças entretanto esclareceu ao Observador que a “TAP é uma empresa que atua num mercado global e num setor extremamente concorrencial, onde os agentes acompanham de forma particularmente atenta a informação sobre o mercado e sobre os concorrentes”.

“A identificação de montantes a pagar, de quais os credores cujos saldos serão liquidados, e dos momentos em que tal acontece, são informações muito relevantes para o conhecimento das opções das companhias e para a preservação das suas condições de negociação com os credores. A sua divulgação pública seria assim uma enorme desvantagem comparativa para a TAP face às restantes companhias”. No entanto, acrescentam as Finanças, “esta circunstância em nada invalidou que a informação fosse prestada ao Parlamento, sob confidencialidade, precisamente pelos motivos acima identificado”. Os dados enviados não identificam os credores da empresa.

Só reestruturação pode reduzir necessidades financeiras, mas pode custar mais no início

Para travar necessidades financeiras, a TAP tem de avançar com o plano de reestruturação logo no início do ano para baixar os custos. Ao atual ritmo, as exigências de tesouraria consumiriam os 500 milhões de euros de garantia estatal (a atribuir a um empréstimo privado) ainda antes de terminar a primeira metade do ano.

No entanto a aplicação de medidas do plano, que começará a ser negociado com a Comissão Europeia em novembro, deve implicar, no imediato, uma subida dessas necessidades de forma a financiar os custos das medidas reestruturação. O Observador sabe que o plano a apresentar ao Governo, e a negociar com Bruxelas, não prevê nas medidas iniciais o recurso a despedimentos sem acordo. Mas aposta em outras alternativas para reduzir os custos com os pessoal que custam dinheiro, como rescisões negociadas ou reformas antecipadas e pré-reformas, uma modalidade que também seria financiada pela Segurança Social. Outras modalidades passam pela negociação com sindicatos no sentido de reduzir regalias a nível de remuneração para evitar precisamente despedimentos.

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O Governo já admitiu que os 500 milhões de euros inscritos na proposta orçamental para a TAP correspondem a um cenário base, não excluindo que o valor possa vir a ser mais elevado, com impacto nas contas públicas. Também o Conselho de Finanças Públicas alertou já para esse cenário, considerando que a TAP é um dos riscos deste Orçamento. Dúvidas que são já quase certezas para alguns partidos da oposição. O tema tem suscitado muitas perguntas ao Governo, sobretudo a parte do PSD e da IL, mas as explicações ou não são dadas ou são vagas e não acrescentam nada de novo, como aconteceu com as respostas dadas esta quarta-feira por João Leão.

O plano de tesouraria que chegou ao Parlamento terá sido apresentado à Comissão Europeia em maio quando foi negociado a ajuda de emergência do Estado à TAP com base no modelo financeiro da companhia. No Orçamento suplementar, o montante a usar do empréstimo seria da 940 milhões de euros, mas com o passar do tempo e a incerteza na retoma da aviação rapidamente se chegou ao teto máximo negociado com Bruxelas.

Outra das questões levantadas no debate orçamental foi o destino do dinheiro que o Estado está a meter na TAP. O PSD questionou o ministro das Finanças sobres os montantes do empréstimo que terão sido destinados ao cumprimento de obrigações financeiras na empresa de manutenção no Brasil.

Quando questionado sobre esta situação, o secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, afirmou que o auxílio à TAP “foi dirigido exclusivamente às despesas operacionais indispensáveis à manutenção do funcionamento da companhia, sendo impedido qualquer auxílio a novo investimento ou despesas que não tivessem sido identificadas junto da Comissão Europeia — isto inclui, na prática, fornecedores, salários, leasings com despesas essenciais e, portanto, respondendo à pergunta que fez referência ao Brasil, estas são as despesas que fazem parte do pacote.”

A pergunta feita a João Leão sobre o valor que chegou à VEM, a empresa de manutenção no Brasil, ficou sem resposta.

Atualizado com resposta do Ministério das Finanças às 13h20 de quinta-feira.