Ainda que existam diferenças nos números dados pelo ministro no Parlamento e por fontes sindicais, a anunciada saída de trabalhadores da TAP representa já entre 15% a 17% do total de colaboradores do grupo face ao final de 2019, quando eram 11 mil colaboradores. E todas estas saídas foram feitas apenas pela não renovação de contratos a prazo, confirmou o Observador junto de fonte oficial da companhia que não comentou os números avançados por Pedro Nuno Santos esta quinta-feira.

Entre 1.600 e 1.850 trabalhadores deixaram ou vão deixar a companhia até dezembro (ou março, consoante as fontes ouvidas pelo Observador), sendo que até setembro passado, o número de contratos não renovados andava próximo dos 1.200. A estes números juntam-se as até 860 saídas na Groundforce, empresa de handling (assistência em escala) na qual a TAP é acionista, mas que não faz parte do grupo e não está abrangida no plano de reestruturação, nem na ajuda pública.

O administrador-executivo (CEO) da Groundforce, Paulo Neto Leite, confirmou ao Observador que aos 560 trabalhadores que já saíram desde 15 de março, até ao final de outubro a empresa não vai renovar contratos com mais 250 a 300 contratados a prazo. Ou seja, até ao final do mês a pandemia terá “custado” cerca de um terço dos trabalhadores da Groundforce.

São mais de mais de 2.500 postos de trabalho que já estão condenados num setor que vai demorar anos a recuperar o nível de atividade que tinha, como avisou o ministro das Obras Públicas no Parlamento. A dimensão das saídas já é comparável à grande reestruturação feita em 1995, a última vez que a TAP recebeu apoios de Estado. A ajuda de 180 milhões de contos (cerca de 1,5 mil milhões de euros) teve como contrapartida a redução de 2.600 trabalhadores num universo empresarial que na altura incluía o handling (mas não a manutenção no Brasil).

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“Não é a Comissão Europeia que obriga a reduzir a dimensão da TAP, é o mercado tal como está. Não podemos manter artificialmente uma dimensão que não tenha adesão ao mercado em que temos de operar. Nem se perspetiva que nos próximos anos se venha a ter um mercado que nos permita sustentar a dimensão que a TAP atingiu nos últimos anos”, avisou Pedro Nuno Santos na quinta-feira aos deputados da comissão de economia e obras públicas. “Não podemos manter empregos que não têm trabalho”.

Pedro Nuno Santos avisa que não se poder manter a TAP com dimensão artificial se não houver mercado

O número já anunciado de saídas não deverá ficar por aqui, até porque a TAP está a operar a cerca um terço da sua capacidade instalada. O plano de reestruturação a apresentar a 6 de novembro na Comissão Europeia deverá contemplar programas de rescisões voluntárias e de reformas e pré-reformas. Ao contrário das não renovações, que exigem apenas a notificação antecipada do funcionário, estes programas envolvem custos para a empresa e exigem a adesão do trabalhador, pelo que são muito mais complexos de negociar, com previsível conflitualidade laboral e de resultados menos garantidos.

Pessoal de cabine e de terra são os mais afetados

Para já, e de acordo com a informação recolhida pelo Observador, as saídas por não renovação de contratos afetam todas as áreas do grupo TAP — desde a engenharia e manutenção até aos pilotos, mas é no pessoal de cabine e no pessoal, onde a força de trabalho é mais significativa, que há mais saídas. Tal como no handling.

José Sousa, secretário-geral do SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos), indicou ao Observador que o número de contratos a prazo não renovados pode chegar aos 1.850 até março (esse foi o mês de 2020 em que a TAP renovou os últimos contratos antes da pandemia). O dirigente estima que o pessoal de voo, os tripulantes de cabine, terá sido a classe profissional com mais saídas porque também é mais numerosa na empresa. O número de saídas poderá chegar aproximar-se dos mil (apesar de dados até final do ano indicarem não renovação de cerca de 700 contratos). O Observador tentou, sem êxito, obter esclarecimentos adicionais do SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil).

No pessoal de terra, José Sousa admite que possam ser afetados entre 700 a 800 trabalhadores com contratos a prazo. E acrescenta que devido às medidas de layoff aplicadas ao longo do ano — agora substituídas pelo regime de apoio à retoma progressiva — os trabalhadores de terra vão chegar ao final do ano com uma perda de rendimento equivalente a três salários brutos.

Também há saídas nos serviços administrativos e áreas de setores mais especializados – como a mecânica e manutenção e pilotos – mas terão menos expressão, porque são menos, mas também há menos contratos a prazo. Para José Sousa, a precariedade e o trabalho temporário eram uma realidade escondida no setor da aviação que veio ao de cima com a crise do Covid-19.

O dirigente sindical critica a empresa por não estar a focar as reduções de emprego na operação de manutenção no Brasil (a VEM foi alvo de uma grande reestruturação ainda antes da pandemia de Covid-19) para salvar postos de trabalho em Portugal na área da manutenção e engenharia. José Sousa avisa que não se deve ajustar a força de trabalho ao atual nível de operações porque a empresa vai precisar manter capacidade de resposta para reforçar a atividade quando as condições de mercado melhorarem.

Já Pedro Nuno Santos defende que é preciso encarar seriamente o problema. A TAP está a operar a 30% ou a 35% da capacidade. Por mais do que uma vez, o ministro alertou: “Não podemos manter uma dimensão durante anos que não é justificada pela procura. Não temos capacidade financeira, nem no país, nem no Estado, para manter artificialmente uma dimensão que não consegue ser sustentável neste momento. Não temos procura e há incerteza sobre quando voltará”.

O secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, referiu que as projeções mais recentes indicam que só em 2025 o mercado poderá regressar ao nível que estava em 2019. E fez essa declaração ao justificar a inscrição – na proposta orçamental – de uma garantia do Estado de 500 milhões de euros a um empréstimo da banca, a juntar aos 1.200 milhões de euros de empréstimo público já concedido.

Groundforce perde um terço dos trabalhadores com a pandemia

Nas operações de handling o cenário não é melhor. Pelo contrário. A Groundforce (detida em 49,9% pelo Grupo TAP, sendo os restantes 50,1% da Pasogal, SGPS) vai chegar ao final deste mês a perder quase um em cada três trabalhadores face ao pré-pandemia, a 15 de março.

Em declarações ao Observador, o CEO da empresa, Paulo Neto Leite, disse que a empresa terá de tomar uma decisão até ao final de outubro sobre 360 trabalhadores a termo certo, cujos contratos terão de ser renovados ou não. “Muito está dependente dos planos de voo da TAP, mas contamos renovar contrato com entre 77 e 122 trabalhadores”. Ou seja, até ao final do mês a Groundforce vai dispensar entre 250 e 300 trabalhadores, estimou Paulo Neto Leite.

Isto a somar aos mais de 550 que saíram desde 15 de março. Nessa data, a empresa tinha um total de 3.243 trabalhadores: 2.305 efetivos, 401 temporários e 537 contratados. Seis meses de pandemia, restrições à mobilidade e companhias quase paradas tiveram um custo alto para a Groundforce (bem como para todo o ecossistema aeroportuário). A 1 de outubro a situação tinha encolhido para 2.683 trabalhadores, com a saída de todos os 401 temporários, três efetivos e 156 contratados. Ou seja, um total de 560 trabalhadores (apenas 3 por rescisão mútua e os restantes por não renovação do contrato) a que se juntam até 300 este mês.

Groundforce tem de decidir renovação de mais de 300 trabalhadores em outubro

Paulo Neto Leite diz que as companhias aéreas e a ANA – Aeroportos de Portugal têm vindo a agravar, indiretamente, a situação da Groundforce. Em primeiro lugar, porque “as companhias estão a concentrar os voos em horários que evitem ‘nightstops'” – em que as equipas de voo têm de permanecer num hotel no destino e fazer o regresso ao aeroporto de origem no dia seguinte. Por causa dessa medida das companhias “há faixas horárias em que tenho mais voos do que tive na mesma altura do ano passado”, conta o responsável da empresa.

“Outra razão prende-se com a decisão da ANA de não abrir o terminal 2” do Aeroporto de Lisboa, diz. “Ou seja, tenho companhias como a Easyjet ou a RyanAir a ocupar as mangas do terminal 1 [há 14 mangas no terminal 1 no total] e depois tenho de fazer mais transportes de passageiros de autocarro”, salienta Paulo Neto Leite. Mas aqui começam os problemas em cascata: por causa da pandemia, os autocarros têm de circular com meia lotação de passageiros. Ok, então aumenta-se a necessidade de autocarros. “Não, não posso. O aeroporto de Lisboa não tem capacidade para acomodar mais autocarros”, diz o CEO da Groundforce.

Em suma, a necessidade que a Groundforce tem tido de trabalhadores para o (pouco) serviço que há tem variado. “Isso levou-nos a fazer um pedido diretamente à Direção-Geral do Emprego e Relações do Trabalho para contratar alguns dos trabalhadores com quem não tínhamos renovado”, contou Paulo Neto Leite. A DGERT compreendeu, mas não aceitou e deu um motivo óbvio: a empresa tinha trabalhadores no layoff simplificado e agora pretendia contratar a prazo “com o argumento do aumento extraordinário de atividade”, algo que, em termos globais, não havia.

“Mas o novo mecanismo que veio suceder ao layoff, o apoio à retoma progressiva, já permite contratar enquanto beneficiamos dele”, sublinha Paulo Neto Leite. E a Groundforce vai aderir em força ao novo mecanismo – que permite horários zero aos trabalhadores, com 80% dos salários pagos pela Segurança Social – em força.

Comparação com Ryanair. “Não temos capacidade financeira para queimar liquidez”

O ministro das Infraestruturas afastou ainda comparações com o nível de retoma de oferta de empresas como a Ryanair ou a Lufthansa que “estão a queimar liquidez”, o que significa perder perder dinheiro nas rotas. A companhia Ryanair, acrescenta, está a perder 250 milhões de euros por mês. “Não temos capacidade financeira para isso, temos de ter uma gestão mais criteriosa”.

A TAP não é comparável também porque a vive mais do tráfego de transferência do que dos voos ponto a ponto e das rotas transantlânticas que são mais afetadas pela crise pandémica. Pedro Nuno Santos aproveitou ainda para atacar a companhia low-cost irlandesa que anunciou a intenção de processar Portugal no Tribunal Europeu de justiça por causa da ajuda à TAP. A Ryanair, disse, também é subsidiada pelo Estado português quando voa para Faro ou para o Porto. É um “paradoxo e uma falta de vergonha quando está contra a ajuda à TAP”.

Pedro Nuno Santos reafirmou que o objetivo é manter o hub em Lisboa, porque isso é fundamental para a sobrevivência da TAP e uma empresa que tenha capacidade para cumprir o papel que era assegurado nas rotas europeias, transcontinentais e que continue a ser líder da Europa para o Brasil. Mas terá de ser uma TAP “sustentável”, ou seja capaz de gerar receitas que cubram os custos e que não esteja sempre a perder dinheiro, porque sublinhou “não teremos o apoio popular” para apoiar uma empresa que não seja sustentável.

Pedro Nuno Santos deixou a garantia de que o esforço não será apenas pedido aos trabalhadores. Todas as partes vão ser chamadas a participar no esforço de reestruturação da TAP, como os fornecedores e credores. E revelou que está a ser estudado o reforço da frota da Portugália de aviões mais pequenos para permitir servir rotas que atualmente são deficitárias com os aviões da Airbus.