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"Estamos com o pico da segunda vaga à vista"

Este artigo tem mais de 4 anos

Ao Observador, o especialista Carlos Antunes, autor da previsão para pico da segunda vaga, diz que "entrámos em estabilização". Mas avisa: se relaxarmos as medidas o momento de alívio pode atrasar-se.

Coronavirus Emergency In Lisbon
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Se ultrapassarmos a média de sete mil casos notificados, o pico atrasa-se uma a duas semanas, avisa Carlos Antunes

NurPhoto via Getty Images

Se ultrapassarmos a média de sete mil casos notificados, o pico atrasa-se uma a duas semanas, avisa Carlos Antunes

NurPhoto via Getty Images

Manuel do Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, apresentou a previsão de que o pico da segunda vaga da epidemia de Covid-19 vai ser atingido entre 25 e 30 de novembro, com 7 mil casos por dia. O pico no número de óbitos chegará a meio de dezembro com entre 95 e 100 óbitos em 24 horas.

As projeções, apresentadas na reunião do Infarmed que esta quinta-feira juntou especialistas, o Presidente da República, governo e partidos com assento parlamentar, vieram das contas de Carlos Antunes, investigador da mesma faculdade, que passou a última quarta-feira a trabalhar com Manuel do Carmo Gomes nos gráficos mostrados no encontro.

Em entrevista ao Observador, Carlos Antunes resume como é que os dois especialistas chegaram à conclusão de que, ao contrário do que acontecia há cerca de um mês, o pico da nova vaga de Covid-19 já está no horizonte. Mas tudo vai depender dos números que se verificarem até sábado.

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O impacto as novas regras de recolhimento obrigatório nos concelhos com risco mais elevado de transmissão "só começarão a ter efeito ao longo desta semana", diz Carlos Antunes

Carlos Antunes/FCUL/Universidade de Lisboa

Porque é que já temos o pico da segunda vaga à vista?

Em outubro, Carlos Antunes explicou ao Observador que o pico da segunda vaga era ainda indefinido. Os gráficos de novos casos de infeção pelo novo coronavírus estavam “a apontar para o céu”. “Há uma grande incerteza, pode ser desde meados de novembro até finais de dezembro. Isto tendo em conta os dados atuais, porque como o R(t) vai evoluir, o que isto vai significar é que o pico vai-se dar no infinito, ou seja, ficamos sem saber quando é que se vai dar, deixou de estar definido”, disse na altura o especialista.

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Agora, o investigador já tem uma previsão mais concreta: o pico vai acontecer algures entre 25 e 30 de novembro e até pode ocorrer mais cedo, dependendo dos números de novos casos que se verificarem até sábado.

“Nós estamos com o pico à vista porque o número de novos casos diários está a diminuir e a convergir para zero. O próprio R(t) [número de pessoas que um infetado tem capacidade para contagiar] também tem paulatinamente vindo a convergir para 1.0, o que é sinal de estarmos a chegar a um ponto de inflexão, em que se alcança um planalto e um pico”, descreveu.

Isso já é resultado das medidas de restrição anunciadas em novembro?

Sim e não. Segundo Carlos Antunes, a diminuição da taxa de incidência da Covid-19 “já se verificava desde 27 de outubro”, cerca de duas semanas depois de o governo ter anunciado oito medidas de contenção. As medidas previam a entrada em estado de calamidade, a proibição de ajuntamentos com mais de cinco pessoas, a limitação de grandes eventos familiares a um máximo de 50 participantes, o cancelamento das festas académicas, o reforço de ações de fiscalização, o agravamento das coimas a quem não cumprir as regras e a recomendação — e depois obrigatoriedade — do uso de máscara comunitária na via pública.

Ou seja, a diminuição da taxa de incidência da Covid-19 começou a acontecer muito antes das medidas mais apertadas de restrição delineadas pelo governo e postas em andamento a 9 de novembro. Aliás, os especialistas acreditam que o impacto dessas novas regras — como o recolhimento obrigatório nos concelhos com risco mais elevado de transmissão — “só começarão a ter efeito ao longo desta semana”. “Os números de ontem e de hoje poderão já ser reflexo dessas medidas”, diz Carlos Antunes

Ainda assim, o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa acredita que “as medidas vêm no bom sentido porque vão acentuar e reforçar a tendência de diminuição”: “O comportamento das pessoas e a utilização de máscara já estavam a surtir efeito. Há uma atenuação no aumento dos casos, que começa a desacelerar. Mas reforçando as medidas de proteção e de mitigação, essa redução da aceleração intensifica-se até chegarmos a um ponto em que os casos já não vão aumentar diariamente”.

Já podemos relaxar as medidas de restrição?

Não, não podemos. “Se confirmarmos esta semana que não temos números exagerados até sábado, o cenário de poder ocorrer o pico nos próximos sete dias é maior. Se os casos até sábado continuarem a aumentar progressivamente acima dos sete mil casos, mesmo que numa taxa mais baixa, o pico pode ser mais tarde”, antecipa Carlos Antunes.

Segundo o especialista, a continuidade das medidas que limitem os contactos sociais — seja o recolhimento obrigatório a partir das 13h ao fim de semana ou outras iniciativas que surtam o mesmo efeito — é essencial para que o aumento do número de novos casos reportados diariamente comece a atenuar e, a certa altura, a métrica comece mesmo a diminuir. “Prolongando o estado de emergência, estamos no sentido de achatar a curva”, descreve Carlos Antunes. Mas tudo depende “do comportamento das pessoas” e “do que acontecer nos próximos dias”.

Neste momento, a média de novos casos nos últimos sete dias é de 5.800 notificações por dia. Se essa tendência se verificar, “entramos numa estabilização”. “Isso confirma aquilo que nós temos observado tanto no indicador do R(t), quer na taxa média de novos casos diários: estão a estabilizar e estão a indicar uma convergência para a ocorrência do pico”, explica. Mas este é um equilíbrio sensível: se ultrapassarmos a média de sete mil casos notificados, o pico atrasa-se uma a duas semanas.

Ou seja, temos 5.800 casos de contágio por dia?

Não. O que Carlos Antunes explica é que essa é a média de novos casos nos últimos sete dias diagnosticados pelas autoridades de saúde, confirmados através da testagem. Na verdade, o número de contágio que ocorre diariamente é muito maior: “Estimamos que estejam a ocorrer 6.200 contágios por dia”, avança o investigador. Ou seja, há 400 casos de infeção que não estão a ser detetados pelas autoridades de saúde, continuam a circular e a transmitir o vírus.

No entanto, essa diferença já foi de 800 casos, o que significa que “a própria estratégia de fazer mais testes” está a resultar.

“Quando detetarmos o mesmo número de contágios, temos capacidade de começar a reduzir a transmissão do vírus. Precisamos de duas estratégias: contabilizar mais rapidamente o número de contágios que está a ocorrer e travar o avanço do contágio através da diminuição dos contactos entre as pessoas”.

Para saber quantas pessoas estão efetivamente a ser contagiadas diariamente pelo novo coronavírus, os especialistas utilizam um processo chamado nowcasting. Aos epidemiologistas não interessa tanto saber quando é que um novo caso é identificado, mas sim quando é que a pessoa foi efetivamente infetada. Por isso, corrigem os dados e aquele caso passa a constar no dia do início de sintomas.

É essa a lógica do gráfico de barras incorporado nos boletins diários publicados diariamente pela Direção-Geral da Saúde (DGS): as barras mais escuras sinalizam a data de diagnóstico dos novos casos diários e as baras mais claras referem-se à data do início de sintomas — o indicador que realmente importa para saber como está efetivamente a situação epidemiológica do país.

O gráfico de barras que distribui os novos casos diários em função da data de diagnóstico e de início de sintomas. Créditos: Direção-Geral da Saúde

Direção-Geral da Saúde

O que nos dizem os números sobre a pressão no Serviço Nacional de Saúde?

Se constatarmos que o pico se vai verificar até ao fim de novembro, também haverá um impacto em termos de internamentos, confirma Carlos Antunes. “Estamos a fazer uma análise independente de três indicadores — incidência, internamentos e taxa de letalidade. Todos estes indicadores estão a demonstrar uma redução na taxa de aumento“, descreveu ao Observador.

Mas a velocidade com que isso se está a fazer “não é a mais desejável”, alerta Carlos Antunes, porque “seria melhor que conseguíssemos reduzir já drasticamente o número de novos casos para se ter logo um impacto nos internamentos e começarmos a sentir logo a curto prazo a diminuição da pressão sobre o SNS”. Por isso é que as medidas de restrição de contactos entre familiares e amigos — fonte de grande parte dos novos casos, segundo as autoridades de saúde — é tão importante.

De qualquer modo, a evolução matemática dos três indicadores estudados por Carlos Antunes “não traz más notícias”:

“É bom que estejamos a reduzir a taxa diariamente para que, a curto prazo, consigamos ver já uma estabilização e depois uma diminuição no número de internamentos. Só era bom que isso acontecesse de forma mais rápida.”

Na primeira vaga, o pico de internamentos de doentes da Covid-19 ocorreu duas a três semanas depois do pico de novos casos diários de infeção pelo novo coronavírus. Desta vez, essa diferença deve ser apenas de “alguns dias”, prevê o investigador. Porquê? “Acredito que seja pela alteração dos protocolos internos dos internamentos, em que os critérios para colocar doentes nos cuidados intensivos é diferente do que era na primeira vaga. Há maior eficiência na prestação de cuidados de saúde e conseguem reduzir esse impacto”, avança Carlos Antunes.

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