O camionista, de 43 anos, acusado de atropelar mortalmente o antigo amante da ex-mulher, em 2014, na Tocha, concelho de Cantanhede, afirmou esta quinta-feira que foi um acidente e que perdeu o controlo do camião.
Na primeira sessão de julgamento, o arguido, hoje a morar em França, confirmou que sabia da relação extraconjugal da ex-mulher, mas alegou que não conhecia o amante nem sabia quem era, apesar de trabalhar na mesma empresa da antiga companheira, onde o camionista ia regularmente em trabalho.
O homem, que é acusado de homicídio qualificado, rejeitou os factos da acusação do Ministério Público (MP), alegando que tudo não passou de um acidente.
O arguido referiu que na madrugada de 17 de setembro de 2014, já depois de ir buscar o camião ao seu local de trabalho, alterou o trajeto previsto para ir a casa buscar um medicamento que tomava para os tremores causados pela esclerose múltipla. Negou ter visto a vítima na berma da estrada a caminho da empresa (que estaria à espera que a sua na altura mulher saísse do trabalho) nem no trajeto para casa.
Questionado pelos juízes, o homem referiu que chovia muito e registavam-se ventos fortes. O camião terá fugido para a sua esquerda, sentiu um ressalto, perdeu o controlo da viatura e acabou por embater contra o carro, que estava estacionado na berma, na via oposta, estando a vítima fora do veículo.
Um camião foge-lhe assim? Um carro pequenino, em velocidades superiores, pode ficar instável, mas não é habitual acontecer a um veículo pesado e parece que se abateu ali uma grande tempestade”, comentou o juiz que preside ao coletivo, Miguel Veiga.
O arguido afirmou no julgamento que não sentiu o camião a embater contra uma pessoa, tendo-se apenas apercebido de que havia uma vítima, quando foi ver os estragos do embate. “Vi umas pernas debaixo do camião, entrei no camião, fiz marcha-atrás e telefonei logo à GNR a pedir auxílio”, contou, frisando que nunca se apercebeu de quem era a vítima.
Questionado pelo Ministério Público, o arguido afirmou que não foi ver quem era a vítima nem procurou perceber se o homem estava com vida.
“Não quis saber se a pessoa estava bem ou não, se falava, se estava viva?”, insistiu a procuradora, questionando também o facto de o arguido ter ligado para o posto da GNR da Tocha em vez de ligar logo para o 112 – “até uma criança de quatro anos sabe ligar ao 112”.
Em vários momentos, foram questionadas várias das alegações do arguido, nomeadamente o facto de se ter esquecido apenas naquele dia de não levar a medicação para o trabalho ou de não ter nunca tido curiosidade em saber com quem é que a sua ex-mulher o tinha traído, quando o caso era comentado não apenas na empresa, mas em conversas de café na freguesia da Tocha.
O arguido referiu que recebeu uma mensagem, supostamente da vítima, a dizer que tinha um caso com a sua ex-mulher, tendo confrontado a mulher nessa mesma altura, em junho de 2014, num momento em que a relação já não estava bem. “Pedi logo o divórcio”, referiu.
A procuradora do Ministério Público insistiu com o arguido, que manteve que nunca procurou saber quem era a vítima, salientando apenas que sabia que era um porteiro da empresa onde a ex-mulher trabalhava e que não sabia os nomes nem as caras de todos os funcionários.
No mesmo julgamento, um professor do Instituto Superior Técnico, na qualidade de perito, notou que houve uma travagem mas que, a determinada altura, terá sido tirado o pé do travão, surgindo uma aceleração após o embate contra a viatura.
Há um veículo que sai da estrada com as rodas bloqueadas face à travagem, colide com o veículo e com uma pessoa. Numa situação destas, deveria manter as rodas bloqueadas. Não faz muito sentido já ter ocorrido a colisão e tirar o pé do travão para recuperar o controlo direcional do veículo”, salientou.
Um primo da vítima, também ouvido no tribunal, afirmou que a relação extraconjugal com a ex-mulher do arguido era conhecida e falava-se do assunto na Tocha, referindo que assim que chegou ao local do crime e viu um camião associou logo a essa história. “Comentava-se que o arguido tinha dito que um dia lhe passava com o camião por cima”, relatou.
Já um amigo da vítima teve um depoimento diferente daquele que tinha dado na fase de investigação, voltando depois atrás e confirmando a primeira versão dos factos, em que disse que a vítima lhe teria contado que tinha um relacionamento com a ex-mulher do arguido e que este o tinha ameaçado através de chamadas telefónicas.
Antes do começo da sessão da tarde, familiares da vítima gritaram “assassino” e “ladrão”, quando o arguido entrava no tribunal.