O Presidente da República saiu de Belém e foi até à pastelaria da esquina, mesmo ali ao lado do Palácio de Belém, apresentar a sua recandidatura ao cargo. Estacionou o carro no parque exterior ao Palácio e veio de lá a pé até à Versailles, fazendo-se ao púlpito a avisar logo que o fazia para “palavras simples e diretas” — foram oito minutos apenas. “Há muito tempo defendo que deve haver debates frente a frente com todos os candidatos e assim farei”, prometeu para a campanha Marcelo Rebelo de Sousa e só depois disse com clareza: “Recandidato-me à Presidência da República”.
Porquê? “Porque temos uma pandemia a enfrentar, uma crise económica e social a vencer, porque temos uma oportunidade única de além de vencer a crise mudar para melhor Portugal”, argumentou Marcelo ali mesmo junto à vitrine das queijadas e dos pastéis de nata guardada por Bruno Costa (ver abaixo).
O recandidato presidencial saudou os adversários e falou aos portugueses para “continuar o diálogo e convergência, no essencial”, “com descrispação, com pluralismo democrático”, defendendo que isso só é possível com “um Presidente independente, que não instabilize, antes estabilize e que não divida, antes una os portugueses e puxe sempre pelo que de melhor existe em Portugal”.
Marcelo promete também que não “sairá a meio de uma caminhada exigente e penosa: “Não vou fugir às minhas responsabilidades”. Promete mesmo que não sobrepõe o “comodismo pessoal ou familiar de hoje” à “impopularidade e adversidades de amanhã”. “Tal como há cinco anos cumpro um dever de consciência”, afirma acrescentando a explicação por avançar com o anúncio da sua decisão “só agora”. “Quis promulgar as novas regras eleitorais, antes de promulgar a eleição que quis convocar como Presidente, antes de avançar como cidadão” e também “porque perante o agravamento da pandemia no outono quis tomar decisões essenciais sobre a declaração do segundo estado de emergência, as suas renovações e a sua prolongamento até janeiro como Presidente e não como candidato.”
“Quem avança para esta eleição é exatamente o mesmo que avançou há cinco anos. Orgulhosamente português e, por isso, universalista, convictamente católico, dando primazia à dignidade da pessoa, ecuménico e contrário a um Estado confessional, assumidamente republicano, avesso a nepotismos e corrupções. Determinadamente social democrata e por isso defensor da democracia e da liberdade. Toda ela”, assegura recusando a “democracia ileberal que não é democrática”.
Pede aos portugueses “renovar a confiança” em alguém que conhecem há “20 anos semana após semanas” e “em especial nestes cinco anos vividos em comum feitos de palavras mas também de actos, numa referência aos tempos de comentador televisivo. Ou isto ou a escolha é “alguém diferente com uma visão diversa” da que propõe.
Depois saiu da pastelaria, foi a pé até ao carro e “foi jantar”, segundo disse. A cem metros do Palácio de Belém foi como se nada se existisse ali mesmo do outro lado da estrada, com Marcelo a querer separar às águas de forma clara. Mesmo assim avisou, quando questionado por uma jornalista sobre como compatibilizará a agenda de candidato com a de Presidente, que vai seguir “o que fizeram os antecessores. Se são presidentes, são presidentes“.
Sozinho entrou no seu próprio carro e procurou, no seu rádio, a música certa para o caminho depois de desfeito o tabu: “Can’t take my eyes of yo to” de Frankie Valli.
Aberta só para o efeito, já que o país estava em recolhimento obrigatório desde as 15 horas e os estabelecimentos comerciais do tipo encerrados, a pastelaria Versailles de Belém só tinha mesmo um púlpito instalado no seu interior, uns focos de iluminação, e duas câmaras televisivas para transmitir a mensagem para lá daquele pequeno espaço da pastelaria. O aparato nem chegava ao espaço do restaurante que ficava para lá do cenário com a bandeira de Portugal que está nas costas do recandidato. E os jornalistas tiveram de trabalhar na esplanada, na rua, onde cadeiras e mesas já estavam empilhadas.
O responsável pela casa, Bruno Costa, contou ao Observador que o patrão o contactou antes de fechar a loja para avisar que havia um evento nesta tarde. Marcelo é cliente, “volta e meia passa, sempre à pressa, para cumprimentar aqui o pessoal”, segundo o empregado. O próprio presidente confidenciou aos jornalistas, à chegada, que vai ali “muitas vezes comer um palmier“. Foi naquele mesmo espaço que há cinco anos Marcelo Rebelo de Sousa montou a sua sede de campanha, com vista para o Palácio onde havia de chegar na sequência dessa corrida.
A pastelaria Versailles só abriu ali naquela esquina no final da Rua da Junqueira, em Lisboa, em janeiro de 2017 e hoje é mais uma a queixar-se da crise. “Nós aqui vivíamos sobretudo dos turistas”, queixa-se Bruno Costa que quando é questionado sobre a situação desencadeada pela pandemia deita aquele encolher de ombros conformado: “Quer mesmo falar sobre isso?”.