A lei para despenalizar a morte medicamente assistida em Portugal, aprovada há nove meses, terá de esperar pelo voto final no parlamento, em janeiro, e pela decisão do Presidente da República.

O calendário pode ser politicamente delicado para Marcelo Rebelo de Sousa, católico, Presidente e de novo candidato a Belém, dado que ainda poderá obrigá-lo a tomar alguma decisão sobre a matéria durante a campanha das eleições presidenciais.

Se o processo legislativo for concluído e a lei enviada nos primeiros 15 dias de janeiro para o Palácio de Belém, os prazos para o veto, por exemplo, não se esgotam até dia 24 de janeiro, dia das eleições — o Presidente tem até 20 dias para o fazer.

Mas o mesmo pode já não acontecer com prazo mais apertado (oito dias) para enviar ao Tribunal Constitucional (TC) a lei da eutanásia que vier a ser aprovada no parlamento.

Católico praticante, Marcelo prometeu deixar “posições pessoais” de fora no momento de promulgar leis, caso não tenha dúvidas nem legais nem constitucionais, quando foi questionado sobre a eutanásia na anterior campanha, em 2015.

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Todos os calendários, porém, podem ser alterados — atrasados — se algum partido, durante o período de debate da lei, em curso no grupo de trabalho da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, pedir adiamentos nas votações indiciárias (indicativas) ou se a discussão se prolongar.

Só depois de passar pelo grupo de trabalho e ser votada na especialidade, na comissão de Assuntos Constitucionais, o texto de substituição, resultado do consenso entre os cinco projetos aprovados na generalidade — PS, BE, Partido Ecologista “Os Verdes”, Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e Iniciativa Liberal (IL) — regressa a plenário para votação final global.

E isso só deverá acontecer nos primeiros dias de janeiro, de acordo com deputados da comissão.

À partida, a lei tem o apoio parlamentar suficiente para passar na votação final. Há nove meses, em fevereiro, foi aprovada por uma maioria de esquerda, apesar de algumas divisões no PS, a que se juntou o PAN e a Iniciativa Liberal.

Oito deputados socialistas votaram contra e entre os sociais-democratas foram 12 a votar a favor de alguns dos projetos, incluindo o líder do partido, Rui Rio, que optou pelo “sim”, em contraciclo com a maioria da sua bancada.

À direita, o CDS e o Chega votaram contra a lei e, à esquerda, o PCP repetiu o “não” de 2018.

Em 20 de fevereiro, o debate durou duas horas e 44 minutos e, no final, votaram, um a um, 222 dos 230 deputados. E foi menos tenso do que em 2018, com troca de argumentos conhecidos.

Pelo PS, Isabel Moreira defendeu que cada pessoa deve ser “arquiteta livre do seu destino” e disse que o que está em causa é despenalizar a eutanásia e não liberalizá-la.

José Manuel Pureza, do BE, apresentou a lei como um “passo democrático” e recusou “manobras políticas oportunistas” ou “chantagens emocionais” nas decisões do parlamento.

A bancada do PSD, com liberdade de voto, pôs dois deputados a falar, um a favor e outro contra.

Pelo PAN, André Silva afirmou que aquele debate era sobre “despenalização da liberdade”, enquanto José Luís Ferreira, do PEV, garantia que o seu projeto “em nada” desresponsabiliza o Estado quanto ao dever de “garantir o acesso dos doentes aos cuidados paliativos”.

João Cotrim Figueiredo, da IL, destacou que o seu diploma é o único que garante “acesso prévio aos cuidados paliativos”.

Do lado do “não”, o CDS, através de Telmo Correia, apelou à “resistência” perante a aprovação da despenalização da eutanásia, vendo como legítimo um “recurso constitucional” ou a um referendo.

Pelo PCP, única bancada da esquerda a votar contra, o deputado António Filipe defendeu que o “direito à vida é um direito fundamental, inviolável e irrenunciável” e que a “legalização da eutanásia” acrescenta “novos riscos” numa “sociedade determinada pelo capitalismo”.

Aprovada na generalidade, seguiu-se o trabalho na especialidade, a discussão dos 28 artigos da lei, por vezes alínea a alínea, que se prolongará para os primeiros dias de janeiro num grupo de trabalho.

Pelo caminho ficou o referendo nacional, proposto através de uma iniciativa popular, com mais de 90 mil assinaturas, que foi chumbado na Assembleia da República.

A lei prevê que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável e garante quais as condições em que o profissional de saúde não é punido judicialmente e.

E é precisamente este o artigo, o 2.º, o que define em que situações a eutanásia não é punível na justiça, um dos últimos a ser votado no grupo de trabalho, dado que existem propostas de alteração.