Foi meia-hora de batalha campal. Ambos em pé, no ringue televisivo, João Ferreira e André Ventura trocaram argumentos até deixar de se perceber o que diziam e levarem a moderadora a dizer: “Estamos em roda livre”. O primeiro tema foram logo vários temas e o Observador contou 20 ataques diretos entre ambos logo nos primeiros cinco minutos. Ao longo da meia hora de um debate aceso houve acusações para todos os gostos. No debate transmitido na TVI 24, o candidato apoiado pelo PCP acusou o candidato apoiado pelo Chega de ser mentiroso e faltoso. De volta, foi acusado de apoiar ditadores e de apoiar o Governo. A guerra foi para um nível tão violento que acabaram por acusar-se mutuamente de ter terroristas nas fileiras dos partidos. Chamaram o MDLP, as FARC, Kim Jong-Un e outros não-convidados para o debate. Assim foi a violenta batalha Ferreira-Ventura de 2 de janeiro.

Procurador e tudo o resto. Vinte ataques em cinco minutos

Who’s couting? É difícil contar e só mesmo pondo para trás várias vezes a box se consegue fazê-lo com rigor, mas foram dezenas os ataques entre ambos. Logo nos primeiros cinco minutos, não é preciso calculadora para se chegar aos 20 ataques diretos entre ambos. O pretexto foi a polémica em torno da nomeação de José Guerra, já que terá sido enviada uma nota curricular para a REPER com falsidades. André Ventura começa por atacar o Governo sem dispensar o primeiro ataque: “Quer a ministra da Justiça, quer o ministro da Administração Interna já não deviam estar em funções e se estão hoje é muito por culpa de partidos como o PCP, que o João Ferreira representa e do Bloco de Esquerda, porque são eles que os têm segurado.”

Para Ventura não há dúvidas: a ministra devia ser demitida e o PCP ajuda a segurá-la e, por isso, não tardou num segundo ataque: “Sabe porque [Francisca Van Dunem] não se demite? Porque tem o BE e o PCP, que o João Ferreira representa a sustentá-los”. Pelo meio atacaria Marcelo a quem associaria as “selfies” e sugeria ser um “corta-fitas” cúmplice do Governo. “Se fosse um Presidente a sério, hoje teria dito que seria o último dia da ministra da Justiça”, chegou a dizer.

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Mas João Ferreira era o alvo principal e ainda não tinha falado quando levou a terceira referência direta: “O procurador [José Guerra] ficou em segundo, não ficou em primeiro. Não vejo o João Ferreira dizer nada sobre isso, não vejo o BE dizer nada sobre isso”.

João Ferreira preparou-se para o contra-ataque e começou por dizer que “é importante explicar lá em casa e aqui ao André Ventura que, pelos vistos não sabe como é que é selecionado este procurador. Há um comité europeu e um comité nacional.” E, não esperando que João Ferreira concluísse, André Ventura — perante a acusação de que era desconhecedor do processo — ripostou logo: “Eu falei em comité europeu? Eu não falei. O João está um bocado nervoso já no início”.

O diálogo mais aceso

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João Ferreira: “Se estivermos, de facto, aqui perante informações que foram deliberadamente fornecidas com o conhecimento que não correspondiam à verdade”

André Ventura: “Mas tem dúvidas, João?”

João Ferreira:Vamos, ver. A ministra vai à Assembleia da República. Eu sei que falta muito, mas se lá estiver pode fazer essas perguntas”.

André Ventura: “O problema é que o João Ferreira tem sempre dúvidas sobre o Governo. Está sempre bem consigo”

João Ferreira: “Se aplicasse aqui consigo o critério que está a impor a outros, que é: mentiu, vai-se embora, não estaria aqui a debater comigo”.

André Ventura: “Faz tudo para defender o Governo”

João Ferreira: “Já mentiu tanta vez, como dizer que quando passasse a ser deputado deixava de ser consultor e passou a acumular esse salário até ao momento”

“Não me interrompa”, ia dizendo João Ferreira, pedindo que se esclarecessem todas as dúvidas sobre as informações incorretas enviadas para Bruxelas. E, aí, foi novamente interpelado por Ventura: “Mas tem dúvidas?” João Ferreira esquece o tema e passa para o ataque e sugere que André Ventura falta muito no Parlamento: “A ministra vai à Assembleia da República e o André Ventura, se lá estiver, sei que falta muito, pode fazer-lhe essas perguntas”.

Antes que André Ventura pudesse responder, João Ferreira avança para mais dois ataques que já nada têm a ver diretamente com o caso de José Guerra. Primeiro disse que “se o André Ventura impusesse a si próprio o critério que aqui está a impor a outros, que é ‘quem mentiu vai-se embora’, o André Ventura já não estaria aqui a debater comigo”. Depois lembrou o facto de André Ventura nem sempre ter exercido o mandato de deputado em exclusividade: “Também disse que se fosse eleito deputado deixava de ser consultor e passou a acumular esse salário”.

Ventura acusaria de imediato João Ferreira de “levar o Governo ao colo nos últimos cinco anos” e dizia ao candidato comunista para se lembrar que “é do PCP, não é do PS”. O eurodeputado voltava a falar na pouca assiduidade de Ventura no Parlamento: “Sei que não vai lá muito, não exerce muito o seu papel”. O líder do Chega contra-atacava dizendo que é Ferreira quem está “no Parlamento europeu a ganhar principescamente.” Antes do fim dos cinco minutos de debate, o candidato apoiado pelo PCP ainda lembrava a Ventura o “seu antigo partido, o PSD” e o acusava de “querer acabar com o SNS”. A discussão foi até ao ponto em que deixaram de se ouvir e seria assim, mais coisa menos coisa, todo o debate. Ataques, ataques e mais ataques.

Le Pen para aqui, Kim Jong-Un para acolá

André Ventura voltou a defender a redução de deputados, dizendo que não são precisos 230 deputados “para absolutamente nada”. João Ferreira disse que são e que “já há muitos deputados para defender os grandes interesses económicos”, como o Chega de Ventura, mas não para aquilo que o PCP e outro partidos defendem. Voltou a dizer que Ventura “mal põe os pés na Assembleia da República” e a acusá-lo de ter prometido ser deputado em exclusividade e depois ter usufruído de “três salários”, um deles para defender clientes em “offshores”.

Ventura disse depois que, no caso dos incêndios e no caso de Tancos, teria dissolvido a Assembleia da República, enquanto que João Ferreira disse que, tal como Marcelo, não o teria feito.

Na política externa continuou a guerra entre o comunista e o líder do Chega. Quando a moderadora perguntou a que país iria João Ferreira primeiro, Ventura respondeu no lugar do adversário: “À Coreia do Norte”. João Ferreira diz que o “choca que André Ventura ande com a líder da Frente Nacional, da extrema-direita” que escreveram nas paredes de um clube de futebol português em França: “Morte aos portugueses”. André Ventura responderia no imediato a dizer que João Ferreira o ataca com “a Le Pen e o Salvini quando o ídolo dele é o Kim Jong-Un”.

O líder do Chega insiste várias vezes que João Ferreira tem no site da sua candidatura várias referências a Venezuela, Coreia do Norte e Cuba. “Assuma o seu passado e o seu presente! João Ferreira defende ditadores”, disse Ventura. Disse ainda que havia num dos sites “vídeos a aplaudir Lenine”. João Ferreira desafiou Ventura de ir aos sites provar o que estava a dizer, acusando-o de mentir. Nesse momento, verificou o Observador, os sites do PCP e da candidatura de João Ferreira foram abaixo (previsivelmente pelo anormal número de entradas em simultâneo). “Se quiser mando-lhe o site do PCP”, disse Ventura, que acrescentou: “Está escrito no site do PCP: Lenine é uma referência inspiradora. Um homem que mandou para campos de concentração milhões de pessoas. Diga lá que é mentira”.

O Terrorismo no debate. Do MDLP às FARC, passado pelo MDLP

O debate chegou a acusações de terrorismo. João Ferreira acusa André Ventura de “ter entre os principais apoiantes da força política a que preside gente envolvida em terrorismo bombista”, numa alusão ao passado de ligação de Diogo Pacheco Amorim ao MDLP. André Ventura respondeu ao lembrar a ida das FARC à Festa do Avante!: “Temos muitos apoiantes, de várias índoles, mas nunca tivemos nenhum que participou em terrorismo como o das FP25 de Abril, nem temos nenhum ainda que tenha trazido para a Festa do Avante! terroristas colombianos”.

Ao longo do do debate o registo entre os dois foi sempre de confrontação. André Ventura referiu-se várias vezes a João Ferreira como “João” e, por vezes, até o tratou por “tu”. O candidato do PCP foi mais institucional e referiu-se sempre a André Ventura de uma forma mais formal e utilizando o tratamento “por você”.