Seis dias depois do arranque oficial de campanha, uma iniciativa do candidato-Presidente e depois outra, ao final do dia, mas aí como Presidente-candidato. Marcelo Rebelo de Sousa avisou à última hora que ia a uma farmácia social no Campo Santana, em Lisboa, mas mesmo avisando, chegou muito antes da hora marcada, fez a visita e depois falou aos jornalistas. No fim de tudo feito seguiu rua acima e entrou sem dizer nada a ninguém na Faculdade de Medicina. Estava vazia e era isso mesmo que Marcelo queria mostrar, que as universidades estão em exames por isso não apresentam risco. Diz que anda discreto mas que tem falado aos portugueses. E que não responde aos ataques dos outros candidatos, mas acaba a criticar-lhes a estratégia.
Confrontado com as acusações que lhe chegam nas outras candidaturas e os insultos de André Ventura, o candidato de Belém experimenta aquele golpe de asa de sair por cima. “Primeiro sou Presidente e depois sou candidato”. E no dia seguinte às eleições continua a ser Presidente e convém continuar a falar com todos: “Sou Presidente até 9 de março”. Até cita um antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, que escreveu um artigo de opinião sobre poderes Presidenciais para fazer ver que está a colocar a questão desta campanha a outro nível. “Esse debate é o grande debate para o futuro. Como vamos enfrentar a crise a pandemia e a sociedade e o papel do Presidente. O que anima e, de alguma maneira, é notícia numa campanha são coisas diferentes disto, mas o que os portugueses querem saber é isto: o que é que aquela pessoa vai fazer e em que condições nos próximos cinco anos”.
Nada do que acredita ter sido feito pelos seus adversários, como se entende nas entrelinhas. E depois vai mesmo ao osso, criticando quem recusava criticar, ao dizer que “o fundamental é olhar para o futuro e não tanto estar a dizer o que cada um pensa sobre o que outro usa. Se tem barba ou não tem barba, se usa batom se não usa batom, se se penteia de uma maneira ou de outra, se é bom ou mau, se gosto ou não gosto.” Só ontem, André Ventura falou no batom de Marisa Matias, a candidata do BE lançou uma hashtag aproveitando o assunto e o candidato do IL foi cortar o cabelo. Pelo menos estes três foram apanhados por este não-comenta-que-afinal-comenta de Marcelo.
A mesma estratégia quando a pergunta foi sobre o caso dos jornalistas vigiados a mando do Ministério Público. “Não comento processos criminais em curso”. A frase mais batida entre políticos quando são estes os casos, mas que em Marcelo tem curta duração porque na mesma resposta atira entretanto que o caso já “é antigo, tem dois anos ou dois anos e meio”, ou seja, o seu início é anterior a esta Procuradora-geral que foi nomeada no seu mandato, Lucília Gago, para suceder a Joana Marques Vidal que a sua área política queria que se mantivesse. “Não podemos deixar que o tempo se esqueça”, afirma.
Já sobre a atual liderança, os elogios e a confiança: “Acho importante essa iniciativa da Procuradoria Geral da República de apurar o que se passou, como acho importante o Parlamento querer apurar. Como é importante que, apurado e feito esse inquérito e averiguação pela PGR, seja feito o que tenha de ser feito”.
Mais uma posição sobre o que não comenta e ainda outra quando diz a quem o ataca por não estar na rua e já considerar que as favas estão contadas: “Ninguém é vencedor antecipado. Não há coroações”. “Todos os candidatos valorizam a campanha, todos foram a debates, todos deram entrevistas e todos vão correr, à sua maneira, o país”, atira numa altura em que Ana Gomes o vai acusando de não respeitar os portugueses ao não se mostrar como candidato. Também tanto a candidata socialista como o apoiante Manuel Alegre, no dia anterior, têm dito que se tem de recusar a ideia de que esta campanha é uma mera “coroação” de Marcelo.
Depois do candidato que é Presidente, o Presidente que é candidato
O candidato que também é Presidente entrou na campanha para ficar. E voltou a não esquecer Ana Gomes mais ao final do dia, depois de ter recebido em Belém Tiago Guerra o português que foi condenado em 2017 por peculato a oito anos de prisão e a uma indemnização ao Estado pelo Tribunal de Díli, Timor-Leste. Foi absolvido hoje e Marcelo não perdeu tempo, marcando a audiência durante a tarde. “Não é habitual” falar depois destas audiências, foi o próprio que o sinalizou, mas Marcelo quis fazê-lo desta vez porque se trata de “um cidadão português injustiçado durante muito tempo” e “fez-se justiça, venceu o Estado de Direito Democrático num país irmão”.
Mas nas declarações vinha uma dedicatória inesperada, quando referia que “nesta saga esteve envolvida toda a sociedade portuguesa”, mas muito em particular “a embaixadora Ana Gomes que teve um papel determinante nesta saga de luta pela afirmação de quem temia não ver os seus direitos reconhecidos”. Assim mesmo, como quem não está a falar de um adversário na campanha que decorre, Marcelo meteu a campanha dentro da Sala das Bicas, aquele palco de todas as declarações que se fazem no Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República.
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Também falou da outra audiência da tarde, em Belém, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do semestre “muito cheio” e “muito difícil” que se avizinha. Pela frente, diz, o país tem de “vencer a pandemia, desbloquear o dinheiro — aquele que é mais fácil desbloquear, que não passa pela intervenção de todos, mas também o que passa pela intervenção de todos. E depois olhar para o futuro da Europa”.
Presidente que não quer estar “em bicos de pés”
No Campo Santana, de manhã, já tinha admitido que tem andado “discreto” porque foi aconselhado pelas autoridades de saúde a fazer uma “auto-vigilância passiva” e manter-se afastado de ajuntamentos. “Tenho mantido o cuidado de ter atividade que não suscitem problemas sanitários”. Foi a um alfarrabista que ia fechar há dois dias, foi ao Museu Nacional da Arte Antiga na quinta-feira, ainda antes do confinamento. “Dois dias dedicados discretamente à cultura”, diz agora que veio “a uma realidade que não fecha”. Um centro social que apoia 200 famílias da freguesia de Santo António, “praticamente 17% da população da freguesia”, dizia com o presidente da autarquia, o social-democrata Vasco Morgado mesmo ao lado.
A pandemia limita-lhe os dias, queixa-se Marcelo que promete ir onde houver pessoas — mas não muitas — quando preferia fazer uma campanha como a de há cinco anos. Diz esperar que o confinamento geral não vá além de um mês e que se consiga travar “no primeiro trimestre” o pico de casos: “Não deixar escorregar para o segundo trimestre porque aí já seria meio ano”. Espera também que a vacina comece a produzir efeitos e discorda que seja prioritário receber a vacina, como Presidente da República. “Não vou passar à frente de não sei quantos portugueses por ser Presidente da República”.
Numa entrevista à TVI, o primeiro-ministro admitiu que essa questão (de vacinar titulares de altos cargos políticos) seja colocada em cima da mesma quando se chegar à fase de vacinar os que prestam serviços essenciais, mas Marcelo parece não estar de acordo em entrar para esse grupo. Ou, pelo menos, a falar disso. “Não é o Presidente que se põe em bicos de pés a dizer ‘olhe eu sou muito importante”. Mais uma vez não quis dizer, mas disse.