Uma ponte de 80 metros liga o luxuoso palácio a uma sala de chá. Existe, também, um túnel que leva até à praia. É um túnel subterrâneo, tal como também é subterrânea a pista de hóquei no gelo que ali foi construída. Em cima há uma zona de casino, um spa, uma sala de cinema, uma adega e várias “disco-piscinas“. Há fontes, vinhas e jardins sumptuosos e portas banhadas a ouro. Este é o imponente “Palácio de Putin“, que Vladimir Putin garante não ser seu mas que, num país dilacerado pela crise pandémica, se tornou o maior símbolo da corrupção oligárquica contra a qual milhares de russos se manifestaram este fim de semana – com mais de cinco mil a acabarem detidos.
Só conhecemos pormenores sobre este luxuoso palácio, nas encostas do Mar Negro, porque um ambientalista (e ativista) conseguiu infiltrar-se no local e entregar as imagens a Alexey Navalny, principal rosto da oposição a Putin e que está detido desde que voltou à Rússia após recuperar de um envenenamento. Esse ambientalista, Dmitri Shevchenko, acabou por ser detido mas conseguiu passar as imagens recolhidas numa ocasião em que conseguiu entrar no palácio durante uma pesquisa científica àquela região isolada no Cabo Idokopas, não muito longe da zona turística de Gelendzhik.
“Tudo ali destilava dinheiro“, descreveu o ambientalista em entrevista à correspondente do espanhol El País em Moscovo. As imagens disponíveis estão num documentário em vídeo, que dura quase duas horas, e que foi colocado no Youtube por Alexei Navalny e pelos seus colaboradores – já acumula mais de 100 milhões de visualizações e está legendado em inglês. Nesse documentário mostram-se, também, imagens obtidas com um drone e, também, imagens dos planos de construção que viram a luz do dia na altura em que o palácio foi construído, no início da década passada.
Hoje a propriedade valerá cerca de 1.200 milhões de euros, com uma dimensão equivalente a 39 vezes o tamanho do principado do Mónaco.
Criou-se ali “um estado dentro de um estado”, garante Navalny no documentário – há guardas a proteger a propriedade vedada, 24 horas por dia, e o FSB (antigo KGB) já veio, entretanto, confirmar que existe uma proibição total a que aviões possam sobrevoar aquele palácio e os 50 quilómetros quadrados à volta – mas sublinha que essa restrição foi imposta apenas para proteger aquela costa de alegados espiões da Nato que terão andado por ali. Os barcos também não podem aproximar-se a menos de dois quilómetros da costa, segundo terá dito a Navalny uma fonte do FSB, organismo que colocou ali um posto de observação.
Putin garante, porém, que aquela propriedade não é sua: “nada do que aparece ali descrito como propriedade minha me pertence, nem a mim nem a meus familiares próximos – e nunca pertenceu”. O Presidente russo garante que as imagens que o mostram a nadar numa das piscinas são uma montagem e jura, também, que não viu o documentário de Navalny por ser demasiado longo e “aborrecido” – apenas viu alguns trechos compilados pelos seus assessores.
A student asked Putin today about the palace which was the subject of @navalny's film. Putin says he didn't have time to watch it "because of too much work" but that he can assure him that "none of this belongs to him or his relatives". pic.twitter.com/YGoFKXoDVb
— Christo Grozev (@christogrozev) January 25, 2021
Politicamente explosivo, este tema do palácio tornou-se demasiado importante para se poder ignorar, de tal forma que nos últimos dias surgiu um empresário próximo de Putin a garantir que o palácio é seu – esse empresário chama-se Arkadi Rotenberg e é um multi-milionário ligado aos hidrocarbonetos e cujas empresas são frequentemente premiadas com concursos públicos de vária ordem na Rússia. É, também, segundo o El País, companheiro habitual de judo de Vladimir Putin.
O oligarca que fugiu da Rússia e denunciou que o palácio era de Putin
O palácio está numa região onde a construção era proibida mas, apesar da paisagem magnífica e da proximidade a outras estruturas turísticas, “nunca ninguém teve interesse económico em construir ali, porque tinha de se construir toda a infraestrutura do zero”. A dada altura, porém, os ambientalistas onde se incluía Dmitri Shevchenko ficaram alerta porque souberam que o terreno tinha passado para investidores privados e que havia planos para construir ali – o que aconteceu a partir de 2005.
Um dos empresários envolvidos na construção acabou por ser Sergei Kolésnikov, um magnata da construção que abandonou o país e escrever uma carta aberta ao então Presidente Dmitri Medvédev onde, entre muitas outras coisas, revelou publicamente que era Putin que estava no centro dos financiamentos fraudulentos que teriam estado na origem daquele empreendimento megalómano. Medvédev nunca reagiu a essa carta, que se saiba.
O projeto de construção terá sido supervisionado pelo empresário Nikolái Shamálov, que se tornaria sogro de Putin. O palácio acabaria por ser comprado, alegadamente por 350 milhões de dólares, pelo multi-milionário Aleksandr Ponomarenko. Mas, segundo a Fundação Anti-Corrupção onde participa Navalny, essa foi uma venda fictícia, muito abaixo do valor real, a empresas ligadas a pessoas próximas de Putin – o Presidente continuou a ser, advogam os opositores, a ser o verdadeiro dono da propriedade.
Um outro ecologista, que em conjunto com Shevchenko e outros tentou infiltrar-se na propriedade, o cubano Surén Gazaryán foi em 2012 acusado que “tentativa de homicídio” por alegadamente ter ameaçado os guardas que patrulham o complexo – acabou por ter de sair da Rússia para evitar o que provavelmente seria uma longa pena de prisão. Os seus bens pessoais, que foram apreendidos pelos guardas, nunca lhe foram devolvidos.
Já em 2013 um ativista russo, Vladimir Ivanov, foi condenado a 13 anos de prisão – a pena mais pesada de um conjunto de sentenças que foram aplicadas a outras pessoas que estavam a investigar este palácio, o “Dacha de Putin”. Garantem que todas as provas contra eles eram falsas e queixam-se de terem sido torturados na prisão. Tornou-se “demasiado perigoso” investigar aquele palácio, diz Schevchenko.