O ator canadiano Christopher Plummer, o eterno capitão Von Trapp de Música No Coração, morreu esta sexta-feira nos EUA, confirmou a família. Tinha 91 anos e morreu em casa, no estado do Connecticut, onde vivia com a mulher, Elaine Taylor, com quem foi casado ao longo de 53 anos. A causa da morte, disse Elaine Tayler citada pelo New York Times, foi um golpe na cabeça provocado por uma queda em meados de janeiro.

Christopher Plummer ficou conhecido em todo o mundo por contracenar com Julie Andrews no filme musical mais conhecido de todos os tempos — mas considerava Von Trapp um papel “vazio” que o fazia sentir-se “perseguido” pela fama. Em diversas ocasiões deu conta do desgosto com Música No Coração (1965). “Não é o meu filme preferido, claro, porque roça a lamechice, mas fizemos o possível e o impossível para contornar isso”, afirmou em 2007.

São agora recordadas as prestações em O Homem Que Queria Ser Rei, de John Huston (1975, como Rudyard Kipling ao lado de Sean Connery), O Regresso da Pantera Cor-de-Rosa, de Blake Edwards (1975) ou Processo Arquivado por Ordem Real, de Bob Clark (1979, como Sherlock Holmes).

Mais recentemente, fez Star Trek VI: O Continente Desconhecido (1991), de Nicholas Meyer; O Informador, de Michael Mann (1999, em contracena com Al Pacino e Russell Crowe) e Todo o Dinheiro do Mundo (2017), de Ridley Scott, segunda escolha para um papel inicialmente atribuído a Kevin Spacey, que acabou afastado perante alegações de assédio sexual.

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Antes disso, Assim É o Amor (2010), de Mike Mills, no papel de um pai que se assume homossexual aos 75 anos, o que lhe valeu o primeiro e único Óscar da carreira, como Melhor Ator Secundário, e ainda um Globo de Ouro e um BAFTA (da Academia Britânica de Cinema e Televisão). Tinha então 82 anos. No entanto, Christopher Plummer nunca se tornou um ator maior no grande ecrã, para o que não terá tido o ensejo e as necessárias qualidades de estrela de primeira grandeza, regista a IMDB.

“O mundo perdeu um ator perfeito e eu perdi um querido amigo”, reagiu Julie Andrews, citada pela agência Reuters. Na rede social Twitter, o realizador canadiano Bruce LaBruce lembrou-o em O Estranho Mundo de Daisy Clover (1965) e Amigo Desconhecido (1978), enquanto o jornalista Dan Rather se referiu a Christopher Plummer como alguém que “iluminou o ecrã e o palco” ao longo da vida.

“Charmoso e arrogante em igual medida”

Longe do cinema, foi ator shakespeariano de formação clássica, com presença imperiosa, voz robusta e dicção cuidada. “As coisas sentimentais são as mais difíceis de fazer, sobretudo porque fui formado, na voz e na expressão física, para Shakespeare”, afirmou em 1982 à revista People, lembrou esta sexta-feira o New York Times.

Conta-se que esteve para representar Coriolano em 1971 no National Theatre, em Londres, mas foi substituído por Anthony Hopkins porque o restante elenco o vetou, considerando-o dono de um comportamento grosseiro e pouco humano. “Era charmoso e arrogante em igual medida, com laivos de tunante, o que acabou por reconhecer nos últimos anos à medida que suavizou o comportamento e abandonou certos hábitos”, notou o New York Times.

"The Sound of Music" Film Still

Julie Andrews e Christopher Plummer em Música no Coração (Donaldson Collection/Getty Images)

“Nunca deixamos de aprender o ofício, seja no ecrã seja no palco”

Nascido a 13 de dezembro de 1929 em Toronto, no Canadá, Arthur Christopher Orme Plummer, de seu nome completo, tinha origens irlandesas, britânicas e escocesas. Filho único de John Orme Plummer, vendedor de seguros, e de Isabella Mary Abbott, secretária na McGill University, viveu a fase descendente de uma família de posses e cargos, no que brilha o facto de ter sido bisneto de John Abbott, chefe de Governo do Canadá em 1891.

Os pais divorciaram-se quando Christopher Plummer era criança e foi a família da mãe que o criou, em Montréal, num ambiente conservador que o fazia sentir-se fora do tempo e mais interessado em conversar com adultos do que com crianças da mesma idade. Só conheceu o pai, e de passagem, aos 17 anos, contou em 1982 ao New York Times.

Na adolescência, aproximou-se do teatro, da literatura e da dança clássica e foi amigo de Oscar Peterson, considerado um dos maiores pianistas de jazz de todos os tempos. A carreira ultrapassou as seis décadas. Em 2012, já bem entrado nos 80, declarou à rádio pública norte-americana, NPR, que estava mais ocupado que nunca. “Preciso de continuar nesta profissão que amo. Nunca deixamos de aprender o ofício, seja no ecrã seja no palco. Sinto que estou a começar tudo de novo, é uma sensação que tenho mais ou menos a cada década, o que me deixa muito satisfeito.”

A estreia profissional deu-se em 1950, em Otava, mas antes disso já tinha subido ao palco como amador. Nos primeiros anos cresceu com reportórios da época em companhias de nome indistinto para muitos europeus e passou pelo teatro radiofónico e pela televisão.

Já nos EUA, em 1954, estreou-se na Broadway com The Starcross Story e acabou por integrar o grupo de teatro do American Shakespeare Festival, no Connecticut, época em que conquistou o título de “ator shakespeariano” e fez digressões pelo Canadá e por Inglaterra, como regista a Enciclopédia Britannica. Foi Hamlet, Macbeth, Ricardo III e Marco António, preparava-se agora para Rei Lear no cinema sob a realização de Des McAnuff.

No cinema, Plummer fez a primeira aparição em Lágrimas da Ribalta (1958), de Sidney Lumet. No teatro, ganhou dois Prémios Tony Awards (da indústria teatral da Broadway) por Cyrano (1974) e Barrymore (1997). Os prémios Emmy chegaram em 1977 e em 1994.