Os congressistas do Partido Democrata que estão a conduzir a acusação no julgamento de impeachment do ex-presidente dos EUA Donald Trump terminaram esta quinta-feira a sua apresentação de argumentos, gastando apenas 11 das 16 horas de que dispunham para tentar convencer os senadores norte-americanos de que Trump deve ser condenado por “incitamento à insurreição” por ter inspirado os seus apoiantes a invadir violentamente o Capitólio no dia 6 de janeiro.
Nas alegações finais, o congressista Joe Neguse, um dos elementos da equipa da acusação, resumiu o argumento dos democratas deste modo: “Quando o Presidente Trump subiu ao púlpito no dia 6 de janeiro, ele sabia que muitos naquela multidão estariam inflamados, armados, prontos para a violência“.
“Não há dúvida de que o risco de violência era previsível”, acrescentou Neguse, no fim do terceiro dia do julgamento de Donald Trump, que terminou várias horas antes do prevista, uma vez que a acusação não gastou todo o tempo de que dispunha. “Pelo que os advogados dele dizem, ele era só um tipo num comício a expressar opiniões impopulares. Vão tentar fazer-vos acreditar que todo este impeachment é porque ele disse coisas das quais algumas pessoas podem discordar. A sério?”
Durante as intervenções de quarta e quinta-feira, os democratas exibiram dezenas de vídeos e de tweets de Trump e dos seus apoiantes, mostrando os detalhes não só do que aconteceu no dia 6 de janeiro, mas sustentando também um argumento de fundo: o de que vários meses antes da eleição de novembro Trump procurou criar na sua base de apoio a convicção de que uma derrota eleitoral só seria possível devido a uma fraude. Depois da eleição, o Presidente capitalizou essa fúria dos seus apoiantes, convictos de o resultado fora fraudulento, para tentar reverter a vitória de Biden — e foi nesse contexto que convocou milhares de manifestantes para o comício de Washington D.C., no dia 6 de janeiro, apenas uma hora antes da cerimónia que formalizaria a vitória de Biden.
O primeiro dia do julgamento, na terça-feira, tinha ficado marcado por um debate sobre a constitucionalidade do próprio processo, depois de a defesa de Trump ter argumentado que o ex-presidente não poderia ser julgado por já não ter nenhum cargo de onde pudesse ser destituído. Contudo, após um debate de perto de quatro horas, os senadores acabaram por decidir (com 56 votos a favor e 44 contra) que o Senado tinha jurisdição e que, por isso, o julgamento poderia prosseguir.
No segundo dia, na quarta-feira, a equipa da acusação começou a apresentar os seus argumentos, tendo procurado estabelecer uma relação direta entre o discurso do ex-presidente e a invasão do Capitólio — usando imagens inéditas, recuperadas do sistema de videovigilância do edifício, para mostrar aos senadores o que verdadeiramente aconteceu naquele dia de janeiro.
Relatos dos próprios manifestantes no argumento central da acusação
O segundo dia de argumentos da acusação começou com a intervenção da congressista democrata Diana DeGette, que durante perto de meia-hora usou as declarações dos próprios invasores do Capitólio — através de mensagens no Twitter, entrevistas à comunicação social e declarações em tribunal — para mostrar aos senadores como os apoiantes de Trump acreditavam genuinamente estar a invadir o Capitólio por ordem do próprio Presidente, e que por isso não seriam punidos pelo crime que haviam cometido.
Mensagens como “o Presidente enviou-nos” e “fomos convidados pelo Presidente dos Estados Unidos” foram ouvidas vezes sem conta na câmara do Senado, à medida que os congressistas democratas foram exibindo vídeos do dia da invasão. Em simultâneo, foi possível perceber nas palavras dos manifestantes a reprodução exata de expressões do argumentário de Trump, incluindo a “eleição roubada”, “lutem por Trump” ou “acabem com o roubo”.
“Eles vieram porque ele lhes disse para virem”, resumiu a congressista democrata.
“As suas próprias declarações, antes, durante e depois do ataque, deixam claro que o ataque foi feito em nome de Donald Trump, sob as instruções dele e para cumprir os desejos dele”, disse DeGette. “O líder deles, o homem que os incitou, também tem de ser responsabilizado.”
Os democratas fizeram também um percurso pelos quatro anos de Trump como Presidente para mostrar como o 6 de janeiro não foi a primeira vez que manifestantes violentos tinham sido encorajados pelas palavras de Trump. O congressista Jamie Raskin, que lidera a acusação, lembrou por exemplo as palavras de Trump a propósito da violenta contra-manifestação neo-nazi em Charlottesville, em 2017 — onde uma pessoa morreu depois de ter sido atropelada pelos neo-nazis. Na altura, Trump elogiou os neo-nazis, dizendo que havia “pessoas decentes” dos dois lados do protesto.
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Depois — e para demonstrar que não foi só o Partido Democrata a estabelecer uma relação entre o discurso de Donald Trump e a violenta invasão do Capitólio —, a acusação exibiu no Senado a lista de altos funcionários da Casa Branca, próximos de Trump, que se demitiram nos dias seguintes ao ataque.
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Acusação quer “evitar” repetição de Trump
Em vários momentos, os congressistas democratas que estão a apresentar a acusação sublinharam que o seu principal objetivo não é punir Trump, mas evitar uma repetição dos acontecimentos de janeiro — numa tentativa de esvaziar os argumentos da defesa, que sustentam que Trump já não pode ser punido.
“Eu não tenho medo de que Donald Trump se candidate outra vez dentro de quatro anos“, disse o congressista Ted Lieu. “Tenho medo que ele concorra outra vez e perca — porque pode fazer isto outra vez”.
A congressista Diana DeGette discursou no mesmo sentido: “Não estamos aqui para punir Donald Trump. Estamos aqui para evitar que as sementes de ódio que ele plantou dêem mais fruto“. “Este tem de ser o momento em que acordamos. Temos de o condenar porque a ameaça não terminou”, disse ainda Diane DeGette. “Temos de agir para garantir que isto não volta a acontecer”.
Cada um dos congressistas democratas que sobem ao púlpito tem explorado uma nova linha argumentativa. Depois das intervenções de Lieu e DeGette, David Cicilline, outro dos membros da equipa da acusação, tomou a palavra para pedir pedir aos senadores que se lembrem dos milhares de vidas que estiveram em risco no dia 6 de janeiro, referindo-se sobretudo aos congressistas, senadores e funcionários do Capitólio, que “estão numa dor profunda porque apareceram para trabalhar“.
Julgamento pode terminar já no domingo
A acusação de “incitamento à insurreição” foi oficializada poucos dias depois de uma violenta multidão composta essencialmente por apoiantes de Donald Trump ter invadido o Capitólio, obrigando à suspensão dos trabalhos do Senado e da Câmara dos Representantes — que no dia 6 de janeiro se preparavam para, em sessão conjunta, oficializar formalmente o resultado da eleição de novembro, que Joe Biden venceu.
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Durante os dias que antecederam a cerimónia, Donald Trump convocou os seus apoiantes para um comício — que prometeu que seria “selvagem” — em Washington D.C. precisamente uma hora antes de o Congresso começar os trabalhos. Nesse comício, Trump impeliu os seus apoiantes a “lutar como o inferno” para recuperar o poder, mantendo a retórica infundada de que as eleições foram “roubadas” pelo Partido Democrata.
De acordo com as regras do julgamento, cada lado, defesa e acusação, tem 16 horas (divididas por dois dias) para apresentar os seus argumentos. A acusação gastou perto de oito horas no primeiro dia e concluiu esta quarta-feira o seu período de alegações em menos de quatro horas. Já a defesa só deverá usar um dos dias. “Vamos acabar a nossa apresentação amanhã/na sexta-feira”, confirmou Jason Miller, um conselheiro de Donald Trump.
Se não forem chamadas testemunhas — e terão de ser os senadores a votar essa possibilidade — o julgamento poderá terminar já no domingo, uma vez que no sábado a sessão estará suspensa para respeitar a observância do Shabbat judaico por parte de David Schoen, um dos advogados de Donald Trump.
Ao que tudo indica, Donald Trump acabará absolvido. Para que o ex-presidente seja condenado, é preciso o voto condenatório de dois terços dos senadores — o que significa os 50 democratas e pelo menos 17 republicanos. Todavia, a julgar pela votação de terça-feira (em que 44 dos 50 republicanos consideraram o próprio julgamento inconstitucional), o mais provável é que os democratas não consigam convencer um número suficiente de republicanos para condenar Trump.