Rui Moreira não exclui a possibilidade de criar um partido político para contornar as alterações à lei autárquica, aprovada por PS e PSD, que impede que movimentos independentes se candidatem às câmaras e juntas de freguesia.
“Pondero acima de tudo perguntar ao país e aos partidos se isto é a democracia que eles querem construir. Como é que vamos fazer? Ainda não tomei uma decisão e com certeza que conseguirei com esta lei. Há várias podemos correr o risco e morrer na praia, sendo as nossas assinaturas recusadas. Se a nossa candidatura for indeferida por uma decisão destas, podemos formar um partido político em Portugal”, admite o presidente da Câmara Municipal do Porto em entrevista à RTP2. Rui Moreira lembra que em “Portugal sempre houve partidos que são barrigas de aluguer de interesse” e não tem problemas em fazê-lo se assim for necessário.
O autarca explica o que se alterou na lei e que impede a sua candidatura nos moldes em que aconteceu há quatro anos. “Um grupo de cidadãos eleitores, imaginemos o meu, que nas últimas eleições concorreu à Câmara, Assembleia Municipal e juntas de freguesia, agora já não pode. Doravante, com a lei aprovada, eu posso ter um grupo de cidadãos eleitores que concorre à Câmara e Assembleia Municipal, mas esse grupo não pode concorrer às juntas e cada junta tem de ter um grupo de eleitores separado. Isso não permite, por exemplo, que eu possa concorrer à plenitude dos lugares da Assembleia Municipal. Isto põe em causa a governabilidade da Câmara”, afirma.
Rui Moreira pondera criar novo partido para concorrer às autárquicas
Ainda antes da entrevista, Rui Moreira já tinha aproveitado as declarações após a apresentação do centro de vacinação contra a Covid-19, para criticar as alterações à lei que, diz, trarão “pesadas consequências”, como “o desamor pela política e participação cívica” e mostram o medo dos partidos às candidaturas independentes. “[A lei] praticamente transforma estes movimentos numa impossibilidade”, disse Rui Moreira.
Eleito por um movimento independente, o autarca falou numa “inversão” em relação à revisão constitucional de 1997 que “permitiu que os movimentos independentes concorressem às eleições autárquicas e que propunha um aprofundamento dos movimentos cívicos nos processos eleitorais”.
Rui Moreira considera que as alterações feitas agora demonstram que “os partidos mudaram de opinião e resolveram criar dificuldades aos grupos de cidadãos eleitores” e, questionado sobre se as alterações demonstram que os partidos têm medo dos movimentos independentes, Moreira respondeu de imediato “claro que sim”.
“Claro que têm [medo]. Recordo que, durante a última campanha eleitoral, o PSD aqui no Porto tentou, pela via judicial, impedir a minha candidatura com base nestes argumentos. Queria ganhar na secretária e como não conseguiram, agora mudaram a lei”, disse o presidente da câmara.
Rui Moreira recordou que fez comentários sobre esta matéria “ainda antes de a lei ser aprovada pelo Parlamento”. “Na altura, recordo, ninguém deu muita importância a isto”, referiu, somando que escreveu ao Presidente da República antes da promulgação da lei.
Para o autarca do Porto, a nova lei eleitoral autárquica “é inconstitucional”, mas “teria de ser o Tribunal Constitucional a decidir e para isso não há tempo”, referiu. “Se se mantiver a data das eleições para final de setembro – há quem diga que ela pode ser adiada até ao final do ano por causa do plano de vacinação [contra a Covid-19] –, não vejo como é que há tempo útil para reverter isto, a não ser que os partidos políticos compreendam que o que fizeram pode-lhes parecer muito útil, mas no final ao ter pesadas consequências”, apontou.
Rui Moreira contou que tem falado com vários autarcas que lhe transmitiram que o está a acontecer é que os partidos políticos os convidam para as suas listas. “Não será o meu caso”, assegurou.
Sobre as “pesadas consequências”, Moreira falou no “desamor pela política e pela participação cívica”, lembrando que “todas as noites eleitorais ouvimos os partidos chorar por causa da abstenção”, mas “após falarem naquela noite e dizem que é uma chatice, esquecem no dia seguinte esquecem”. “Isto vai contribuir para a abstenção”, sintetizou.
Já sobre se acredita que estas alterações são um ataque à sua candidatura, Rui Moreira disse que não tem a “mania da perseguição”, mas sabe “concluir e perceber as coisas”. “A forma como a lei está formulada, sobretudo o nome dos movimentos, basta para perceber que isto nos foi apontado, a mim em particular. Se, ao mesmo tempo, perceberem de quem veio a iniciativa e que essa mesma pessoa tinha tentado fazê-lo em 2017 durante a campanha eleitoral, tentando inviabilizar a minha candidatura”, concluiu.
Entre outros aspetos, em causa estão alterações legislativas que obrigam os proponentes a recolher assinaturas, em separado, para formalizar uma candidatura a uma câmara municipal e a uma junta de freguesia do mesmo concelho.
O nome escolhido pela candidatura independente para se apresentar a eleições terá de ser analisado por um juiz, para saber se é ou não válido.