A vacinação é ou não capaz de gerar uma situação de verdadeira “imunidade de grupo” num dado país, a partir do momento em que uma percentagem elevada – como 70% –  dos cidadãos está inoculada? Para ajudar a farmacêutica Pfizer a obter uma resposta científica mais clara a esta questão, a Islândia disponibilizou-se (a troco de uma entrega mais rápida de doses) para servir de “cobaia” em situação real. Mas o programa não resultou, porque as medidas de saúde pública que estão em vigor estão a ser muito eficazes no controlo da pandemia – ou seja, a Islândia tem poucos casos de infeção pelo novo coronavírus para que os resultados da investigação de larga escala fossem cientificamente válidos.

A proposta era simples – e os dois lados sairiam a ganhar: a Islândia obtinha as doses e a Pfizer obtinha os dados. Antes do Natal, o epidemiologista-chefe da direção-geral de saúde islandesa, Thorolfur Gudnason, e o presidente de uma empresa sediada na Islândia, a deCode Genetics, Kari Stefansson, abordaram executivos da Pfizer para lhes propor o plano: a Pfizer entregava rapidamente 500 mil doses da vacina (desenvolvida em parceria com a BioNTech) e a Islândia assegurava que 70% da população estaria vacinada até ao final de março. A Islândia, por seu lado, permitia à Pfizer fazer uma investigação aprofundada ao processo, incluindo acedendo a dados valiosos para a farmacêutica.

Até agora, “a ideia de que a imunidade de grupo é possível não passa de uma teoria, portanto seria uma oportunidade perfeita para verificar esse conceito”, explicou Kari Stefansson, numa entrevista citada pela Bloomberg. A Islândia tem um controlo apertado sobre as fronteiras, neste contexto de pandemia, e poderia ser o local perfeito para se perceber até que ponto é ou não possível obter uma imunidade de grupo nesta doença, como acontece noutras. “Se pudéssemos ter acesso antecipado às vacinas, de uma forma estruturada poderíamos analisar as consequências da vacinação – penso que poucos países têm infraestruturas tão boas como a Islândia para poder fazer um estudo deste género”, afirmou o empresário.

O problema é que tem vindo a cair nas últimas semanas o número de novas infeções na Islândia, um país onde cerca de 15 mil pessoas, 4% da população, já recebeu pelo menos uma dose de vacina contra a Covid-19. “Como é que se pode demonstrar que uma vacina garante boa proteção quando não há infeções…?“, comentou Stefansson, brincando que “a culpa é de Gudnason, que concebeu um plano tão eficaz que está a fazer com que tenhamos tão poucos casos”.

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A Islândia nunca decretou confinamentos obrigatórios mas o país foi muito rápido na aplicação de medidas apertadas de distanciamento social, uso de máscara e proibição de ajuntamentos. Também as escolas foram fechadas, com exceção das crianças mais pequenas. Por outro lado, o país aplicou um controlo apertado sobre a entrada e saída de pessoas, o que também está a ajudar no controlo das novas variantes do vírus, potencialmente mais contagiosas.

Apesar de os dois responsáveis se mostrarem pouco otimistas de que o plano pode resultar, a Pfizer parece não fechar a porta totalmente. Em declarações à Bloomberg, fonte oficial da farmacêutica indicou que “existem vários tipos de estudos sobre a eficácia, em situação real, da vacina – estudos que estão em avaliação em vários países, incluindo a Islândia” (outro país que também se acredita estar a beneficiar de um acordo com a Pfizer é Israel). “Tendo em conta que as conversas estão em curso, não podemos fazer mais comentários nesta altura”.

Israel já vacinou 1,5 milhões de pessoas – 17% da população – e estima vacinar toda a gente até março