À primeira vista, no dia do sorteio, até podia não parecer. Mas a verdade é que o confronto entre FC Porto e Juventus, na primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, estava recheado de histórias. A mais óbvia, claro, estava relacionada com o regresso de Cristiano Ronaldo a Portugal e ao Dragão, onde em 2009 e ainda com a camisola do Manchester United marcou um golo que lhe valeu o Prémio Puskás desse ano. A segunda mais vincada, talvez, voltava a ter Cristiano Ronaldo como protagonista, já que o avançado encontrava Pepe, companheiro da Seleção Nacional ao longo de mais de uma década. A menos contada, porém, era também a mais interessante.

Esta quarta-feira, no Dragão, Sérgio Conceição e Andrea Pirlo reencontravam-se. Dois nomes que, apesar de ser necessário vincar as óbvias distâncias, deixaram um legado na Serie A: o primeiro porque se mudou para lá com 24 anos e só voltou a beira dos 30, o segundo porque só deixou Itália no final da carreira e depois de conquistar seis Scudettos. No início do século XXI, foram adversários. Agora, 20 anos depois, voltavam a sê-lo. Mas como membros de uma geração recente de treinadores que promete começar a tomar de assalto a Europa.

Ficha de jogo

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FC Porto-Juventus, 2-1

Oitavos de final da Liga dos Campeões

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Carlos del Cerro Grande (Espanha)

FC Porto: Marchesín, Manafá, Pepe, Mbemba, Zaidu, Corona (Loum, 90′), Sérgio Oliveira (Francisco Conceição, 90′), Uribe, Otávio (Luis Díaz, 57′), Marega (Grujic, 66′), Taremi

Suplentes não utilizados: Diogo Costa, Romário Baró, João Mário, Felipe Anderson, Toni Martínez, Evanilson, Nanu, Sarr

Treinador: Sérgio Conceição

Juventus: Szczesny, Danilo, De Ligt, Chiellini (Demiral, 35′), Alex Sandro, Chiesa, McKennie (Morata, 63′), Bentancur, Rabiot, Cristiano Ronaldo, Kulusevski (Ramsey, 77′)

Suplentes não utilizados: Pinsoglio, Buffon, Dybala, Bonucci, Bernardeschi, Di Pardo, Frabotta, Fagioli

Treinador: Andrea Pirlo

Golos: Taremi (2′), Marega (46′), Chiesa (82′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a De Ligt (63′), a Uribe (65′), a Danilo (81′), a Demiral (87′), a Alex Sandro (90+2′)

“Joguei muitos jogos com o Sérgio Conceição e tenho boas recordações dele. Era um grande jogador, muito técnico e muito forte. Havia ainda o Figo e o Simão, dois jogadores muito fortes nos duelos individuais e que também estão no coração dos portugueses. Está a fazer um grande trabalho no FC Porto. Vai continuar a fazer esse bom trabalho na Champions”, recordou Pirlo na conferência de imprensa de antevisão. Ora, ao todo e entre 1999 e 2003, foram sete os confrontos entre os agora treinadores na Serie A — Conceição ganhou três, dois na Lazio e um no Parma, e Pirlo só ganhou um, já no AC Milan e contra o Inter, com os restantes três a terminarem empatados.

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Pirlo ainda disse que o FC Porto tinha semelhanças com o Atl. Madrid de Simeone, por saber “defender bem”, e Sérgio Conceição, para além de tecer óbvios elogios a Cristiano Ronaldo, pediu uma “mentalidade vencedora” aos jogadores. “Vamos apanhar uma equipa que ‘só’ ganhou 3-0 ao Barcelona em Barcelona. Uma equipa que nos colocará as dificuldades normais, mas nós também lhes vamos colocar dificuldades, porque vão apanhar um FC Porto forte, com mentalidade vencedora independentemente do adversário que terá pela frente, com capacidade para saber o que fazer e depois ir à procura do resultado positivo, que é a vitória. É isso que queremos”, disse o treinador dos dragões.

Treinador que, esta quarta-feira, contava novamente com Luis Díaz e Uribe, dois jogadores que falharam a receção ao Boavista depois de terem sido expulsos na Taça de Portugal com o Sp. Braga. Também com Mbemba de volta, já que o central foi aparentemente poupado na partida contra os axadrezados, o FC Porto procurava regressar às vitórias depois de quatro empates consecutivos a nível interno, naquele que é já um dos piores momentos da temporada. No jogo contra a Juventus, que também vinha de duas partidas sem ganhar, com Inter e Nápoles, e que está no quarto lugar da Serie A, o FC Porto encontrava uma equipa que estava praticamente na mesma posição dos dragões — mais longe da liderança do Campeonato do que aquilo a que está habituada e a olhar para as competições europeias como uma espécie de escape do que não tem corrido tão bem a nível nacional.

Assim, Sérgio Conceição motivava o regresso de Mbemba e Uribe ao onze, deixava Luis Díaz no banco e ainda voltava a contar com Otávio e Zaidu, dois jogadores que não têm estado nas opções iniciais devido a problemas físicos. Diogo Leite e Fábio Vieira, ambos titulares contra o Boavista, nem sequer estavam na ficha de jogo e eram substituídos por Romário Baró e Toni Martínez, que atuaram pela equipa B no último fim de semana. No banco, existia ainda outro destaque: Nanú voltava às convocatórias depois da lesão aparatosa que sofreu no Jamor contra o Belenenses SAD. Do outro, a maior surpresa de Pirlo passava pela ausência de Morata do onze — o espanhol era suplente e era Kulusevski quem aparecia a fazer dupla com Ronaldo no ataque. Cuadrado, lateral colombiano que está a fazer uma enorme temporada, era a principal ausência por lesão, acrescentando-se Arthur, e Danilo e Alex Sandro, dois brasileiros que passaram com sucesso com FC Porto, eram ambos titulares.

Os primeiros segundos do jogo, em consonância com o onze inicial, confirmaram que Sérgio Conceição não acedeu aos avisos feitos pelas inúmeras análises que nos últimos dias apareceram na comunicação social: nem atuava com três centrais, algo que era teoricamente mais cauteloso devido a Ronaldo e Kulusevski, sempre apoiados por Chiesa e Rabiot; nem sacrificava um avançado, para fortalecer o meio-campo, insistindo na dinâmica entre Taremi e Marega. A velocidade do primeiro golo, porém, acabou por mudar de imediato aquela que poderia ter sido a lógica da partida por excelência. Chiellini atrasou para Szczesny, o guarda-redes polaco demorou muito tempo com a bola e solicitou Bentancur, que fez pior ainda e colocou pouca força na devolução ao guardião: Taremi, que nunca tinha desistido do lance, aproveitou, esticou-se e abriu o marcador (2′). O avançado estreava-se a marcar na Liga dos Campeões, naquela que era também a estreia a titular na competição, e tornava-se apenas o primeiro iraniano a fazer golo na fase a eliminar da liga milionária.

Em vantagem numa fase ainda muito embrionária na partida, de forma natural, o FC Porto desceu no terreno. Recuou as linhas e ofereceu a iniciativa à Juventus, que teria agora de correr atrás do prejuízo. Os italianos soltaram Ronaldo e Kulusevski na frente e tentavam avançar sobretudo pelos corredores, acabando por esbarrar em exibições bastante positivas de Manafá na esquerda e Zaidu na direita. A equipa de Pirlo não estava sólida nem consistente e os dragões acabaram por realizar toda a primeira parte à procura de erros dos italianos: que surgiam frequentemente, principalmente na saída de bola ou nos momentos em que Szczesny era obrigado a jogar com os pés. O conjunto orientado por Sérgio Conceição pressionava com 10 elementos, todos no meio-campo adversário e todos a tentar limitar a criatividade da Juventus — que, mesmo quando tinha mais espaço, era muito escassa.

A equipa de Cristiano Ronaldo acelerou pela primeira vez à passagem dos 20 minutos, quando Bentancur arrancou pela faixa central e tentou um passe em desmarcação onde Marchesín se antecipou, e pouco mais conseguiu fazer. Ronaldo aparecia pouco e precisava de recuar muito para ir buscar jogo, Kulusevski estava para lá de apagado e nem Chiesa, que tem estado acima da média nas últimas partidas, conseguiu desequilibrar. O melhor lance da Juventus acabou anulado por fora de jogo, com um pontapé acrobático de Rabiot a encontrar uma enorme defesa de Marchesín (41′), e a melhor oportunidade de que o FC Porto beneficiou para aumentar a vantagem foi um cabeceamento quase inofensivo de Taremi para as mãos de Szczesny (29′). Antes do intervalo, para onde foi com apenas um remate enquadrado, a equipa de Pirlo sofreu ainda outro revés: Chiellini saiu lesionado, aparentemente com problemas musculares, e foi substituído pelo jovem Demiral.

[Veja aqui os golos do FC Porto-Juventus:]

Nem Sérgio Conceição nem Pirlo fizeram alterações ao intervalo e a verdade é que o início da segunda parte poderia ter sido tirado a papel químico do início da primeira. No lance inicial do segundo tempo, no corredor direito, Manafá fez uma triangulação com Uribe e Corona e arrancou em velocidade rumo à grande área; cruzou atrasado e encontrou Marega, que mesmo com um domínio algo atabalhoado teve tempo para receber, armar e remate e voltar a bater Szczesny (46′). O avançado maliano voltou aos golos, depois de ter ficado em branco nas últimas seis partidas, e chegou ao 10.º esta temporada.

Depois do segundo golo do FC Porto, o jogo seguiu a lógica normal e natural. A Juventus balançou-se completamente para a frente e apresentou-se com uma dinâmica diferente da que tinha mostrado na primeira parte, com maior velocidade e mais elementos na zona de finalização. Os dragões defendiam bem, mantendo o enorme rigor defensivo, e só arriscavam em situações de transição rápida: sendo que uma quase deu o terceiro golo, com Sérgio Oliveira a rematar à entrada da grande área para defesa de Szczesny (52′). Sérgio Conceição mexeu pela primeira vez ainda antes de estar cumprida a primeira hora de jogo, ao trocar um fatigado Otávio por Luis Díaz, e o FC Porto apostava claramente na possibilidade de lançar a profundidade dos elementos mais ofensivos em situações de recuperação de bola.

A partir dos 60 minutos, porém, o jogo entrou numa espécie de velocidade-cruzeiro. Pirlo voltou a mexer e lançou Morata para a saída de McKennie, com Conceição a responder com um cadeado na zona do meio-campo, retirando Marega para colocar Grujic em campo e colocando Sérgio Oliveira como uma espécie de segundo avançado. O FC Porto ia aproveitando tudo o que tinha para chegar perto da baliza da Juventus — e que, com o passar do tempo, foi sendo cada vez mais — e chegou ao último quarto de hora mais perto de dilatar a vantagem do que propriamente de sofrer um golo. Os italianos permaneciam sem grande criatividade nem lances de perigo: mas não deixavam de ser a Juventus e de ter uma enorme qualidade individual. E foi a partir daí que acabaram por marcar no Dragão. Rabiot surgiu na esquerda, cruzou atrasado e rasteiro para o lado contrário da grande área e Chiesa, de primeira, bateu Marchesín com um grande remate (82′).

A Juventus procurou pressionar até ao fim mas não conseguiu chegar ao empate, partindo em desvantagem para o jogo da segunda mão, apesar do importante golo marcado no Dragão — onde ainda jogou Francisco Conceição, que cumpriu os primeiros minutos na Liga dos Campeões na mesma semana em que fez a estreia absoluta pela equipa principal dos dragões. O FC Porto, que vinha de quatro empates consecutivos, respondeu à altura ao pedido de “mentalidade vencedora” de Sérgio Conceição e parte na linha da frente para o segundo jogo, marcado para o dia 9 de março em Turim. E, para isso, muito pode agradecer a Wilson Manafá.

No início do século, quando Pirlo e Sérgio Conceição se defrontaram na Serie A, Wilson Manafá estava na escola primária. Em 2009, quando Cristiano Ronaldo marcou aquele extraordinário no Dragão, Wilson Manafá estava nos juniores do Oliveira do Bairro. Em 2016, quando Ronaldo e Pepe conquistaram juntos o Euro 2016, Wilson Manafá estava a mudar-se do Varzim para o Portimonense. Wilson Manafá passou pelo Oliveira do Bairro, pela equipa B do Sporting, pelo Beira-Mar, pelo Anadia, pelo Varzim e pelo Portimonense para chegar à noite desta quarta-feira no Dragão. A noite em que fez uma exibição quase perfeita, em que não cometeu erros, em que arrancou pelo corredor e assistiu Marega para o golo decisivo. A noite em que meia Europa ficou a olhar para ele. A noite em que explicou que é por histórias como a dele que o futebol é tão bonito.