No último mês, antes da escolha do novo presidente do Tribunal Constitucional (TC) que foi eleito pelos seus pares, o PS lembrou o PSD do acordo de cavalheiros que faz parte da tradição na negociação dos juízes para a instituição. Ao que o Observador apurou junto do PS e do PSD, os socialistas queriam que o escolhido fosse José João Abrantes, o juiz que o partido indicou em julho passado para o TC, e a regra implícita era isso que ditava, depois da saída de Costa Andrade, o presidente próximo do PSD. Mas a direção social-democrata não quis meter-se no assunto e o escolhido pelos restantes juízes acabou por ser o juiz João Pedro Caupers (que era vice desde 2016). O PS prepara-se agora para reclamar a presidência na próxima negociação que acontecerá antes do verão.

A escolha de Caupers deixou o PS “desagradado”, segundo apurou o Observador junto de fontes que acompanharam o processo negocial. E por duas razões: a primeira é que o juiz conselheiro em causa entrou no Constitucional em março de 2014 — na quota de três nomes que são indicados pelos pares (cooptados) –, pelo que o seu mandato termina já dentro de dois anos (março de 2023); a segunda é que, segundo a lógica de rotação no topo da instituição, seria a vez do PS ter o presidente e não foi assim. “O PSD rompeu o acordo de cavalheiros”, acusa-se na cúpula do PS.

Antes da eleição do presidente, que é escolhido pelos seus pares, o PS contactou a direção do PSD sobre aquilo que é prática comum. O equilíbrio da composição do Tribunal Constitucional é acautelado através das regras de nomeação seguidas, em que dos 13 juízes conselheiros que compõem o plenário, três são cooptados e dez indicados pela Assembleia da República. O tal equilíbrio resulta essencialmente desta segunda parte, em que os dois maiores partidos se entendem sobre os nomes a indicar — cinco cada um — já que os escolhidos exigem uma aprovação de dois terços dos deputados (o que só é conseguido com PSD e PS entendidos). Quanto à presidência deste órgão de soberania, vai rodando, num acerto de palavra em que ambos os partidos concordam que um juiz próximo de cada um cumpre metade do tempo do mandato completo dos juízes, que é de nove anos.

Isto aplicado à prática recente: Costa Andrade, o nome que em 2016 foi apontado pelo PSD e eleito pelos pares para presidente do TC, ficou quatro anos e meio no cargo, saindo agora para dar lugar a alguém que, de acordo com o tal entendimento, seria mais próximo do PS e que ocuparia o cargo por outros quatro anos e meio.

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Os socialistas avisaram atempadamente que a sua preferência ia para José João Abrantes, mas a direção do PSD, segundo apurou o Observador junto de fonte social-democrata, não quis dar qualquer indicação nesse sentido, nem intrometer-se no processo. Para vice presidente foi eleito o seu indicado de 2012, Pedro Machete.

Os dois juízes que estão no topo da instituição têm, assim, mandatos a terminar. Machete termina ainda este ano e Caupers no início de 2023. E perante este cenário que saiu desta eleição do TC, o PS quer garantir já junto do PSD que o próximo presidente será do seu lado, método que, ao que apurou o Observador, não agrada a Rui Rio.

Em julho, estarão de saída, por chegarem ao fim do mandato, três juízes conselheiros, dois indicados pela direita, Maria de Fátima Mata-Mouros e Maria José Rangel Mesquita, e um indicado pela esquerda, Fernando Vaz Ventura. E em outubro, sairá, também pela mesma razão, Pedro Machete. É nesta reorganização que ocorrerá nos próximos meses que o PS pretende firmar o seu ponto junto do PSD de Rui Rio que tem recusado contactar os juízes conselheiros próximos do partidos para dar indicações sobre as escolhas que resultam da cooptação.

O juiz escolhido pelos pares que não aceitaria ser sócio de um clube que o aceitasse como sócio

João Pedro Caupers foi eleito presidente no início deste mês e na cerimónia de tomada de posse, a 12 de fevereiro, este perito em administração pública apresentou-se aos funcionários do Tribunal onde está já há seis anos — e que ainda assim diz que o conhecem “menos bem” — apoiado numa frase do cómico norte-americano Groucho Marx: “Eu nunca aceitaria ser sócio de um clube que me aceitasse como sócio”. Recorde-se que Caupers faz parte do Tribunal Constitucional por indicação dos seus pares, nomeado em 2014, e foi também escolhido presidente deste órgão pelos restantes juízes conselheiros.

Também diz que “todos daríamos uma pequena contribuição para um mundo um pouco melhor, se (…) procurássemos ter para com os outros alguma da tolerância que temos para com nós próprios; e se aplicássemos a nós próprios alguma da exigência que temos para com os outros”, apontando a atual situação de saúde pública um momento que “torna ainda mais imprescindível e dramática a defesa” dos direitos constitucionais. O novo presidente disse que, por isso mesmo, se espera “uma ação rigorosa e tão pronta quanto possível na defesa” desses direitos. E terminou a sua intervenção a descrever o seu “olhar sobre o mundo”, citando a “letra da canção de Louis Armstrong What a beautiful world. E penso para mim próprio: que mundo maravilhoso!”.

João Pedro Caupers tem estado debaixo de críticas desde esta terça-feira, altura em que o Diário de Notícias recuperou textos antigos do novo presidente do Tribunal Constitucional onde este se referiu aos “homossexuais”, em 2010 (quando foi promulgado o diploma que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo), como uma “inexpressiva minoria cuja voz é despropositadamente ampliada pelos media” dizendo-se “não disposto, nem disponível, para ser ‘tolerado’ por eles.” O PAN já pediu a audição urgente do juiz conselheiro e presidente do TC no Parlamento a propósito do que considera serem “declarações homofóbicas”.

Ao Observador, logo na terça-feira, o presidente do TC  dizia que o artigo que estava a ser citado era um “instrumento pedagógico” e que “não refletia necessariamente” as suas ideias.

Presidente do Tribunal Constitucional diz que texto era “um instrumento pedagógico” e não reflete “necessariamente” as suas ideias