A Iniciativa Liberal (IL) submeteu, esta quarta-feira, um projeto de lei que tem como objetivo consagrar os crimes de violação, coação sexual e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como crimes públicos. No documento assinado por João Cotrim Figueiredo denuncia-se a existência de um “silêncio ensurdecedor” que envolve os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Bloco de Esquerda e a deputada única Cristina Rodrigues, antes do PAN, têm iniciativas no mesmo sentido.
O tema voltou a estar na ordem do dia depois de um vídeo que circula nas redes sociais onde um jovem se gaba de ter violado uma mulher. Num vídeo transmitido através do Instagram, um jovem da zona de Viseu admitiu que tinha violado uma rapariga, que foi depois socorrida pelo INEM. Entretanto, o Ministério Publico abriu um inquérito e a PSP de Viseu está a investigar o caso.
Ministério Público abre inquérito a jovem que se gabou de violação nas redes sociais
A IL aproveitou o momento para avançar com este diploma, depois de já ter dito, em novembro, que pretendia defender com esta proposta. “Existe um imperativo moral da sociedade em denunciar estes crimes, não devendo o mesmo ficar dependente da denúncia das vítimas emocionalmente fragilizadas”, aponta João Cotrim Figueiredo. O partido sugere que estes crimes passem a ser de natureza pública, mas a vítima tem “a faculdade de requerer a suspensão provisória do processo, de forma livre e informada”.
Em causa estão crimes onde as relações de poder assumem “grande relevância”, o que leva muitas vezes a que a vítima não denuncie o crime por o agressor ser “familiar ou conhecido”. O projeto de lei compara mesmo estes casos com os de violência doméstica, “onde a proteção dos mais vulneráveis tem mais peso do que uma qualquer acusação de suposto paternalismo institucional”.
“A atribuição de natureza pública a estes crimes facilitaria o desbloqueio de várias situações e levaria um maior número de denúncias, uma vez que não dependeria apenas da vítima a participação destes crimes e o necessário impulso processual”, pode ler-se na proposta de alteração ao Código Penal. Contudo, esta proposta “não nega que nestes crimes é afetada, severa e gravemente, a esfera de intimidade da vítima” e reconhece que é importante que sejam “compatibilizadas a necessidade de evitar a possível vitimização processual da vítima do crime e a necessidade de assegurar que o processo não é bloqueado por receio de repercussões ou de falta de apoio por parte da sociedade e, em particular, das entidades públicas”.
De acordo com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), citada na proposta da Iniciativa Liberal, o “escasso número de denúncias [destes casos de crimes de cariz sexual] tem origem na existência de vários obstáculos à revelação destes casos”, desde logo uma certa proteção da “intimidade pessoal”, mas também “o medo de ser desacreditado ou desacreditada pelo sistema judicial, pelas estruturas de apoio e até pela própria família, a desvalorização social da violência sexual, frequentemente ligada a uma culpabilização da própria vítima ou desresponsabilização parcial do agressor e o facto de, muitas vezes, o crime ocorrer no seio de uma relação de intimidade ou proximidade familiar explicam a renitência da vítima em denunciar um crime sexual”.
Esta não é primeira proposta que tem como intuito tornar estes crimes públicos. Já esta quarta-feira, também Cristina Rodrigues, deputada não-inscrita, revelou que vai apresentar um projeto de lei que pretende que “todos os crimes” contra a liberdade e autodeterminação sexual sejam crimes públicos, devido ao impacto que têm para as vítimas. Em comunicado, a ex-deputada do PAN argumenta que “a especial vulnerabilidade das vítimas e o impacto que estes tipos de crime têm para elas e para a sociedade justifica que a sua natureza seja de crime público”.
Já em 2018, o PAN tinha apresentado um projeto de lei de alteração ao Código Penal onde se pretendia que os crimes de coacção sexual e violação fossem tornados públicos. Na altura, o documento não foi aprovado, mas o PAN tem como objetivo retomar o tema em breve.
Deputada vai propor que crimes contra a liberdade sexual tenham caráter público
Já Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, aproveitou a discussão pública para lembrar que o partido entregou um projeto de lei no dia 6 de março de 2020 para que o crime de violação seja público e aguarda agendamento. “Só as vítimas podem fazer queixa. Neste momento, mesmo que eu ou alguém faça denúncia sobre crime publicamente relatado, nada acontece. Isso tem de mudar. A violação tem de ser um crime público para que qualquer pessoa possa cortar a corrente da normalização da violência de género numa das suas mais nojentas expressões”, escreveu a deputada na página do Facebook.
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