Estranhezas, de Maria Teresa Horta, é a obra vencedora do Prémio Casino da Póvoa, atribuído anualmente durante o Correntes d’Escritas. O anúncio foi feito por Inês Pedrosa, membro do júri, durante a manhã desta sexta-feira, na cerimónia de abertura do festival literário da Póvoa de Varzim, conduzida por Luís Diamantino, vereador de Cultura do município. A sessão foi transmitida online, tal como serão todos os eventos da programação de 2021 devido à pandemia do novo coronavírus, e contou com a participação do Presidente da República e da ministra da Cultura.

Maria Teresa Horta, de 83 anos, foi escolhida de entre um grupo de 11 finalistas, que incluíam, entre outros, os portugueses Ana Luísa Amaral e Nuno Júdice. A decisão foi tomada por unanimidade pelo júri (composto por, além de Inês Pedrosa, Daniel Jonas, José António Gomes, Luís Caetano e Marta Bernardes) durante uma reunião realizada por videoconferência durante a manhã de 20 de fevereiro. Os membros concordaram “que muitos dos livros de poesia que ficaram de fora desta seleção — recebemos 70 livros — mereceriam ser selecionados e escolhidos para o prémio”, apontou Inês Pedrosa, salientando a “pujança” e “vitalidade” da poesia portuguesa contemporânea.

Maria Teresa Horta, conhecida por ser uma das Três Marias, autoras das Novas Cartas Portuguesas, é uma das mais importantes escritoras portuguesas do século XX. Com uma obra extensa que vai desde a poesia à crónica, é mais conhecida como poeta e ativista dos direitos das mulheres. “Celebrada, traduzida e estudada em universidades brasileiras, americanas, francesas, italianas, na minha perspetiva, não tinha ainda tido o reconhecimento — em particular da sua obra poética — porque ela também tem uma obra ficcional, que lhe era devido”, considerou Inês Pedrosa, descrevendo Estranhezesas como uma “síntese de um percurso literário de celebração do corpo e do desejo que estabelece um diálogo transgressor com a tradição lírica e medieval renascentista. É uma exaltação da paixão, da beleza, do real concreto e efémero, eternizado pela deslocação da esfera do tempo para o espaço da escrita”.

Estranhezas foi publicado em 2018, pela editora Dom Quixote

Dividido em sete partes (“No Espelho”, “Paixão”, “Da Beleza”, “Alteridades”, “Tumulto”, “Ferocidades” e “À Beira do Abismo”), o livro de poesia publicado em 2018 pela Dom Quixote é “um espelho da paixão, da beleza, autoridades, tumulto, ferocidades diante do abismo, [Estranhezas] revisitam e deslocam os temas centrais da obra de Maria Teresa Horta, que desde o seu primeiro livro, Espelho Inicial, de 1960, criou um glossário e uma sintaxe muito pessoais, um idioma singular que subverte e atualiza a ideia de poesia como canto celebratório, brincando com as convenções da rima e do ritmo, fazendo-as implodir num erotismo vital que se exerce numa contínua experimentação dos limites de mudez e mistério da palavra”.

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Maria Teresa Horta: “Sempre pensei que um prémio de poesia não se agradece”

Reagindo à atribuição do galardão numa mensagem transmitida durante a sessão de abertura, a escritora disse que sempre pensou que um prémio de poesia não se agradece, mas que desta vez fazia questão de dizer “obrigada” com “alegria”.

“Sempre pensei que um prémio de poesia não se agradece. Recebe-se em silêncio, embora, quem sabe, em tumulto. No entanto, sou eu que desta vez que faço questão de dizer com alegria: obrigada Correntes d’Escritas pelo Prémio Casino da Póvoa que acabam de atribuir ao meu livro Estranhezas, que escrevi com tanto prazer intenso, tanto júbilo. Obrigada, pois, repito, do fundo do sobressalto”, afirmou Maria Teresa Horta.

O Prémio Casino da Póvoa premeia anualmente uma obra editada em Portugal e escrita por um autor de língua portuguesa ou castelhana/hispânica. É atribuído nos anos pares a uma novela ou romance e nos anos ímpares a poesia. No ano passado, o galardão no valor de 20 mil euros foi para o romance Sua Excelência, de Corpo Presente, do escritor angolano Pepetela. Um ano antes, foi premiado o poeta português Luís Quintais.

Escritor angolano Pepetela vence Prémio Casino da Póvoa do Correntes d’Escritas

Prémio Fundação Rainha Correntes d’Escritas para o poveiro António José da Assunção

Durante a manhã desta sexta-feira, foi também anunciado o Prémio Fundação Rainha Correntes d’Escritas. Com um valor pecuniário de dois mil euros, este que premeia anualmente um trabalho inédito, em prosa ou poesia, sobre a Póvoa de Varzim, garantindo a sua publicação.  Este foi para Como Ondas do Mar, António José da Assunção, um poveiro a viver na Lousã.

Presidente da República: apenas com “persistência e resistência” se explica “que um festival literário consiga chegar à 22ª edição”

Marcelo Rebelo de Sousa, que participou na cerimónia de abertura através de uma mensagem pré-gravada, elogiou a “persistência e resistência” do festival e recordou Luís Sepúlveda, que morreu o ano passado de Covid-19. A edição de 2021 do Correntes d’Escrita é dedicada ao escritor chileno, que esteve no festival da Póvoa de Varzim em fevereiro do ano passado antes de ser diagnosticado com a doença, o que levou ao isolamento profilático de vários colaboradores e participantes no evento por precaução. Depois de várias semanas internado, morreu a 16 de abril, aos 70 anos.

“Persistência e resistência não são atitudes estranhas às Correntes d’Escritas. Só assim se explica que um festival literário consiga chegar à 22ª edição com a mesma dinâmica de sempre, a dinâmica dos seus organizadores, da autarquia local, que tem sido incansável”, começou por dizer o Presidente da República, apontando que, “este ano, persistência e resistência” assumem “mais um outro significado: não apenas por se tratar de uma edição com uma fortíssima dimensão online, mas porque há precisamente um ano, em 2020, perdíamos Luís Sepúlveda, escritor grande amigo do festival e grande amigo de Portugal e dos portugueses, cuja última aparição pública foi justamente na Póvoa de Varzim”. Para o Presidente, “a homenagem que lhe será feita constituirá um justo tributo de toda uma família literária a que ele pertenceu e de toda uma família de leitores que deixou um pouco por todo o mundo e também em Portugal”.

“Não podendo estar fisicamente nas correntes, como aconteceu várias vezes como Presidente da República e antes de ser Presidente da República, não quis deixar de vos felicitar pela persistência e resistência.” Marcelo Rebelo de Sousa desejou ainda que o “encontro à maneira antiga e futura esteja para breve”, mostrando-se confiante de que, em 2022, poderá assistir presencialmente ao festival literário.

Ministra da Cultura: “Aqui fez-se, faz-se, e sabemos que continuará a fazer-se, Cultura”

Graça Fonseca, que também participou à distância, elogiou o trabalho desenvolvido pela autarquia e pela equipa do Correntes d’Escritas na promoção da literatura e da cultura, lembrando que, este ano, o evento decorrerá de maneira “diferente”, mas permanecendo igual a si próprio. A governante recordou ainda Luís Sepúlveda.

“Hoje e amanhã, o Correntes d’Escritas será diferente. Mas a verdade é que a cada ano sempre o foi, porque aqui nunca se adormeceu nos ganhos de ontem. O encontro não é hoje o mesmo dos outros anos, mas será um encontro, porque se há algo que este tempo nos tem ensinado é que as palavras, aquilo que tantas vezes nos separa e que tantas vezes nos coloca em lados opostos da barricada, podem ser também a mais curta distância entre cada um de nós”, afirmou a ministra da Cultura, deixando uma “palavra especial para recordar” Luís Sepúlveda, e”scritor extraordinário e um grande amigo de Portugal e da literatura portuguesa e de muitos dos nosso escritores, editores e livreiros”.

“Repito-me dizendo o mesmo quando este festival celebrava a sua 20º edição, não por facilidade, mas porque hoje ainda devemos mais este reconhecimento a todos que com o seu trabalho têm tornado possível este evento ininterrupto. Aqui celebra-se a palavra contra o analfabetismo agressivo. Aqui abre-se um espaço para abrir os outros com o facciosismo e o radicalismo surdo. E acrescento agora: aqui fez-se, faz-se, e sabemos que continuará a fazer-se, Cultura”, conclui.

O festival literário da Póvoa de Varzim decorre este ano entre os dias 26 e 27 de fevereiro, com um programa mais reduzido do que o habitual e a presença de 154 participantes, que incluem autores como Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, Ondjaki ou Alberto Manguel. Os vários eventos da programação do Correntes d’Escrita podem ser acompanhados online no site e nas redes sociais do evento. A sessão de encerramento será este sábado, às 18h30. Esta incluirá a leitura daquela que é provavelmente a mais famosa fábula de Sepúlveda, História da Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar, pela equipa do festival. O programa completo do festival pode ser consultado aqui.