A Direção Regional da Saúde (DRS) da Madeira garante que os números reportados no Boletim Epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS) esta sexta-feira não correspondem — mais uma vez — à realidade da região, uma discrepância que a região diz acontecer com frequência. E não está sozinha. Ao Observador também a DRS dos Açores assume a existência de discrepâncias. Entre as críticas, está a alegada contabilização como casos dos arquipélagos madeirenses e açorianos que testam positivo à Covid-19 no continente — algo que não acontece, por exemplo, com continentais infetados identificados pelas autoridades regionais.

Os números indicados são geradores de desinformação junto da população e são prejudiciais para a dinâmica do setor do turismo na região. Os números fidedignos são os dados reportados, diariamente, pela Direção Regional de Saúde, de forma clara, segura e transparente”, lê-se na nota da Secretaria Regional de Saúde e Proteção Civil (SRS) enviada ao Observador.

Confrontada, fonte oficial da DGS confirma a existência de discrepâncias pontuais e uma diferença maior identificada no final de janeiro em relação à Madeira, mas afirma que as situações podem ser sempre corrigidas e “reitera a confiança nos dados fornecidos diariamente sobre a epidemia Covid-19”.

O Observador sabe que mesmo nas regiões do continente há divergências entre os números recolhidos pelas Autoridades Regionais de Saúde (ARS) e aqueles comunicados pela DGS.

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As diferenças nos dados

Esta sexta-feira, e mesmo com os acertos referidos no Boletim da DGS, os dados da autoridade nacional reportavam um total de 3.791 nos Açores e 7.023 na Madeira, até às 23h59 de dia 4 de março. Já os dados das regiões autónomas reportavam, respetivamente, 3.907 (às 11h47 de dia 4 de março) e 7.432 (com dados até cerca das 18h de dia 4 de março). Ou seja, as regiões autónomas fecham as contagens mais cedo do que o continente, mas têm mais 116 e mais 409 casos reportados, respetivamente, do que a DGS.

Além do número de casos diferente, no boletim da DGS consta uma morte a menos nos Açores e menos três na Madeira do que aquilo que é indicado pelos governos regionais.

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Sobre as diferenças na Madeira, fonte da DGS responde que “detetou no final de janeiro uma discrepância nas notificações laboratoriais, tendo, de imediato, contactado o Sesaram [Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira] para apurar as causas”. O problema estava relacionado com atrasos na comunicação dos casos por parte de um laboratório.

Os dados em falta “estão a ser progressivamente introduzidas no sistema, que os assume, naturalmente, como novos casos”, esclarece a DGS. A autoridade nacional acrescentou que o Sesaram informou “que o problema já se encontra em resolução e que procederá à regularização dos casos nos próximos dias, pelo que é expectável um aumento dos casos no boletim diário nos próximos dias“.

Os dados reportados pela DGS têm como fonte de informação plataformas eletrónicas nacionais, Sinave, que têm apresentado anomalias que resultam em atrasos nas notificações e cruzamento de informação”, acusa a Secretaria Regional de Saúde da Madeira.

As múltiplas plataformas

A DGS recolhe os dados que usa no boletim diário no sistema BI Sinave (Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica), onde todos os resultados positivos para a infeção com SARS-CoV-2 devem ser reportados, quer clinicamente (por um médico), quer laboratorialmente (pela entidade que realiza o teste) — em duas plataformas diferentes que têm, depois, de ser cruzadas.

Os laboratórios das regiões autónomas, à semelhança do que acontece com os do continente, reportam os novos casos diretamente na plataforma, mas as notificações por parte dos clínicos acontecem em plataformas distintas para cada um dos arquipélagos e para o continente. Um procedimento burocrático moroso que é alvo de críticas desde o início da pandemia.

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A nível regional, é possível validar a correspondência dos dados laboratoriais com os dos médicos, daí que ambas as DRS afirmem que os dados que têm são os mais fidedignos. Mas os dados dos médicos das ilhas, nem sempre são cruzados a tempo com os dados dos laboratórios que, entretanto, já entraram na plataforma nacional.

Os reportes diários da Direção Regional de Saúde [da Madeira], dos casos Covid-19, são elaborados com base na informação, mais atual, reunida junto das autoridades de saúde, que por sua vez notificam e validam os casos na plataforma eletrónica nacional”, esclarece a Secretaria Regional de Saúde.

Se a DGS só usar os dados que já foram cruzados (clínico e laboratorial) vão faltar casos, diz Gustavo Tato Borges, presidente da Comissão Especial de Acompanhamento da Luta contra a Pandemia por Covid-19 nos Açores. O Observador não conseguiu confirmar com a DGS, até à hora de publicação deste artigo, como são usados os dados.

Além disso, explica o médico de Saúde Pública ao Observador, os casos que são detetados nas ilhas, mesmo que sejam de turistas do continente, são contabilizados no boletim epidemiológico regional. Mas a DGS contabiliza no continente, nas moradas que estão registadas nos utentes. Da mesma forma, para a DGS, os madeirenses e açorianos cujo caso positivo foi detetado no continente onde podem estar a estudar ou trabalhar, por exemplo, são contados na respetiva ilha — mas os governos regionais não os contabilizam.

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Os dados da DGS já tinham sido alvo de críticas por parte dos investigadores que tentaram usar os dados epidemiológicos para fazer investigação científica. Entre as principais críticas estão serem dados incompletos, de baixa qualidade e terem sido alterados entre duas etapas do trabalho de investigação. Na altura, em setembro de 2020, a DGS disse que os dados eram de vigilância, não de investigação científica.

As correções (ou a falta delas)

Ao Observador, fonte oficial da DGS diz que os dados sobre as notificações obtidas na plataforma nacional sobre as regiões são comunicados, todas as manhãs e de forma automática, às respetivas autoridades de saúde regionais, que podem validar ou corrigir os dados. O Observador não conseguiu, no entanto, confirmar junto da DGS se se estava a referir às ARS do continente ou também às regiões autónomas. Gustavo Tato Borges diz não ter conhecimento que estes dados cheguem à região autónoma.

[A DGS] mantém um canal sempre aberto para discutir estas situações [de discrepâncias] com as Autoridades de Saúde Regionais do continente ou das regiões autónomas”, respondeu fonte da organização ao Observador.

Da parte das ilhas, as respostas não corroboram a versão da DGS. “Já foram trocados emails com a listagem de todos os casos positivos na região [dos Açores], mas sem impacto na produção do boletim diário [da DGS]”, revelou ao Observador Gustavo Tato Borges.

Pedro Miguel Ramos, secretário regional da Saúde e Proteção Civil da Madeira, disse à rádio Observador que há muito tempo que tentam resolver o problema com a DGS, mas sem sucesso até ao momento. “Desde o início da pandemia, os dados nunca bateram certo.” A única altura em que conseguiram que os dados batessem certo foi quando comunicavam os dados diretamente a alguém dentro da DGS, mas essas pessoas saíram e perdeu-se o canal direto de comunicação, concluiu o secretário regional.