O Conselho de Ministros aprovou esta quinta-feira a versão final da Estratégia Nacional Contra a Corrupção. O pacote legislativo que vai levar, entre outros pontos, à proteção de denunciantes e ao alargamento dos mecanismos de justiça negociada que permitirá acordos entre o sistema judicial e os arguidos vai agora ser preparado.
O comunicado da Presidência do Conselho de Ministros destaca que o período de discussão pública levou à apresentação de propostas em áreas como o “regime de exercício de funções por titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos”, “financiamento de partidos políticos”, “controlo de fundos europeus” que foram parcialmente acolhidas pelo Governo no pacote legislativo aprovado esta quinta-feira.
A ministra Francisca Van Dunem destacou em conferência de imprensa os contributos recebidos através da consulta pública. “Recebemos propostas e críticas de muitos juristas mas também de associações cívicas que criticaram a orientação dada pelo documento à administração em detrimento, na sua perspetiva, da corrupção política, do financiamento dos partidos políticos e, nomeadamente, nas autarquias locais. Essas críticas são agora respondidas no plano final que nos parece ser perfeitamente ajustado e equilibrado. Iremos agora dar início ao processo legislativo”, afirmou Van Dunem.
Deste pacote legislativo fazem igualmente parte instrumentos legais que se enquadram na competência legislativa do Governo que não necessitarão de passar pela Assembleia da República.
Recorde-se que a versão final da Estratégia aprovada esta quinta-feira devia ter sido apreciada pelo Conselho de Ministros em dezembro, tendo sido adiado devido ao agravamento da pandemia. Esse calendário original tinha sido divulgado em setembro de 2020 pelo Ministério da Justiça aquando da aprovação da proposta original da Estratégia Nacional Contra a Corrupção apresentada pelo grupo de trabalho nomeado pela ministra Francisca Van Dunem — proposta essa que foi submetida a consulta pública em outubro.
“O combate à corrupção e à fraude foi, desde o início, um dos objetivos prioritários deste Governo, uma vez que que tais fenómenos minam a confiança dos cidadãos nas instituições, fragilizam a economia, debilitam as finanças do Estado, provocam a erosão dos alicerces do Estado Social e acentuam as desigualdades”, lê-se no comunicado da Presidência do Conselho de Ministros.
Principais pontos da Estratégia Nacional Contra a Corrupção
Tal como o Observador divulgou a 30 de julho de 2020, a primeira grande alteração da Estratégia Nacional Contra a Corrupção assenta, entre outros pontos, nos seguintes:
Alteração do 374.º – B do Código Penal e de outros artigos em que se encontram previstos os institutos da dispensa de pena e da atenuação da pena, em matéria de corrupção, uniformizando os regimes. A lei impõe atualmente um prazo de 30 dias após a consumação do crime para ser feita denúncia, de forma a que o denunciante seja beneficiado com dispensa ou atenuação especial de pena. O grupo de trabalho propôs que o prazo fosse eliminado de forma a permitir que um suspeito ou arguido possa colaborar com o Ministério Público (MP) e denunciar o crime que presenciou ou praticou, recebendo em troca uma suspensão ou atenuação especial de pena que já estão previstas na lei.
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Pressupõe-se assim a colaboração na descoberta da verdade material, eliminando-se a possibilidade de dispensa de pena associada à mera omissão da prática do ato ilícito. O mesmo espírito verifica-se com as alterações relacionadas com atenuação especial da pena.
Alteração ao art. 344. º do Código de Processo Penal relacionado com as confissões em julgamento. A lei já permite que a confissão integral e sem reservas em julgamento possa beneficiar de dispensa ou atenuação especial da pena. Mas o juiz tem um poder discricionário sobre essa medida, podendo ou não aplicá-la.
Pretende-se agora retirar tal poder discricionário aos juízes de julgamento. Ou seja, o tribunal de julgamento será obrigado a aplicar a dispensa ou atenuação da pena nos casos de confissão integral e sem reservas dos réus — e desde que se verifique a devolução ao Estado do produto do crime. Sem essa restituição, o réu não poderá ter nenhum benefício.
Proteção dos denunciantes. O regime de proteção de denunciantes da União Europeia será finalmente transposto para a lei portuguesa e visa assegurar proteção para os denunciantes que estejam dentro de organizações criminosas ou de outro tipo de organização (entidade pública, empresas, etc.) e que desejem colaborar com a Justiça na descoberta da verdade material sobre determinado ato ilícito.
A grande curiosidade neste ponto residente em saber se Rui Pinto, que não é um whistleblower, poderá ser beneficiado com as novas regras.
Alargamento das regras de prevenção de corrupção ao setor privado. A prevenção é uma parte fundamental da Estratégia Nacional Contra a Corrupção. Deverá ser criado um Regime Jurídico de Prevenção da Corrupção que terá várias inovações, sendo que a primeira prende-se com uma equiparação entre o setor público e o setor privado no que diz respeito à obrigatoriedade de ter um plano de prevenção contra a corrupção.
Artigo alterado a 29 de abril de 2021 às 11h45 com a informação atualizada sobre o envio do pacote legislativo da Estratégia Nacional Contra a Corrupção para a Assembleia da República