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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

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Corrupção. O que propõe o novo plano para impedir a perda anual de 18,2 mil milhões de euros?

Grupo de trabalho aprova mecanismos de justiça negociada. Privados poderão vir a ter planos de prevenção contra a corrupção e canais próprios de denúncia para uso dos funcionários e clientes.

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A Estratégia Nacional Contra a Corrupção vai ser analisada pelo Conselho de Ministros na primeira semana de setembro. A ministra Francisca Van Dunem recebeu a 17 de julho o relatório final do grupo de trabalho que foi nomeado a 21 de fevereiro deste ano para fazer uma proposta global e está a analisar todas as recomendações antes de apresentar um documento ao primeiro-ministro António Costa e aos seus colegas do Governo que permita impedir a perda anual para os cofres do Estado de 18,2 mil milhões de euros — montante que é citado pelos especialistas como sendo a fatura anual que os contribuintes têm de pagar devido à corrupção.

Corrupção custa a Portugal 18,2 mil milhões de euros

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O relatório do grupo de trabalho liderado pela professora Maria João Antunes cita um documento dos grupo “Os Verdes” do Parlamento Europeu que calculou as perdas anuais provocadas pela corrupção em Portugal em cerca de 18,2 mil milhões de euros — um valor que representa 7,9% do PIB. Aquele montante equivale ao custos das seguintes políticas públicas:

  • Mais de 10 vezes superior ao orçamento dirigido ao apoio aos desempregados: cerca de 1,8 mil milhões de euros.
  • Supera orçamento para a área da saúde: cerca de 16,1 mil milhões de euros.
  • Representa cerca de 80% do orçamento para cuidados com idosos: cerca de 22,4 mil milhões de euros.
  • Multiplica por nove o orçamento atribuído às polícias e às famílias e crianças: quase 1,9 mil milhões de euros.
  • É 314 vezes superior ao orçamento para políticas habitacionais: 58 milhões de euros.
  • É 7 vezes superior ao orçamento para doenças e invalidez: cerca de 2,4 mil milhões de euros.
  • E representa o dobro da verba anual alocada à educação: 8,7 mil milhões de euros.

Os Verdes afirmam mesmo no relatório “The costs of corruption across the EU” que, se  o montante anual que o país perde com a corrupção fosse distribuído aos portugueses, cada um teria direito a 1.763 euros por ano.

Ao que o Observador apurou, o grupo de trabalho liderado pela penalista Maria João Antunes (Universidade de Coimbra) recomenda ao Governo que aprofunde os mecanismos de direito premial que já existem na nossa lei, estabelecendo regras claras para a colaboração entre a Justiça e os arguidos. Ou seja, passará a ser possível ao Ministério Público receber provas de suspeitos e arguidos e propor ao juiz de julgamento uma suspensão ou atenuação especial da pena pela colaboração na descoberta da verdade material.

No campo da prevenção, os especialistas não só aconselham um alargamento da obrigatoriedade de planos de prevenção contra a corrupção ao setor privado (o setor público tem essa obrigação desde há alguns anos), como sugerem que seja obrigatório que as empresas privadas tenham mecanismos formais de denúncia para que os seus funcionários e clientes possam informar sobre suspeitas de atos ilícitos. Estas regras deverão ser aplicadas a empresas de grande dimensão e deverão sanções pecuniárias significativas no caso de não serem aplicadas.

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Francisca Van Dunem quer alargar justiça negociada para melhorar o combate à corrupção

Justiça negociada deverá ser implementada

Comecemos pelos principais pontos da estratégia proposta à ministra da Justiça no campo da repressão. Tal como o Observador avançou em dezembro de 2019, o grupo de trabalhou analisou e validou a possibilidade de alargar os mecanismos de direito premial que já existem na lei portuguesa. Assim, os especialistas liderados pela professora Maria João Antunes (Universidade de Coimbra) propõem alterações cirúrgicas que vão de encontro ao pensamento de Francisca Van Dunem sobre a matéria e que pretendem quebrar o pacto de silêncio que existe sempre entre corruptor e corrompido e permitir uma colaboração entre os alegados criminosos ou suspeitos e a Justiça.

A primeira grande alteração será a seguinte:

Alteração do 374.º – B do Código Penal e de outros artigos em que se encontram previstos os institutos da dispensa de pena e da atenuação da pena, em matéria de corrupção, uniformizando os regimes. A lei impõe atualmente um prazo de 30 dias após a consumação do crime para ser feita denúncia, de forma a que o denunciante seja beneficiado com dispensa ou atenuação especial de pena. O grupo de trabalho propõe que o prazo seja eliminado de forma a permitir que um suspeito ou arguido possa colaborar com o Ministério Público (MP) e denunciar o crime que presenciou ou praticou, recebendo em troca uma supensão ou atenuação especial de pena que já estão previstas na lei.

“Há incentivos à colaboração dos arguidos”

Pressupõe-se assim a colaboração na descoberta da verdade material, eliminando-se a possibilidade de dispensa de pena associada à mera omissão da prática do ato ilícito. O mesmo espírito verifica-se com as alterações relacionadas com atenuação especial da pena.

Se o Governo aprovar a proposta dos especialistas, a nova redação da lei vai balizar de forma rígida os benefícios que poderão ser atribuídos aos suspeitos ou arguidos que queiram colaborar com a Justiça.

Eis as principais regras:

A suspensão da pena só poderá ser concedida a quem não cometer o ato criminoso e a quem não beneficiou de vantagem económica por via da prática do crime. Neste último caso, se a pessoa que quiser colaborar tiver recolhido tal vantagem, desde que restitua o produto do crime poderá beneficiar da suspensão da pena.

Já para os arguidos que tiverem praticado efetivamente o crime que querem denunciar, a lei só deverá permitir a atenuação especial da pena — e não a suspensão.

O mesmo acontece quando a respetiva denúncia estiver relacionada com um inquérito em curso. Ou seja, denúncias apresentadas depois das investigações se iniciarem só poderão ser beneficiadas com atenuação especial da pena.

A suspensão da pena só poderá ser concedida a quem não cometer o ato criminoso e a quem não beneficiou de vantagem económica por via da prática do crime. Já para os arguidos que tiverem praticado efetivamente o crime que querem denunciar, a lei só deverá permitir a atenuação especial da pena — e não a suspensão.

Estas regras rígidas pretendem precisamente evitar algo que é proibido pela lei portuguesa: o negócio jurídico. Em linguagem mais simples, pretendem impedir que o MP possa negociar com um suspeito ou arguido a atribuição de determinados benefícios em função da denúncia ou confissão.

Na prática, esta nova redação da lei permitirá ao MP fazer o seguinte:

Perante uma denúncia ou confissão de um suspeito ou arguido, o MP proporá no final do despacho de acusação a suspensão ou atenuação de pena para quem tiver ajudado na descoberta da verdade material com prova concreta;

Essa denúncia ou confissão terá de ser confirmada e validada em sede de julgamento perante um juiz ou coletivo de juízes;

A decisão final sobre suspensão ou atenuação de pena pertence sempre ao juiz ou ao coletivo de juízes de julgamento. Contudo, ao tribunal de julgamento apenas será permitido verificar se os requisitos para tais acordos impostos pela lei foram cumpridos ou não. Só em caso de não cumprimento, é que o tribunal poderá recusar a homologação.

Esta alteração ao artigo 374-B º do Código Penal está diretamente ligada a outra mudança cirúrgica que o grupo de trabalho recomenda que se faça ao art. 344. º do Código de Processo Penal relacionado com as confissões em julgamento. Eis o desenho geral da medida:

A lei já permite que a confissão integral e sem reservas em julgamento possa beneficiar de dispensa ou atenuação especial da pena. Mas o juiz tem um poder discricionário sobre essa medida, podendo ou não aplicá-la.

Pretende-se agora retirar tal poder discricionário aos aos juízes de julgamento. Ou seja, o tribunal de julgamento será obrigado a aplicar a dispensa ou atenuação da pena nos casos de confissão integral e sem reservas dos réus — e desde que se verifique a devolução ao Estado do produto do crime. Sem essa restituição, o réu não poderá ter nenhum benefício.

Combate aos mega processos

Ainda no campo da repressão, o grupo de trabalho recomendou ao Governo que separe claramente a responsabilidade penal dos titulares de cargos públicos dos titulares de cargos políticos. A ser aprovada, isso obrigará a mexer na lei que foi aprovada nos anos 80 do século passado pelo Governo de Cavaco Silva em que as responsabilidades penais dos políticos e dos dirigentes e funcionários da administração pública foram misturadas na mesma lei.

Outra medida que deverá gerar debate prende-se com os megaprocessos. Os especialistas aconselharam a ministra Francisca Van Dunem a promover uma alteração cirúrgica no Código Penal de forma a fazer cessar a conexão de processos que permite ao Ministério Público promover a fusão de diversos inquéritos num só. Na prática, a lei deverá deixar claro que tal conexão de processos essa se a junção de inquéritos fazer retardar a conclusão das investigações. Tal alteração poderá reforçar os poderes hierárquicos dos responsáveis do Ministério Público para impedir que os procuradores titulares dos inquéritos os possam construir.

PT, BES e Vale do Lobo. Como Sócrates terá sido corrompido desde o 1.º dia

Um exemplo prático para melhor compreensão desta alteração: a Operação Marquês. Trata-se de um inquérito que nasceu da fusão de outros processos, sendo que se investigaram diferentes realidades que têm conexão entre si. Por exemplo, Ricardo Salgado foi acusado de corromper o ex-primeiro-ministro José Sócrates e Henrique Granadeiro e Zeinal Bava (ex-líderes da Portugal Telecom) por razões diferentes. A alteração legislativa pretende promover que o MP pudesse fazer duas acusações consoante os crimes de corrupção ativa imputados a Salgado.

Outro exemplo: José Sócrates foi acusado de corrupção passiva por alegadamente ter beneficiado três grupos económicos (Grupo Espírito Santo, Grupo Lena e Grupo Vale do Lobo), logo o MP poderia fazer três acusações e não uma só.

Tribunais especializados de julgamento não avançam

Uma coisa é certa: o grupo de trabalho desaconselha a criação de um tribunal de julgamento especializado para os grandes casos da criminalidade económico-financeira.

A ministra Francisca Van Dunem solicitou aos especialistas que estudassem a criação de um juízo criminal no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que apenas julgaria processos de criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade. Do ponto de vista prático, e se tal juízo já existisse hoje em dia, isso permitiria o julgamento de processos, entre outros, como a Operação Marquês, Universo Espírito Santo ou Tancos por um corpo de juízes especializados nesse tipo de criminalidade.

O grupo de trabalho desaconselha a criação de um tribunal de julgamento especializado para os grandes casos da criminalidade económico-financeira devido à Constituição. Só uma revisão constitucional que retire a proibição de tribunais especiais poderá permitir um aprofundamento da especialização da Justiça.

A resposta negativa dos especialistas a tal tribunal prende-se essencialmente com razões constitucionais. A Constituição da República proíbe a existência de tribunais especiais desde o texto original de 1976. Tudo por causa dos tribunais plenários da ditadura que julgavam crimes contra o Estado por delito de opinião ou filiação política.

No entender dos especialistas, só uma alteração constitucional poderá permitir a criação do tribunal de competência especializado que era desejado pela ministra da Justiça.

Empresas privadas com coimas se não aplicarem prevenção contra a corrupção

A prevenção é uma parte fundamental da Estratégia Nacional Contra a Corrupção que a ministra Francisca Van Dunem irá propor ao Conselho de Ministros. Para tal, deverá ser criado um Regime Jurídico de Prevenção da Corrupção que terá várias inovações.

A primeira prende-se com uma equiparação entre o setor público e o setor privado no que diz respeito à obrigatoriedade de ter um plano de prevenção contra a corrupção. Desde 2009 que todos os organismos públicos são obrigados a ter tais planos e essa obrigatoriedade deverá ser agora estendida ao setor privado, mas com várias nuances:

A obrigatoriedade aplica-se apenas a empresas com grande dimensão, excluindo-se as pequenas e médias empresas. As regras que permitirão classificar determinada empresa com de grande dimensão ainda estão a ser afinadas;

As empresas que sejam abrangidas por tal obrigatoriedade, terão de nomear um responsável pela aplicação do plano de prevenção de corrupção;

No caso de incumprimento, serão aplicadas coimas sancionatórias e ficarão excluídas automaticamente de apoios públicos ou de contratos com o Estado.

Já os responsáveis dos organismos públicos que estão obrigados a aplicar os planos de prevenção de corrupção apenas serão sancionados disciplinarmente.

O setor privado deverá ficar satisfeito com um benefício que este novo regime deverá trazer: a possibilidade de isenção de responsabilidade penal das pessoas coletivas. Ou seja, caso fique demonstrado que os órgãos sociais de uma empresa tudo fizeram para que determinado crime não fosse praticado por um seu representante (presidente, administrador ou funcionário), então a sociedade não poderá ser constituída arguida e acusada pelo MP. Um exemplo prático: a EDP poderia eventualmente beneficiar desta isenção no caso das rendas excessivas se a mesma já estivesse em vigor e, obviamente, se ficasse comprovado que tudo tinha feito para que António Mexia e João Manso Neto não tivessem alegadamente praticado os crimes que o MP lhes imputa.

As empresas abrangidas pelo novo Regime Jurídico de Prevenção da Corrupção deverão ser obrigadas a ter canais formais de comunicação com denunciantes. Ou seja, os funcionários ou clientes dessas empresas poderão passar a comunicar alegados atos ilícitos que tenham conhecimento.

O novo regime jurídico deverá também levar a alterações do Código das Sociedades Comerciais de forma a reforçar a pena acessória de proibição de funções, no caso de condenação transitada em julgado. Está igualmente previsto o alargamento do conceito de idoneidade do setor bancário — que leva, por exemplo, o Banco de Portugal a afastar administradores de instituições financeiras — aos restantes setores de atividade privada. Sendo certo que a lei atual já permite, por exemplo, que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliário aplique tal conceito aos titulares de órgão sociais das empresas cotadas.

Ainda no que diz respeitos às empresas que serão abrangidas pelo novo Regime Jurídico de Prevenção da Corrupção, as mesmas serão obrigadas a ter canais formais de comunicação com denunciantes. Ou seja, os funcionários ou clientes das empresas abrangidas poderão passar a comunicar alegados atos ilícitos que tenham conhecimento, sendo que as sociedades comerciais ficarão obrigadas a analisar tais denúncias e a comunicar as mesmas às autoridades.

Esta inovação tem uma ligação direta a uma outra grande alteração que será promovida pela Estratégia Nacional Contra a Corrupção: a transposição para a lei portuguesa do regime jurídico de proteção de denunciantes que já existe na lei da União Europeia.

O chamado regime whistleblower será finalmente aplicado e visa proteger denunciantes que estejam dentro de organizações criminosas ou de outro tipo de organização (entidade pública, empresas, etc.) e que desejem colaborar com a Justiça na descoberta da verdade material sobre determinado ato ilícito.

O objetivo de todo este esforço de envolver o setor privado no combate à corrupção é só um: combate o aumento dos custos de contexto do tecido empresarial. Quanto mais corrupção existir, maior é o custo final para as empresas privadas e maior é a fatura que os contribuintes pagarão. No caso do Estado, cerca de 18,2 mil milhões de euros anuais — o equivalente a cerca de 7,9 % do PIB de 2018.

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