João Moreira Rato, que foi o último administrador financeiro do BES e primeiro do Novo Banco (apesar de ter estado poucos meses na instituição), confirmou esta quinta-feira que o atual ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, esteve envolvido no processo de venda da seguradora Tranquilidade ao fundo Apollo, por 40 milhões de euros (mais tarde seria revendida por 600 milhões). O economista confirmou, também, que quando a equipa foi convidada para substituir Ricardo Salgado e Morais Pires o Banco de Portugal indicou que a garantia angolana ao BES Angola “era válida”. Depois, a equipa foi “surpreendida” com a informação de que o banco iria ser alvo de resolução, após os prejuízos do primeiro semestre (para os quais foi decisiva a invalidação da garantia de Angola).

Questionado sobre essa matéria pelo deputado Duarte Alves, do PCP, João Moreira Rato indicou que era António Soares o advogado da Linklaters com quem se lidava mais de perto, tendo sido esta firma de advogados contratada ainda antes da resolução para ajudar nos problemas jurídicos que iriam surgir naquele processo, problemas que viriam de “várias jurisdições”. Porém, Pedro Siza Vieira “terá sido chamado num ou noutro conselho para discutir o contrato de compra e venda” da seguradora.

A pergunta do PCP está relacionada com a polémica venda da Tranquilidade, que João Moreira Rato recorda que era uma seguradora com frágil situação de capital, pressionada pelo regulador do setor a recapitalizar-se – e o GES não tinha meios para isso. “Havia uma erosão clara de credibilidade junto dos clientes e em setembro iria haver renegociações importantes de acordos de seguro e resseguro”, diz João Moreira Rato, confirmando que houve um parecer da Linklaters de que não seria necessário envolver o Fundo de Resolução (enquanto acionista) na aprovação desta venda – embora o conselho fiscal tenha defendido que isso seria importante.

A Tranquilidade acabaria por ser vendida ao fundo Apollo, por 40 milhões de euros, apesar de na fase das propostas não-vinculativas a Liberty Seguros ter feito uma oferta de mais de 200 milhões – essa era, porém, sublinhou Moreira Rato, uma oferta não-vinculativa. A Liberty acabou por nunca fazer uma proposta vinculativa, que poderia ou não ser igual ao valor oferecido na oferta não-vinculativa, porque não foi possível fazer a análise aprofundada que a Liberty queria fazer. Ora, o regulador Instituto de Seguros de Portugal, liderado por José Almaça, terá feito grande pressão para que a venda fosse feita rapidamente à melhor oferta disponível, sendo que a única era a da Apollo.

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Em 2019, a Tranquilidade acabaria por ser vendida por 600 milhões de euros, embora Moreira Rato sublinhe que é preciso levar em consideração que o valor de uma empresa seguradora portuguesa em 2014, em pleno pós-troika, era uma coisa (ainda mais com as dúvidas em relação à exposição ao GES) e uma seguradora portuguesa em 2019 era outra coisa, já que a empresa estava estabilizada e a economia estava a crescer. Aliás, o economista lembra que a Caixa Seguros foi vendida, naquela altura, com múltiplos de valorização similares.

Apesar de tudo, Moreira Rato sublinha que a venda da Tranquilidade contou com a “não oposição” do Banco de Portugal, que é quem gere o Fundo de Resolução. Até terá sido, segundo se recorda Moreira Rato, “terá sido uma não-oposição forte”, segundo lhe terá sido dito pelos seus serviços jurídicos. “Informámos sempre o Banco de Portugal sobre tudo o que se passava, todos os riscos…”.

Um desses riscos estava relacionado, reconheceu Moreira Rato em resposta a Cecília Meireles (sobre o período pós-BES), com aquilo que poderiam ser os créditos que tinham ficado no Novo Banco mas que poderiam transformar-se em crédito em incumprimento – são esses créditos, muitos dos quais tinham sido reestruturados, que acabaram por justificar boa parte das perdas do Novo Banco já após a venda ao fundo Lone Star. Ainda assim, embora se reconhecesse esse risco, naquelas escassas semanas não foi uma preocupação prioritária porque havia situações muito mais urgentes, relacionadas com o capital do banco e até a saída relevante de muitos recursos humanos.

Banco de Portugal sempre indicou que a garantia de Angola “era válida”

O economista revelou, também, que quando a equipa (liderada por Vítor Bento) entrou no BES foi indicado pelo Banco de Portugal que a garantia angolana ao BES Angola “era válida”. Acabou por não ser assim – colocando o banco a perder potencialmente os 4,5 mil milhões de dólares que estavam numa conta de mercado monetário entre o BES e o BES Angola, um fator que foi decisivo para configurar as perdas milionárias que foram reconhecidas nos resultados do primeiro semestre, logo antes da resolução. “Até à resolução, foi-nos sempre comunicado que a garantia era válida”, indicou João Moreira Rato.

“Nós, no dia 1 de agosto, quando fomos chamados para discutir o que se ia passar [a resolução] nós íamos preparados para discutir as opções de recapitalização privada que existiam. Fomos surpreendidos, os detalhes da resolução pareceram muito vagos e pediram-nos para estar disponíveis para os dias seguintes para o que fosse preciso”, afirmou João Moreira Rato, em resposta a João Cotrim Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal. Foi Carlos Costa, na altura governador do Banco de Portugal, quem liderou essa apresentação de 1 de agosto à equipa diretiva do BES.

“O Banco de Portugal não trouxe elementos novos, só nos informou sobre o que ia acontecer — e que ia haver um banco mau e um banco bom, que seria relativamente mais limpo de ativos problemáticos em relação ao banco mau e que estavam interessados que nós ficássemos a liderar o banco bom”, explicou Moreira Rato, confirmando que, já após a resolução, a sua equipa de gestão defendeu junto do Banco de Portugal que fosse pedido às autoridades europeias que o banco tivesse mais do que os seis meses para vender os ativos que era necessário vender.

Para Moreira Rato (e Vítor Bento), as regras permitiam uma extensão desse prazo, para se evitar uma venda apressada dos ativos – que reduzisse o seu valor – mas diz que o Banco de Portugal “não respondeu” nem acedeu a essa recomendação de que fosse pedida uma extensão do prazo da venda. Essa terá sido, aliás, a principal razão para que Vítor Bento tenha decidido sair da instituição, a 17 de setembro. Caíram por terra os planos de uma recapitalização privada ou, em alternativa, uma recapitalização pública que poderia ascender a três mil milhões de euros mas que Moreira Rato reconhece que rapidamente percebeu que não seria uma opção, politicamente – sobretudo depois de uma reunião com Maria Luís Albuquerque no final de julho.

Moreira Rato está a ser ouvido esta quinta-feira no parlamento no âmbito da comissão parlamentar de inquérito sobre perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução. Esta era uma semana em que se previa que fossem ouvidas duas figuras-chave neste processo – Carlos Costa e Vítor Constâncio – mas essas duas audições foram adiadas, pelo que a audição a João Moreira Rato é a única que acontece esta semana.

Economista, atual presidente do conselho de administração do Banco CTT e ex-presidente do IGCP (liderou o processo de “regresso aos mercados” após o programa da troika), João Moreira Rato foi o administrador financeiro (CFO) que acompanhou Vítor Bento nos curtos meses em que os dois estiveram na instituição – em rigor, nas instituições, porque pouco tempo após João Moreira Rato ter substituído Amílcar Morais Pires (e Vítor Bento substituído Ricardo Salgado) deu-se a resolução do Banco Espírito Santo, no início de agosto de 2014. Porém, a equipa saiu do Novo Banco em setembro, passando o testemunho a Eduardo Stock da Cunha.

Banco de Portugal queria mais 500 milhões para capital do Novo Banco em 2014, mas Governo de Passos terá recusado