Mais uma reunião tensa no CDS. O dossiê autárquicas em Lisboa começa a queimar e a informação avançada pelo Observador de que João Gonçalves Pereira, vereador e líder da distrital, está riscado acabou por marcar o Conselho Nacional do CDS deste sábado, com acusações de “saneamento político”, de um lado, e de tentativas de boicote do outro. Francisco Rodrigues dos Santos, no entanto, não recuou: “No CDS não há cadeiras vitalícias.”
Adolfo Mesquita Nunes, antigo vice-presidente do CDS e assumido crítico de Francisco Rodrigues dos Santos, tomou da palavra — numa reunião que decorreu, como sempre, à porta fechada — para censurar a estratégia que a direção tem em curso e para denunciar aquilo que acredita serem os riscos de ver o partido transformado numa força minimal.
“Um partido meritocrata é um partido que premeia quem faz muito e faz bem”, começou por dizer o democrata-cristão. “Saneamentos políticos e purgas, por pura vendetta interna, são impróprios em partidos democráticos”, argumentou o assumido challenger de Francisco Rodrigues dos Santos.
Tal como explicava na sexta-feira o Observador, Gonçalves Pereira deixou o Parlamento para se dedicar ao próximo combate autárquico. Mas a direção do partido não tem planos para ele. Ou melhor, tem: o atual vereador não terá lugar na lista da coligação.
Isto apesar de, a 16 de março, a concelhia de Lisboa do CDS, ter aprovado por unanimidade os nomes de João Gonçalves Pereira, Diogo Moura e Nuno Rocha Correia como candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Ou seja, em teoria, pela vontade da concelhia do partido, Gonçalves Pereira seria o número dois de Carlos Moedas na corrida contra Fernando Medina.
Ora, o Observador sabe que Gonçalves Pereira não será o número dois dessa coligação e dificilmente será número quatro dessa lista. Depois de meses de críticas públicas e vocais a Francisco Rodrigues dos Santos, é tempo agora de a direção do CDS passar a fatura ao líder da distrital. Além disso, e mais importante ainda, impera uma lógica de renovação: Gonçalves Pereira é autarca há duas décadas e vereador há oito anos. A direção do CDS entende que este é o momento de dar lugar a outros e garantir que outros quadros do CDS têm espaço para dar o seu contributo à cidade e ao partido.
Adolfo Mesquita Nunes não compra este argumento. “Se esta direção chumbar os nomes indicados pela concelhia, deixaremos de ser um partido para sermos um clube de fanatismos“, criticou o antigo vice-presidente de Assunção Cristas, que alertou para os risos de o partido ver o seu espaço político tornar-se ainda “mais exíguo”. “Como se ainda pudesse ficar mais”, lamentou.
O democrata-cristão aproveitou ainda para recuperar as palavras de Francisco Rodrigues dos Santos no dia em que assinou a coligação autárquica com o PSD. Nessa conferência de imprensa, o líder do CDS apontou para os críticos internos e sugeriu que não o conseguiriam derrotar no pós-autárquicas. “Que a direção se preocupe mais em falar para fora do que a mandar bocas internas. Não há oposição; há colaboração”, sublinhou.
“No CDS não há lugares cativos”
No final do Conselho Nacional, Francisco Rodrigues dos Santos acabou por fazer uma intervenção violentíssima contra os críticos internos, que quiseram fazer desta reunião do órgão máximo entre partidos uma discussão “unipessoal” sobre a candidatura ou não de Gonçalves Pereira. “Enquanto for presidente não se vão discutir lugar à frente de princípios. Esse tempo acabou“, disse.
Dizendo várias vezes que em momento algum da história do partido as concelhias gozaram da prerrogativa exclusiva de escolherem os candidatos, em particular em câmaras importantes como Lisboa ou Porto, Francisco Rodrigues dos Santos chegou a mesmo a desafiar os adversários internos a acabarem com mentiras. “Não vale a pena fazerem-nos de idiotas“, atirou, antes de acrescentar: “Não me vou demitir de um único poder que me está atribuído neste regulamento.”
O líder do CDS não esqueceu as críticas de Adolfo Mesquita Nunes e lembrou que está na liderança do partido porque os militantes assim o quiseram e não “pela condescendência de alguém”. E ainda avisou que ninguém, nem mesmo Adolfo Mesquita Nunes, condiciona a atual direção. “Os objetivos nas autárquicas não são impostos por ninguém”, atirou Rodrigues dos Santos, numa referência às declarações do antigo vice-presidente ao Expresso.
Sobre o caso concreto de Lisboa, Rodrigues dos Santos nunca desmentiu a notícia avançada pelo Observador — antes pelo contrário. O líder do CDS lembrou que deve imperar o “princípio da renovação das listas” e que o partido “deve ser exemplar na promoção” desse mesmo princípio. “Queremos trabalhar com todos, mas temos de ter noção que no CDS não há lugares cativos, nem cadeiras vitalícias”, avisou.
Mais: o democrata-cristão recordou, aliás, que, quando chegou a ser discutida a hipótese de o CDS avançar com candidatura própria a Lisboa, a mesma concelhia que vê Gonçalves Pereira como “insubstituível”, indicou os nomes de Assunção Cristas e do próprio Francisco Rodrigues dos Santos. “Nessa altura, não ouvi o brilhante João Gonçalves Pereira dizer que estava disponível para ser candidato.”
De resto, Rodrigues dos Santos revelou que Gonçalves Pereira só comunicou a decisão de deixar o Parlamento às “onze da noite”, quando “todos os jornalistas já sabiam” da sua saída. “[E fê-lo] dando por certo que seria candidato no lugar que exige. Vamos com calma. Não vamos pôr a carroça à frente dos bois.”
O presidente do CDS refutou ainda as críticas de saneamento dizendo que eram “absolutamente ofensivas” e “fantasiosas”. Um discurso, insistiu, alimentado pelos “paladinos da liberdade“, que só apreciam essa mesma liberdade quando quando coincide com decisões com as quais concordam.
Sanear é não ter as mesmas opções? Ou alinhamos todos pela bitola ou estamos a sanear. Um partido tem regras, as maiorias ainda ditam como é que as coisas funcionam. As minorias devem acatar a autoridade das maiorias democráticas. Vamos ser sérios e honestos. Ninguém vai sanear ninguém”, rematou.
Gonçalves Pereira denuncia atitudes próprias de “partidos comunistas”
O vereador acabou por ser várias acusado de estar a pressionar a direção do partido a inclui-lo nas listas do partido a Lisboa e a causar ruído num processo tão delicado.
João Gonçalves Pereira acabou sempre por refutar todas as acusações, mas deixou um aviso claro: se Rodrigues dos Santos impuser outros nomes que não aqueles que foram escolhidos pelas estruturas locais, numa prática “própria de partidos comunistas“, terá nele um opositor.
Mais contido nas críticas, Diogo Moura, líder da concelhia do CDS/Lisboa, lembrou que este era um “momento crucial” para a vida do partido e que era importante contar com os melhores quadros e os mais “reconhecidos”. “Sem excluir ninguém“, fez questão de sublinhar.
Figuras como João Almeida, deputado e candidato derrotado nas últimas eleições internas, e Telmo Correia, líder parlamentar do partido, também questionaram a orientação dada pela direção do CDS. Este último chegou mesmo a dizer que as “autarquias são, por excelência, o momento das concelhias” e que o “bom-senso” deve prevalecer.
“Ainda não abriu a pista, mas já há quem queira bailar antes de tempo
Ainda antes do início do Conselho Nacional do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos foi absolutamente claro: cabe à direção do partido ter a “última palavra” na escolha dos candidatos a Lisboa. O líder do CDS, aliás, cortou a eito qualquer tipo de pressão nesse sentido.
“Aqueles que acham que fazendo ruído na comunicação social ou criando a ilusão artificial de que existem guerras ou quezílias internas para levar a água ao seu moinho, garanto-vos que eu não sou minimamente influenciável por isso e vou tomar sempre a decisão que seja mais certa para o partido e que sirva o superior interesse do CDS e que vá ao encontro daquilo que é a expectativa do nosso eleitorado”, avisou.
Uma posição secundada por Miguel Barbosa, vice-presidente do partido, que argumentou que este era o momento de pensar na renovação do partido. “Rejeitamos o encastelamento partidário. As listas não podem ser bloqueadas à renovação. Rejeitamos práticas dos partidos incumbentes e a política não pode ser uma profissão. Renovar não é sanear, escolher não é sanear”, sublinhou.
Apesar de não ter nomeado, o alvo evidente era João Gonçalves Pereira. A esse propósito, aliás, Miguel Barbosa fez questão de dizer que a direção do CDS não vai entrar em conversas extemporâneas sobre lugares e candidatos a candidatos. “Faz lembrar uma discoteca rolante. Ainda não abriu a pista, a música ainda não começou a tocar, mas já há quem queira bailar antes de tempo“, atirou.
Filipa Correia Pinto, também dirigente do CDS, acusou Gonçalves Pereira de estar a “perturbar” ativamente a com o PSD e a “poluir o debate interno, promovendo a sua própria figura”. “Acha mesmo que isso é ajudar o partido?”, interpelou a democrata-cristã.
Filipe Anacoreta Correia que, a par de Francisco Tavares, está a representar o partido nas negociações com o PSD, classificou todo o psicodrama criado em torno do candidato a Lisboa como extemporânea. “As negociações estavam a correr bem, mas de facto a tentativa de dramatização pública não favorece a posição do partido”, lamentou.
Ainda assim, e mesmo aconselhando “calma e tranquilidade” aos mais nervosos, Anacoreta Correia não resistiu em deixar um aviso aos críticos: “Não há ninguém que seja insubstituível“. Para bom entendedor.
Líder do CDS-PP salienta que direção tem “última palavra” sobre candidatos a Lisboa