A justiça australiana poderá estar prestes a descobrir que cometeu um dos seus maiores judiciais com o caso de Kathleen Folbigg, uma mulher de 53 anos que cumpre pena de cadeia há 18 pela morte dos seus quatro filhos bebés. É que recentemente um grupo de reputados cientistas descobriu que, afinal, pelo menos duas das crianças poderão ter morrido de uma mutação genética previamente desconhecida que levou a complicações cardíacas e, depois, à sua morte. A descoberta não só pode trazer a liberdade a Folbigg como poderá ser um avanço no conhecimento sobre a síndrome da morte súbita infantil, nome dado quando os bebés morrem repentinamente sem qualquer explicação aparente.
Segundo a CNN, esta descoberta deve-se a 90 cientistas, nos quais se incluem dois australianos vencedores do prémio Nobel, que já pediram mesmo ao governador de New South Wales para libertar Folbigg.
A história de Kathleen Folbigg começa logo mal aos seus 18 meses, quando o pai apunhalou a mãe até à morte e foi preso. A relação dela, ainda criança, com o pai, foi mesmo escrutinada no seu julgamento e aflorou-se a possibilidade de ela ter sido abusada sexualmente por ele.
Folbigg conheceu o marido, de quem usa o apelido, numa discoteca e teve com ele o seu primeiro filho aos 21 anos. O bebé morreu com apenas 19 dias, aparentemente de morte súbita. Ela engravidou novamente praticamente a seguir e, em 1990, teve o seu segundo filho — apesar de a ficha clínica da criança a descrever como um bebé normal e saudável. Ainda assim, quando tinha apenas quatro meses, sofreu aquilo a que se denomina de ALTE — um episódio súbito e inesperado, caracterizado pela alteração do padrão respiratório, aparência ou comportamento do recém-nascido, que lhe deixou várias lesões no cérebro. Quatro meses depois o bebé morria.
O seu terceiro bebé foi uma menina, que morreu aos dez meses também aparentemente pelo síndrome de morte súbita. Já a sua quarta filha morreu com 18 meses, em 1999 — quase dez anos depois do seu primeiro filho. E foi por esta altura que a polícia decidiu começar a investigá-la: por que razão os seus bebés morriam sempre?
Folbigg acabou por sair de casa e o marido foi ler o seu diário. Foi quando encontrou algumas descrições que achou que poderiam ser “úteis às investigações policiais”. Algumas delas, segundo descreveu, deram-lhe mesmo vontade vomitar. A sua ex-mulher acabou detida em abril de 2001 por quatro homicídios.
Já em tribunal, de nada valeu o depoimento das suas amigas, que a descreverem como uma ótima mãe. A acusação considerou que ela tinha sufocado dois dos quatro filhos, roubando-lhes a vida, e o tribunal baseou a sua convicção no depoimento do pediatra britânico Roy Meadow: “A morte de uma só criança é uma tragédia, duas mortes são suspeitas e três é um homicídio até prova em contrário”, declarou.
“Sinto-me a pior mãe da Terra, com medo de que (L.) me deixe agora, como S. fez. Eu sabia que às vezes era mal-humorado e cruel com ela e ela partiu, com um pouco de ajuda”, escreveu Folbigg no diário que o marido entregou à polícia.
Folbigg acabou condenada a 30 anos de cadeia por três homicídios e um homicídio por negligência.
35% dos casos de morte súbita podem ser fatores genéticos
Na década de 1980, vários casos que antes poderiam ter sido classificados como homicídios foram atribuídos e explicados pelo síndrome da morte súbita. E os fatores genéticos começaram a ganhar força nestas explicações. Um dos primeiros estudos sobre o tema é de 2001, quando o cardiologista pediátrico Michael Ackerman e uma equipa de cientistas ligaram uma mutação no gene SCN5A à síndrome de morte súbita infantil.
Desde então, variações genéticas em mais de 30 genes diferentes foram associadas a este síndrome assim como ao Síndrome da Morte Súbita do Lactente (para crianças que morrem quando têm mais de um ano de idade). Os estudos agora indicam que até 35% dos casos de síndrome de morte súbita infantil podem ser explicados por fatores genéticos, embora a causa da maioria deles permaneça obscura.
Em 2015, os advogados de Folbigg pediram ao governador de New South Wales que abrisse um inquérito às condenações da sua cliente sob argumento de que, desde os recursos que apresentaram (e perderam), tinham aparecido novas evidências, incluindo uma diferente compreensão da síndrome de morte súbita infantil. Se o ex-juiz principal do Tribunal Distrital de NSW, Reginald Blanch, que recebeu o processo, concordasse, ele poderia encaminhar o caso ao Tribunal de Apelação Criminal. Mas o antigo magistrado manteve a sua opinião de que Folbigg tinha sufocado os filhos.
No ano passado, em novembro, surgiram ainda mais provas científicas de como Folbigg pode estar inocente, mas os registos judiciais mostram que muito poucas pessoas no estado da Nova Gales do Sul alguma vez receberam um perdão deste género por parte do governador.