Exatamente 32 minutos distam entre o momento em que o INEM foi contactado e a hora a que os médicos chegaram junto de Ihor Homeniuk. “Foi rápido”, na perceção de Jofrina Patrícia, uma das enfermeiras da Cruz Vermelha que chamou a ambulância e assistiu o cidadão ucraniano antes de morrer. Foi isso mesmo, “uma perceção”. “O tribunal tem o relatório da ocorrência que mostra que passaram 30 minutos. Vai ter em conta a perceção da testemunha e o que diz o relatório“, avisou o juiz-presidente Rui Coelho, naquela que foi a nona sessão do julgamento do homicídio do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa.

Jofrina Patrícia contou aos juízes que, quando chegou à sala onde estava o cidadão ucraniano, encontrou-o deitado num colchão, com ligaduras nos pés e nas mãos, . Reparou que tinha as mãos “muito inchadas” e teve necessidade de ver se as ligaduras a estavam apertadas — o que não verificou. Tinha também, segundo recordou, “alguns hematomas” nos braços, bem como um “ligeiro hematoma” na cara.

Cheirava muito mal. Era o espaço em si. Quando nos dirigíamos ao gabinete, era logo um cheiro muito mau”, explicou.

A testemunha disse que rapidamente percebeu que Ihor Homeniuk tinha de ir a um hospital. A ambulância foi chamada às 17h36 e, segundo o relatório de ocorrência consultado pelo Observador, chegou ao parque de estacionamento do aeroporto às 17h54, mas a equipa não tinha “ninguém para os conduzir” até ao Centro de Instalção Temporária. Assim, só chegou junto de Ihor Homeniuk às 18h08 já o passageiro tinha entrado em paragem cardiorespiratória há três minutos. Às 18h40, foi declarado o óbito.

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Esta terça-feira começaram a ser ouvidas as testemunhas arroladas por Luís Silva, aqui ao lado da sua advogada, Maria Manuel Candal

Inspetor do SEF conta que “era normal haver vários colegas que utilizavam um bastão”

À nona sessão do julgamento do homicídio de Ihor Homeniuk, começam a ser ouvidas as testemunhas de defesa, nomeadamente as testemunhas arroladas por Luís Silva, um dos inspetores acusados. Ainda antes de Jofrina Patrício, Tito Gonçalves, inspetor do SEF, foi o primeiro. Em tribunal, revelou que “era normal haver vários colegas que utilizavam um bastão”. Mas, “infelizmente”, não era adquiridos pelo SEF.

O Serviço era muito parco no que toca a entrega de equipamento: bastões ou algemas. Nós acabávamos por adquirir esse material”, disse em tribunal.

Tito Gonçalves não foi a única testemunha a falar sobre bastões. Também Pedro Martins, inspetor do SEF, confirmou que “alguns colegas” tinham bastões extensíveis”. Jorge Gomes, também inspetor, contou que ele próprio deu várias aulas de defesa pessoal e algemagem a vários inspetores do SEF e explicou que eram “administradas aulas com bastão”, pelo menos desde 2004, como “método de afastamento e controlo de pessoas”. Segundo se recorda, terá sido nesse ano, na altura do Euro 2004 que foram distribuídos bastões”. Questionado sobre se havia alguma indicação para não usar bastões, disse que “não”.

Um cidadão ucraniano algemado durante oito horas e um inspetor “tranquilo”: “Estava convicto que estava bem”

Ihor Homenyuk morreu a 12 de março no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, dois dias depois de ter desembarcado, com um visto de turista, vindo da Turquia. De acordo com a acusação, o SEF terá impedido a entrada do cidadão ucraniano e decidido que teria de regressar ao seu país no voo seguinte. As autoridades terão tentado por duas vezes colocar o homem de 40 anos no avião, mas este terá reagido mal. Terá então sido levado pelo SEF para uma sala de assistência médica nas instalações do aeroporto, isolado dos restantes passageiros, onde terá sido amarrado e agredido violentamente por três inspetores do SEF, acabando por morrer.

Apesar de no relatório o SEF ter descrito o óbito como natural, o médico que autopsiou o corpo não teve dúvidas de que tinha havido um crime, alertando imediatamente a PJ, que acabaria também por receber uma denúncia anónima que referia que Ihor Homenyuk tinha ficado “todo amassado na cara e com escoriações nos braços”.

Uma “asfixia lenta” matou Ihor Homeniuk. As fraturas e a posição em que estavam foram a conjugação “fatal”

Os inspetores Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja foram detidos no final de março e encontram-se em prisão domiciliária por causa da pandemia de Covid-19. Foram acusados no final de setembro e respondem, cada um, por um crime de homicídio qualificado em coautoria. Duarte Laja e Luís Silva respondem ainda por um crime de posse de arma proibida.