O então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, terá dito a José Honório, no momento em que o convidou para ser vice-presidente do BES em julho de 2014, que a linha da troika estava disponível caso houvesse problemas no banco. Acabou por não ser assim, já que o BES foi alvo de resolução sem que tenha havido abertura política para recorrer aos valores que restavam dos 12 mil milhões que o programa da troika previa para a banca (e que já tinham sido parcialmente gastos com as recapitalizações do BCP, BPI, Banif e Caixa Geral de Depósitos). Hoje, José Honório acredita que o BES tinha salvação.

A revelação foi feita esta quarta-feira por José Honório, que foi ouvido ao longo de cerca de 5 horas e meia pelos deputados no âmbito da comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco. Depois de ser convidado por Vítor Bento, José Honório conta que foi contactado por telefone por Carlos Costa e, nessa conversa “relativamente longa”, Honório perguntou como é que estava o banco. “Ele disse o que era público, que o banco estava bem, que tinha uma almofada de capital”. Mas Honório terá perguntado “e se houver algum fator superveniente que impacte o banco? “Não esteja preocupado que aí temos a linha de recapitalização pública do Estado/da troika“, terá respondido Carlos Costa, na linha do que era dito em vários comunicados públicos do Banco de Portugal.

Vítor Bento disse na terça-feira, nesta mesma comissão de inquérito, que ficou “surpreendido” quando colocou a hipótese de recorrer a essa linha da troika e Carlos Costa o remeteu para a ministra das Finanças, indicando que isso teria de ser tratado entre o BES e o Governo por ser “uma questão política” – José Honório diz ter fico “perplexo”, “nunca na minha carreira profissional tinha visto uma coisa assim“. Ora, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, terá recusado – “de forma inequívoca” embora sem o ter dito “preto no branco” – permitir que o BES recorresse a essa linha, o que colocou o banco mais perto do que acabaria por ser o seu destino: a resolução, que já “estaria a ser tratado por equipas” mas que a gestão liderada por Vítor Bento não fazia ideia.

A resolução acabou por ser comunicada à gestão do BES, onde estava José Honório, que confessa que nem sabia muito bem o que era uma resolução de um banco. Honório terá dito a Carlos Costa que na sua carreira tinha feito várias cisões de empresas mas “nunca fiz uma cisão tão complexa como o BES e nunca num fim-de-semana”. Mas também aí Carlos Costa terá tranquilizado o gestor, garantindo que toda a divisão de ativos seria “tratada” pelo Banco de Portugal e pela consultora PwC.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Porém, o gestor reconhece que sempre teve muitas dúvidas sobre o sucesso daquela solução de criar um banco de transição, desde logo porque, conhecendo bem o mundo empresarial, questionava como é que uma empresa de construção civil, por exemplo, iria querer ter conta num banco de transição e usar esse banco como parceiro num qualquer projeto plurianual (quando se indicava que o Novo Banco teria uma duração máxima de dois anos).

Vítor Bento, o peixe do almocreve e o “fogo de retaguarda” no BES/Novo Banco

José Honório tem a particularidade de anteriormente ter sido convidado por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo para ser presidente da comissão executiva da Rio Forte – porém, rejeitou após analisar a informação sobre a Rioforte, ao constatar que seria um “projeto completamente inexequível” dada a dimensão da exposição da Rioforte às empresas do grupo em dificuldades (Espírito Santo International), que ascendia a 7,6 mil milhões de euros. José Honório estava, na altura, nos CTT mas tinha trabalhado mais de duas décadas com Pedro Queiroz Pereira, empresário que chegou a criar um grupo de trabalho para investigar os sinais de problemas financeiros no BES/GES (um grupo do qual Honório não fez parte).

Apesar de explicar que acabou por se desligar do processo, Honório chegou a estar em reuniões de “alto nível” que incluíam, além de Ricardo Salgado, figuras como Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e Durão Barroso – e nessas reuniões Ricardo Salgado terá indagado sobre a possibilidade de a Caixa Geral de Depósitos (e, também, o BCP, admite José Honório) participar num financiamento ao grupo. Essas foram reuniões tidas antes do aumento de capital do banco, confirmou José Honório, sublinhando que o tema das reunião era a área não-financeira do grupo (GES).

Uma operação desse género acabou por não se concretizar, como é sabido, e mais tarde José Honório acaba convidado por Vítor Bento (e, depois, por Carlos Costa) para ir para o BES. Nas duas semanas em que Honório foi vice-presidente do BES, o gestor ficou convencido de que a situação era difícil mas seria possível haver uma garantia pública de que os depósitos não estariam em risco (nem de empresas nem de particulares, fosse qual fosse o montante) e uma garantia por parte do banco central de que não faltaria liquidez.

É por esta razão que, hoje, José Honório considera que a resolução foi a decisão errada e que, embora pudesse ser necessário um apoio público (como houve em vários bancos de outros países) e alguns meses para encontrar um investidor privado. Assim, era possível ter mantido o BES, solucionado a solução e não “destruir” aquela marca, defendeu José Honório.

Este gestor já tinha participado na primeira comissão de inquérito relacionada com o colapso do BES, em janeiro de 2015, e na altura comentou que tinha aceito o convite de Vítor Bento para fazer parte da sua equipa mas desde logo o avisou de que provavelmente acabariam por se “arrepender” daquele envolvimento no que seriam os últimos dias do Banco Espírito Santo (e as primeiras semanas do Novo Banco).

O ex-vice-presidente do Novo Banco comentou, também, que “não podia sequer imaginar que o desmoronamento” do grupo e do BES “fosse indiferente às autoridades do país e da comissão europeia”. “Fui convidado para um projeto sustentável, de um banco que tinha a reputação abalada, mas que ia ser recuperada. Esse era o quadro que nós tínhamos. Esse quadro veio a ser completamente desmentido”, afirmou, na altura.