O aviso tinha sido deixado logo no anúncio dos convocados, o aviso voltou a ser deixado na antecâmara da partida com o Azerbaijão: Portugal, como tantas outras seleções, não estava concentrado há seis meses, vai fazer três jogos de caráter oficial apenas numa semana em cima de uma densidade competitiva anormal nos clubes esta temporada mas, encontrando-se num grupo de cinco, a margem de erro fica mais curta. Ou seja, risco zero. “Ainda ontem falei com os meus jogadores, eles não têm de dar mais, só não podem é dar menos”, alertou Fernando Santos. “Sonhar é importante mas o importante mesmo é lutar para concretizar esses sonhos porque depois podemos acordar e ser tudo um pesadelo”, reforçou, a propósito das ambições da Seleção para o Mundial de 2022.

Portugal vence Azerbaijão com autogolo de Medvedev no arranque da qualificação para o Mundial

“Portugal tem qualidade e organização para lutar por qualquer prova. Sabemos, e desde sempre temos afirmado, que temos jogadores para chegar às fases finais e tentar ganhar. Já o fizemos no Europeu e na Liga das Nações mas temos de estar lá nas fases finais. Pensar nisso sem o apuramento é um erro tremendo. O grupo só tem oito jogos, cada jogo é uma final e temos de encarar como tal. Mesmo sendo favoritos, se não estivermos totalmente focados e respeitarmos o adversário, por muita mais-valia e qualidade física e técnica que tenhamos, podemos ter problemas. Na teoria é tudo muito bonito mas depois não conta para nada…”, defendera, alertando para os problemas de uma formação a jogar em 35/40 metros, com mais do que provável reforço da estrutura defensiva e a tentar procurar a saída em contra-ataque. “Não vamos mudar as nossas ideias nem dinâmicas ou estratégias”, assegurou.

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Mais uma vez, o maior adversário de Portugal podia ser Portugal. Porque se Portugal fosse Portugal, seria muito complicado para qualquer adversário, neste caso o Azerbaijão. E era dentro desse espírito que o selecionador ia em busca da melhor abordagem ao encontro inaugural ultrapassando as baixas que a equipa foi sofrendo. Rui Patrício, ainda limitado depois do choque violento com Conor Coady, deu lugar a José Sá e Anthony Lopes assumiu a baliza. Pepe, com um problema muscular, levou à chamada de Neto num eixo central que contou com Domingos Duarte como substituto do portista na posição e Rúben Dias como alternativa na voz de liderança. Raphael Guerreiro, que não recuperou de um problema físico e foi dispensado, abria espaço à estreia de Nuno Mendes, ficando a solução Cancelo na esquerda guardada para a Sérvia. Depois, havia Ronaldo. A jogar em “casa” numa fase conturbada.

A resposta à eliminação da Juventus na Liga dos Campeões frente ao FC Porto dificilmente poderia ter sido melhor pelo avançado, que logo no jogo seguinte marcou um hat-trick frente ao Cagliari em 32 minutos, apenas o segundo na Serie A e o terceiro nos bianconeri. E logo a seguir voltou a ser distinguido com o troféu de Melhor Jogador da liga italiana em 2019/20. No entanto, a derrota frente ao Benevento, num encontro onde o capitão da Seleção foi o melhor entre uma equipa completamente perdida e que desta vez só não foi resgatada porque Ronaldo viu os seus nove remates travados pelo guarda-redes, saírem por cima ou rasarem os postes, voltou a trazer ao plano principal as notícias sobre uma eventual saída, aparecendo o Real Madrid mais uma vez como possibilidade entre garantias da Vecchia Signora que contava com a estrela para a próxima temporada, a última de contrato.

“Conselhos? Os meus conselhos ao Cristiano Ronaldo são dados pessoalmente. Fui treinador do Ronaldo quando ele tinha 18 anos, temos uma relação próxima e conversamos muitas vezes. E conversas de amigos, e se ele quiser a minha opinião, temos em privado”, disse Fernando Santos, recolocando o foco na Seleção. “Ele já conquistou tudo a nível de clubes e o Campeonato do Mundo é o grande título que falta a Cristiano Ronaldo a nível de seleções depois da conquista do Europeu e da Liga das Nações”, recordou, para destacar a ambição do avançado em chegar à fase final e conseguir uma das poucas coisas que ainda não alcançou. A nível coletivo, neste caso. Porque também no plano pessoal continua a somar recordes atrás de recordes, sem olhar para o que acabou de bater para projetar atenções naqueles que estão ainda por bater. E este jogo com o Azerbaijão era também mais um desafio.

Além de ser o recordista europeu de golos em qualificações para Mundiais (30) e de estar apenas a dois de Carlos Ruiz, da Guatemala, no número de golos entre qualificações e fases finais (39-37), Ronaldo tinha nestes próximos três encontros da Seleção duas grandes metas: somar outras tantas vitórias para ficar mais próximo de somar a quinta participação numa fase final, igualando Matthäus, Buffon, Rafa Márquez e Antonio Carbajal, e aproximar-se ainda mais dos 109 golos de Ali Daei, iraniano que continua a ser o melhor marcador de sempre de seleções. Não foi por falta de tentativa que o português não ficou mais próximo do avançado, tantas foram as tentativas entre bolas ao lado, defesas do guarda-redes e livres na barreira. No entanto, não era dia. E essa tentativa de Ronaldo sem sucesso foi o espelho da exibição de Portugal, com vontade mas sem inspiração, numa entrada a ganhar na qualificação para o Mundial onde, faltando cabeça no meio de tantas pernas, valeu uma bolada no peito.

Ficha de jogo

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Portugal-Azerbaijão, 1-0

1.ª jornada do grupo A de qualificação para o Mundial

Allianz Stadium, em Turim

Árbitro: Daniel Siebert (Alemanha)

Portugal: Anthony Lopes; João Cancelo, Rúben Dias, Domingos Duarte, Nuno Mendes; João Moutinho (Bruno Fernandes, 46′), Rúben Neves (João Palhinha, 88′); Bernardo Silva (Sérgio Oliveira, 88′), Pedro Neto (Rafa, 63′); Cristiano Ronaldo e André Silva (João Félix, 75′)

Suplentes não utilizados: José Sá, Rui Silva, Cédric Soares, Luís Neto, José Fonte, Renato Sanches e Diogo Jota

Treinador: Fernando Santos

Azerbaijão: Magomedaliyev; Medvedev, Badalov, Badavi Hüseynov, Krivotsyuk; Abbas Hüseynov (Nuriiev, 46′), Makhmudov (Isaev, 84′), Mustafayev (Ibrahimli, 46′), Salahli; Ghorbani (Seydayev, 84′) e Emreli (Alaskarov, 84′)

Suplentes não utilizados: Balayev, Cennetov, Taskin, Mustafazade, Ceferquliyev, Xelilzade e Yunanov

Treinador: Giovanni de Biasi

Golo: Medvedev (37′, p.b.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Emreli (52′) e Bruno Fernandes (82′)

Tentando aproveitar a química existente também nos clubes em duplas como Rúben Neves-João Moutinho ou João Cancelo-Bernardo Silva, e olhando também para o encontro da Sérvia em termos físicos, Fernando Santos deixou no banco Bruno Fernandes, João Félix e Diogo Jota para lançar Pedro Neto e André Silva por fora e por dentro no apoio a Ronaldo. E a parte teórica de como chegar à baliza esteve sempre lá, com 91% de eficácia de passe e 78% de bola sem consequências em termos práticos a não ser num remate de Rúben Neves de fora da área que o guarda-redes azeri Magomedaliyev defendeu de forma atabalhoada para a trave (10′). Mais tarde, Domingos Duarte, após assistência de Ronaldo, parou no peito mas atirou em boa posição na área ao lado (18′). O encontro tinha um sentido único mas com demasiados becos sem saída por caminhos que dificultavam o golo de Portugal.

Ronaldo quis também mostrar-se depois de algumas tentativas que ficaram na muralha de pernas do Azerbaijão, com dois cabeceamentos por cima e à figura de Magomedaliyev. E a seguir apareceu também João Cancelo com um maior envolvimento ofensivo a lembrar em algumas movimentações aquilo que tem feito no Manchester City, com muito jogo por dentro e dois remates muito perigosos por cima (29′) e para intervenção apertada do guardião azeri (34′). Começava uma sessão mais intensa de “tiro ao boneco”, com Rúben Neves a testar mais uma vez a atenção do número 12 da equipa do italiano Giovanni de Biasi antes do golo inaugural que chegou da forma menos previsível possível: o mesmo Rúben Neves fez um dos 23 cruzamentos para a área de Portugal na primeira parte, o guardião do Azerbaijão socou a bola para a frente e a mesma bateu em Medvedev e foi para a baliza, num momento insólito mas que valeu a vantagem mínima ao intervalo com o 20.º autogolo para Portugal na história.

Portugal dominava por completo mas era incompleto no seu domínio. Porque faltava velocidade quando chegava ao último terço, porque faltava mobilidade que fosse capaz de dissuadir as marcações apertadas sobretudo na área, porque faltava mais meia distância para poder atrair os defensores contrários e abrir espaços. O domínio nacional era evidente mas sem resultados práticos e nem mesmo a troca de Bruno Fernandes ao intervalo por Moutinho, para ter essa capacidade de remate de fora, mudou o jogo. Aliás, até piorou. Não que o Azerbaijão tenha criado alguma oportunidade de golo (nem um remate enquadrado conseguiu fazer ao longo de toda a partida) mas pelo menos teve o mérito de subir um pouco mais as linhas, defender melhor e travar ainda mais uma equipa nacional que já não estava muito inspirada e que teve a partir daí uma melhor oposição dos visitantes.

A partir do banco, Fernando Santos tentava inverter aquilo que nunca poderia ser invertido perante uma onda geral de falta de inspiração que tocava a quase todos. Lançou Rafa no lugar de Pedro Neto, colocou o avançado do Benfica mais na direita para dar todo o corredor esquerdo a Nuno Mendes, não resultou. Lançou João Félix no lugar de André Silva, deu outra mobilidade na frente e o jogo ofensivo ganhou maior intensidade, ainda que sem o tão desejado golo. Magomedaliyev defendeu remates fáceis de Bernardo Silva e Bruno Fernandes, travou depois um livre direto de Ronaldo por cima da trave, acabou o encontro com uma grande defesa a remate de Félix numa das melhores jogadas do jogo. Mesmo errando no lance que deu o único golo, o guarda-redes azeri acabou por ser o melhor. E isso diz bem sobre o que aconteceu esta noite em Turim, em que valeu sobretudo o resultado.