A Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) considerou esta sexta-feira “um erro histórico de consequências imprevisíveis” a transferência para o Ministério do Ambiente de competências relativas dos animais de companhia que até aqui eram do Ministério da Agricultura.

Em comunicado, a OMV apela ao Presidente da República e aos municípios para que revertam o que consideram “uma má decisão do Governo”.

Esta alteração orgânica é desastrosa para a execução dos planos de controlo e para os sistemas de alerta de doenças e terá consequências graves para a saúde pública, nomeadamente a possibilidade de ressurgirem em Portugal doenças já erradicadas, como a raiva”, afirma o bastonário da OMV, Jorge Cid, citado no comunicado.

O responsável considera ainda que “o Governo ignorou a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais, que consideraram, publicamente e de forma unânime, que a saúde das populações e dos próprios animais pode ficar em risco”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em causa está a decisão tomada na quinta-feira em Conselho de Ministros de passar a tutela dos animais de companhia, incluindo dos animais errantes, para a alçada do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, mais concretamente para o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF). Até aqui, esta era uma competência da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e do Ministério da Agricultura.

DGAV “terá sempre que ser ouvida” sobre animais de companhia, diz Ministra

A OMV recorda que a Assembleia da República tinha aprovado, com os votos favoráveis de BE, PEV, PSD, CDS e Iniciativa Liberal, um projeto de resolução do PCP que recomendava que esta reformulação orgânica não se efetuasse.

Mais de 40 associações e confederações subscreveram uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, alertando para as consequências negativas que poderiam resultar desta transferência de competências”, sublinha.

A organização recorda que, mais recentemente, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), chamada a pronunciar-se sobre esta possibilidade – que terá “fortes repercussões” nas competências dos municípios em matéria de gestão de populações de animais errantes e salvaguarda da saúde pública e segurança das pessoas -, foi “altamente crítica sobre esta alteração”.

A OMV diz mesmo que a associação questionou inclusive a capacidade do ICNF “para lidar com matérias tão complexas e diversas do seu campo de atuação habitual”, e mostrou preocupação pelo afastamento da DGAV da definição de orientações estratégicas envolvendo “aspetos que vão desde a saúde pública à segurança de pessoas e bens”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, lembra a Ordem, as oito doenças que representam maior risco para a saúde pública são as doenças transmitidas dos animais para os humanos (zoonoses), que representam 70% das doenças infecciosas surgidas nos últimos 30 anos, como a Covid-19.

“Separar as competências de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os animais de companhia e outro para os animais de produção, coloca em causa a saúde pública”, acrescenta o bastonário da OMV.

O responsável diz também que esta decisão “contraria as orientações de instituições europeias e internacionais sobre a matéria, desde logo a Organização Mundial da Saúde Animal e a Federação dos Veterinários da Europa, que encaram a organização dos serviços oficiais de veterinária como um fator de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias”.

Segundo Jorge Cid, a alteração orgânica com base em opções políticas contrárias às opiniões técnicas, “sem qualquer estudo ou planeamento, põe também em causa a segurança das populações”.

“O risco de assistirmos ao aumento do número de animais errantes e consequente registo de ataques a pessoas é significativo”, alerta.

A decisão, refere o representante, poderá também “afetar a reputação do país enquanto Estado-membro da União Europeia e a sua relação com os restantes Estados-membros, conduzindo à imposição de restrições às movimentações de animais de companhia do e para o estrangeiro”, o que, considera, “se revela mais danoso para a imagem de Portugal num momento em que o país preside ao Conselho da União Europeia”.

A Ordem dos Médicos Veterinários já pediu uma audiência junto da Casa Civil e do representante dos municípios portugueses.

A transferência de competências aprovada abrange as matérias relacionadas com o bem-estar de animais de companhia, mas, segundo o Governo, fica “salvaguardado” o papel da DGAV como “autoridade sanitária veterinária nacional, com todas as competências relativas à saúde animal.