O analista político Nuno Rogeiro considera que as próximas 72 horas serão essenciais para avaliar a situação militar em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, avisando que os jihadistas querem tentar manter o controlo do território.
Nas imagens divulgadas pelo movimento terrorista Estado Islâmico, “pela primeira vez eles [os ‘jihadistas’] aparecem todos de cara destapada mostrando-se sem qualquer receio de se saber quem são”, afirmou Nuno Rogeiro, em declarações à Lusa, salientando que o ataque a Palma é o último episódio visível de um conflito militar que nasceu de uma insurgência local, mas que agora tem uma dimensão difícil de controlar. “O problema não é a longo prazo, é o problema do que pode acontecer nas próximas 72 horas, porque este grupo que temos andado a denunciar tem, neste momento, meios empenhados em ficar com Cabo Delgado. Isto é uma guerra não é uma brincadeira e eu não sei se mais tarde ou mais cedo Moçambique não irá ter que dizer que afinal precisa de determinados meios” por parte da comunidade internacional, considerou Nuno Rogeiro.
Na quarta-feira passada, a vila de Palma, junto à Tanzânia, foi atacada por jihadistas, motivando a fuga de milhares de moçambicanos e expatriados, a maior parte para o complexo petrolífero próximo de Afungi, operado pela francesa Total.
Até agora, o conflito na província de Cabo Delgado tem motivado ofertas de apoio por parte da comunidade internacional, mas, “até agora Moçambique não tem recusado nada, o que tem dito é que não precisa de determinadas coisas”.
Segundo Nuno Rogeiro, autor do livro “Cabo do Medo”, em junho de 2019 “a antiga insurgência integrou-se no dito Estado Islâmico”, que se aproveitou e investiu nos movimentos locais jihadistas da província, de maioria muçulmana (60%).
A crise política na Tanzânia também precipitou o escalar do conflito, reconheceu Nuno Rogeiro. “Eu acho que é um grande insulto dizer que os tanzanianos, como Estado, estão a ajudar esta insurgência, isso não é verdade”, mas trata-se de um “país grande e se tiverem instabilidade política não conseguem controlar parte do território e a verdade é que muitos destes homens [‘jihadistas’] estão alojados no sul da Tanzânia”, frisou.
“Aquilo era uma insurgência meramente local acabou por cair na atenção dos grandes grupos ‘jihadistas’ mundiais e como Moçambique passou a ser primeira página dos jornais devido à exploração do gás”, o Estado Islâmico viu aqui uma “ótima oportunidade”, elegendo esta “zona do mundo e a África em geral” como “o grande campo de batalha deles em 2021″, apontou.
Por outro lado, explicou, “no último ano Moçambique começou a fazer uma revolução nas suas próprias Forças Armadas começando a admitir que isto era um conflito militar e não apenas uma operação policial e transferiu a maior parte das competências da polícia para as Forças Armadas”, mas este ataque a Palma “acontece numa altura em que essa revolução ainda não tinha acabado”. “Moçambique de certa forma foi apanhado em contrapé quando tentava começar as reformas essenciais”, sublinhou o jornalista e analista, que se tem debruçado há vários anos sobre o conflito na província de Cabo Delgado. “O problema é que Moçambique a longo prazo pode fazer as coisas certas, o grande problema é a emergência a curtíssimo prazo”, resumiu Nuno Rogeiro.
Dezenas de civis, incluindo sete pessoas que tentavam fugir do principal hotel de Palma, no norte de Moçambique, foram mortos pelo grupo armado que atacou a vila na quarta-feira.
A violência está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou esta segunda-feira o controlo da vila de Palma. A agência oficial do movimento, a Amaq, divulgou imagens da vila e reivindicou a ocupação do capital do distrito, junto à fronteira com a Tanzânia.
Estado Islâmico reivindica controlo da vila de Palma em Moçambique
Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, cujas ações já foram reivindicadas pelo autoproclamado Estado Islâmico, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora existam relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.