“Seguramente” que a exposição do BES ao BES Angola foram um “indício” que foi “acompanhado” e “analisado” pelo Banco de Portugal, mas “em termos de supervisão consolidada, as linhas de crédito do BES nacional ao BES Angola não eram uma preocupação”, indicou esta terça-feira Vasco Pereira, que foi diretor do departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal entre o início de 2011 e junho de 2013. O responsável foi esta terça-feira ouvido na comissão de inquérito parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução e sublinhou que os riscos de exposição do BES à complexidade do GES “eram do conhecimento da administração” – isto depois de o ex-vice-governador Pedro Duarte Neves ter dito que Vasco Pereira teria retido uma nota sobre essa matéria, não a enviando à administração.

O responsável, hoje aposentado, contextualizou que “a supervisão é, muito, um processo de avaliação dos riscos que tem de ser abrangente, olhar para todos os riscos de cada instituição. Em função disso, avaliar se a situação de capital do banco é ou não suficiente para cobrir esses riscos”. Neste caso, “na medida em que os riscos tomados pelo BES Angola estivessem devidamente a ser considerados, o problema do financiamento do BES Lisboa a Angola não era um problema específico. No máximo, seria um indício de uma atividade que se estava a desenvolver e pouco suportada na captação de recursos internos (depósitos em Angola) e muito em recursos vindos do exterior (seja da casa-mãe ou do mercado internacional)”.

Por outras palavras, essas práticas poderiam ser “indiciadora de que o BESA tinha poucos depósitos e tinha aplicações, em crédito na sua maior parte, de algum vulto em Angola. Desde que o risco dessas aplicações estivesse devidamente avaliado na atividade do BESA, não era um problema. E a perspetiva que era dada era essa”. O Banco Espírito Santo acabaria por registar mais de três mil milhões de euros em perdas no BESA, nos resultados do primeiro semestre de 2014, um fator que acabou por ser decisivo para o colapso do banco.

“A complexidade do Grupo Espírito Santo tornava-se difícil analisar”

Vasco Pereira indicou, ainda, que a questão da exposição do BES às áreas não-financeiras do Grupo Espírito Santo “era talvez a preocupação principal da supervisão no momento em que” chegou ao departamento. Isso “não só se traduzia na necessidade de obter informação sobre essas entidades não-financeiras mas, sobretudo, através do instrumento do limite aos grandes riscos. Esse era o instrumento que havia para limitar essa exposição”.

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Vasco Pereira garantiu que o Banco de Portugal pressionou o BES para reduzir o excesso de exposição a grandes riscos, mas não tem “informação” sobre que redução aconteceu na realidade (já que em muitas situações o BES terá transferido alguma exposição para fundos participados por si, contornando a limitação regulamentar). “A noção que tenho é que as exposições se reduziram. O que me pode dizer é que foi reduzida passando para outras formas que constituíam, igualmente, risco para o banco – não discuto isso, não tenho informação, provavelmente terá sido isso que aconteceu, mas do ponto de vista do controlo dos grandes riscos, ela reduziu-se”, afirmou Vasco Pereira, em resposta à deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

Porém, quando se fala sobre transparência nesta matéria, essa “é uma questão mais ampla”, notou Vasco Pereira, comentando que “a complexidade do Grupo Espírito Santo tornava-se difícil analisar”. “A partir de 2012 conseguiu-se que o Grupo simplificasse a sua estrutura. No momento em que eu saí esse processo estava em curso”, afirmou Vasco Pereira, reconhecendo que o Banco de Portugal durante muito tempo teve dificuldade em identificar os acionistas reais do grupo, embora o Banco de Portugal tenha sempre “procurado saber”, esbarrando por vezes na falta de colaboração de jurisdições como a Suíça.

Nota retida? “A administração estava ciente destas questões”

“A nossa convicção é que havia informação que podia ser relevante para a supervisão e nós não a estávamos a ter”, reconheceu Vasco Pereira, questionado por João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, que considerou que o BES “andou a ludibriar o Banco de Portugal durante anos”.

Neste momento é relativamente fácil dizer que devíamos ter feito mais, mas com a informação e com os instrumentos que tínhamos na altura não me parece que o Banco de Portugal tivesse possibilidade de fazer muito mais do que fez. Isto é um processo que não acontece de um dia para o outro, isto é como um processo de investigação criminal, leva tempo”, disse Vasco Pereira. “Apesar de ter havido este incidente grave, não se pode dizer que a supervisão falhou. Isso é como dizer que a polícia de trânsito é ineficaz porque houve um acidente. Quantos acidentes preveniu a polícia de trânsito?”

Vasco Pereira não estava na lista inicial de pessoas a ouvir, mas depois da audição ao antigo vice-governador Pedro Duarte Neves os deputados quiseram ouvir este responsável porque Pedro Duarte Neves falou de uma nota sobre a complexidade do GES e as dificuldades que isso colocava à supervisão – uma nota que teria sido retida na posse de Vasco Pereira e não passada à administração. Isso foi algo de que se “queixou” Pedro Duarte Neves, dizendo que essa nota não lhe chegou. “O assunto da nota esteve seguramente presente nas minhas reuniões com o professor Pedro Duarte Neves”, mesmo que aquela nota em concreto não tivesse chegado ao vice-governador.

“A nota não ficou retida, a nota não tinha de ter seguimento para a administração. Eu não me recordo da nota, mas se o que apontava era para mudar a sede da Espírito Santo Financial Group mudasse a sede do Luxemburgo para Lisboa, isso correspondia apenas a um desejo, não era uma proposta viável – portanto o seguimento não podia ser dado por aí, tinha de ser por outra via”.

Seja como for, “a administração estava ciente destas questões”, atirou Vasco Pereira, lembrando que a complexidade do grupo e a exposição à área não-financeira eram os “temas principais” quando entrou no cargo. Vasco Pereira foi questionado por Duarte Alves, do PCP, deputado que criticou a ideia, transmitida por Pedro Duarte Neves, de que o conselho de administração do Banco de Portugal possa dizer que não tinha conhecimento deste problema porque não lhe chegou uma nota. “Essa matéria era do conhecimento da administração”, atirou.