O Governo vai apresentar esta quarta-feira aos parceiros sociais o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, um documento orientador para futuras alterações na legislação laboral de que já se conhecem os principais destaques, entre os quais o que pode vir a surgir em matéria de teletrabalho. A forma de trabalho que muitos experimentaram durante a pandemia surge com especial foco nas intenções do Governo, que quer “alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador“. E poderá vir a fazê-lo em modalidade “de teletrabalho total ou parcial, nomeadamente no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, bem como em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade”.
Por outro lado, o Livro Verde – a que o Observador teve acesso – pretende garantir que o teletrabalho não signifique “acréscimo de custos para os trabalhadores, nomeadamente em matéria de instalação, manutenção e pagamento de despesas relativas aos instrumentos de trabalho utilizados”.
O Livro Verde foi entregue pelo Governo esta terça-feira aos parceiros sociais. Ainda em fevereiro, em declarações ao Jornal de Negócios, o Ministério do Trabalho admitia que as empresas tivessem de pagar telefone e internet aos seu trabalhadores em regime de teletrabalho, embora excetuasse desta obrigação os gastos com água, luz e gás. Esta posição não está, porém, explícita na lei. E agora também não está explicitada no Livro Verde.
Os partidos de esquerda já disseram que querem clarificar na lei que todas essas despesas devem estar a cargo do empregador: no caso do Bloco, garantindo que cabe à empresa o pagamento de despesas pelo uso de “telecomunicações, água, energia, incluindo climatização, e outros conexos com o exercício das funções”; no caso do PCP, estipulando que as empresas devem pagar o equivalente a, pelo menos, 2,5% do IAS (10,97 euros) por dia, para compensar os consumos de água, eletricidade, internet e telefone.
No documento de mais de 150 páginas a que o Observador teve acesso, surge a intenção de “aprofundar e melhorar a regulação do teletrabalho nas suas diferentes dimensões”, no caso de existir acordo entre o empregador e o trabalhador. As alterações propostas são relativas a estes casos e não àquele que se viveu durante grande parte da pandemia, em que o regime de teletrabalho é obrigatório, sempre que possível. E recorde-se que, na semana passada, o Governo prolongou até final do ano o teletrabalho obrigatório nos concelhos de risco.
A aposta para futuro passará, segundo o documento entregue aos parceiros, por “modelos híbridos que combinem trabalho presencial e trabalho à distância no quadro da relação de trabalho, numa ótica de equilíbrio na promoção das oportunidades e mitigação dos riscos do teletrabalho”. Além disso, o Governo quer “alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador”, o que poderá ser feito em modalidade “de teletrabalho total ou parcial, nomeadamente no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, bem como em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade”.
A medida já tinha sido admitida, na semana passada, pelo secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, quando disse, num webinar sobre a legislação laboral, que “o princípio deve ser o de voluntariedade e de acordo entre as partes, sem prejuízo do alargamento do leque dos casos em que o trabalhador pode requerer o teletrabalho“. A proposta do Bloco de Esquerda também vai nesse sentido: quer que os trabalhadores com filhos até aos 12 anos (e não apenas até aos três, como atualmente) ou com estatuto de cuidador informal possam pedir para teletrabalhar, sem necessidade de acordo do empregador.
Miguel Cabrita também afirmou, no mesmo webinar, que a ideia do Governo “não é fazer uma revolução na regulação do teletrabalho, isso não se justifica nem teria sentido, mas fazer ajustamentos e melhorias em diferentes perspetivas e dimensões”.
Outra ideia que o Governo coloca em cima da mesa nesta mesma matéria é a de implementar instrumentos “que garantam que o teletrabalho não penaliza especialmente as mulheres” e “que não agrava assimetrias na divisão do trabalho não pago, nem compromete a igualdade de género no mercado de trabalho”. Ainda em relação à igualdade de género, quer “reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres do gozo de licenças parentais e criar mecanismos de licença a tempo parcial no âmbito da promoção de uma melhor conciliação”.
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O documento a que o Observador teve acesso colocou também outra das matérias que o confinamento e as situações de teletrabalho também tornaram premente que é o “direito ao desligamento”. No texto aparece muito clara a vontade de “efetivar e regular o direito à desconexão ou desligamento profissional“. Este é um tema que, no Parlamento, já teve uma vida pré-pandemia, com propostas do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda e do PAN a serem debatidas acabando por cair por não se chegar a um consenso, em 2019. Os bloquistas voltaram a colocar o tema em cima da mesa, na proposta entregue no Parlamento, para que a violação do direito à desconexão possa “constituir assédio”.
Trabalho em plataformas digitais deve ter sistema contributivo e fiscal “adaptado”
O trabalho digital é também tema recorrente, com o Governo a querer “regular o trabalho em plataformas digitais”, criando “uma presunção de laboralidade” para estes trabalhadores e um sistema contributivo e fiscal “adaptado a esta nova realidade” para “tornar mais clara e efetiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria”. O enquadramento contributivo e fiscal destas atividades deve ser melhorado, “tanto na ótica da clarificação e efetividade das obrigações dos empregadores como do acesso a mecanismos contributivos e direitos por todos os trabalhadores das plataformas”.
O documento sublinha que “a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital”. Estes trabalhadores devem ter acesso garantida a proteção social adequada, “mesmo nos casos em que a relação de trabalho não seja qualificada como trabalho dependente”.
O Livro Verde frisa ainda que devem ser criadas “condições de atração” em Portugal para os “nómadas digitais” — pessoas que usam a tecnologia para poderem trabalhar de forma remota, ou seja, a partir de qualquer parte do mundo. Estas condições incluem, por exemplo, um “enquadramento fiscal” e “um sistema de acesso à proteção social específico para melhor integração” desta população.
O reforço da inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho nas áreas digitais é outro dos objetivos que virá exposto no Livro Verde, e ainda a criação de “uma figura próxima do encarregado de proteção de dados, neste caso especificamente dedicada para a garantir a salvaguarda de dados pessoais e a privacidade do trabalhador”.
As mudanças previstas no mercado de trabalho, aceleradas pelo quadro pandémico, vão muito para esta área específica mas também há alterações previstas no futuro para cobrir os trabalhadores sem vínculos tradicionais, como quem está em regime de outsourcing ou os trabalhadores independentes economicamente dependentes, que o Governo prevê que possam vir a ser incluídos na negociação coletiva.
O Livro Verde faz ainda uma referência ao layoff, para defender que os trabalhadores neste regime devem poder vir a ser transferidos temporariamente para companhias com falta de mão-de-obra. O documento refere que devem ser admitidas “figuras como o redeployment ou a recolocação de trabalhadores” mediante “acordos de colaboração e de cedência, de forma a permitir que os trabalhadores em causa possam manter atividade profissional e adquirir novas experiências de trabalho”.
O primeiro-ministro quer o Governo a liderar as questões laborais, nos próximos tempos, estando já algumas iniciativas legislativas preparadas, sobretudo no Parlamento, na bancada socialista. Numa reunião do PS, recentemente, António Costa colocou este como um objetivo numa altura de especial sensibilidade com os parceiros de esquerda. Este é um tema caro nessa quadrante político, mas onde as fricções com o PS, de BE e PCP, também são muito evidentes.
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