António Costa quer o Governo na dianteira das alterações às leis do trabalho e disse-o ao PS na última reunião da Comissão Nacional do partido, no sábado passado. O líder do partido e do Executivo colocou o tema no topo da agenda, numa altura em que tem na concertação social o Livro Verde sobre o futuro do trabalho em Portugal — e que terá novidades já para a semana –, com especial enfoque nos temas relativos à precariedade, caros aos partidos à esquerda, em particular ao parceiro desavindo da antiga geringonça, o Bloco de Esquerda.

Até agora o Executivo nunca tinha apontado um calendário para avançar com as alterações — que também constam no programa do Governo — à legislação laboral, mas  fê-lo na reunião socialista, segundo apurou o Observador junto de membros presentes na reunião socialista, António Costa colocou o tema na agenda prioritária, mostrando alguma pressa em avançar nessa área. O socialista disse mesmo que a crise atual expôs as fragilidades que existem, sobretudo as várias formas de precariedade laboral e que é preciso dar resposta a isso.

Questionado sobre esta abordagem de Costa na reunião socialista, fonte do Governo aponta de imediato para o Livro Verde, que vai enquadrar as alterações que serão preparadas, e também para a iniciativa do grupo parlamentar do PS sobre teletrabalho, prometida para este mês. Questionado pelo Observador sobre os avanços nesta área, o Ministério do Trabalho adiantou que “o Governo prevê apresentar uma versão para discussão do Livro Verde aos parceiros sociais na reunião da Comissão Permanente de Concertação Social de dia 31 de março”.

Na reunião de sábado, Costa alertou mesmo para os “abusos” cometidos pelas “entidades patronais” e em como tudo isso “exige uma resposta”, uma formulação e vocabulário muito próximos dos  usados pelos partidos à esquerda que têm nesta temática uma bandeira que, aliás, em 2019, foi mesmo impeditiva de uma “geringonça II” e que já tem anos de confronto entre as partes. Todo este histórico, e também o ambiente mais tenso atual entre antigos parceiros, fez com que durante esta semana, as referências do primeiro-ministro na reunião interna do PS tenham chegado aos partidos que têm apoiado os governos de Costa.

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Nessa esquerda à esquerda do PS, as promessas do Governo e do partido de António Costa sobre legislação laboral são olhadas tanto com expectativa como com desconfiança. Em primeiro lugar, porque os partidos estão, em boa parte, a falar de coisas diferentes: o desafio mais imediato tem a ver com os novos desafios do teletrabalho ou do trabalho em plataformas digitais, mas à esquerda continua pendurada — já desde os tempos da geringonça — a pasta delicada da alteração mais profunda da legislação laboral, sobretudo para revogar as normas que resistem desde os tempos da troika.

Por partes: por um lado, estão em cima da mesa as promessas para melhorar as condições para quem está em teletrabalho ou trabalha em plataformas como a Uber, e aí há, pelo menos em teoria, sintonia: o Governo está a preparar o seu Livro Verde para o trabalho, que incluirá normas para regular esses casos; o PS veio dizer este mês que vai avançar com propostas no Parlamento; o Bloco já tinha feito o mesmo. Segundo a informação que o Observador apurou, esta semana o partido de Catarina Martins avisou os outros grupos parlamentares que quer agendar as suas iniciativas para dia 28 de abril, convidando-os a “juntarem-se” à iniciativa e apresentarem propostas sobre o tema.

Já no último debate bimestral (o substituto dos quinzenais) no Parlamento, na semana passada, António Costa tinha deixado garantias sobre as normas em que os socialistas estão a trabalhar para regular o teletrabalho e o trabalho em plataformas digitais, depois de o PCP ter chamado a atenção para esta matéria “central” e o BE ter sublinhado pontos como a importância do direito a desligar e de obrigar os patrões a pagar os custos acrescidos dos trabalhadores (água, luz, internet, etc).

Por isso mesmo, quanto aos novos desafios do trabalho parece haver, pelo menos, um ponto de partida com que os partidos poderão trabalhar. Para já não há, no entanto, negociações: todas as partes — Executivo, BE e PCP — garantiram ao Observador que não há quaisquer conversações sobre trabalho a decorrer à porta fechada.

E isto é também verdade para o dossiê mais espinhoso da legislação laboral: as alterações que os partidos vêm reclamando, mas adiando, desde os tempos da geringonça, e que têm a ver com matérias como os cortes nas indemnizações por despedimento, o fim da caducidade dos contratos coletivos (que foi suspensa por dois anos durante as negociações do último Orçamento do Estado) ou o fim do alargamento do período experimental (que por acordo entre PS e PSD aumentou de três para seis meses no fim da legislatura passada), que persistem do tempo do memorando da troika. Estas são algumas das normas que estão no centro daquilo a que PCP e BE consideram uma facilitação dos despedimentos e uma precarização do mercado de trabalho, e nas quais a esquerda nunca conseguiu chegar a acordo.

A falta de negociação sobre estas medidas, que são o centro do problema que a esquerda mantém na discussão sobre Código Laboral, é pelo menos no Bloco um dos grandes motivos de desconfiança em relação ao Governo. No último Orçamento, contra o qual acabaria por votar, o BE fez finca pé nas questões laborais e tornou-as uma das condições essenciais para viabilizar o documento. Agora, ao Observador fontes bloquistas frisam que já nessa altura o Executivo se agarrava à promessa do Livro Verde que estaria para chegar, o que, para o partido, serviu como uma espécie de manobra de distração, sem intenções por parte do Governo de mexer nas questões de fundo. Esta quinta-feira, BE e PCP voltaram à carga, no Parlamento, com projetos para rever o valor das indemnizações por despedimento — um sinal de que a discussão laboral está longe de estar encerrada.