Sentado numa pequena mesa de frente para os juízes, o antigo diretor de sistemas e tecnologias de informação da sociedade de advogados PLMJ, Ricardo Negrão vai seguindo as indicações dos advogados de Rui Pinto. Pedem-lhe que leia o título de vários ficheiros que terão sido hackeados. “Angola propostas”, um. “Angola vários“, outro. “Angola Clientes Vários”, outro ainda. “Angola faturação“, por último.

As respostas vêm ao encontro daquilo que é a defesa do arguido. Na contestação que entregou ao tribunal antes do arranque do julgamento, Rui Pinto disse que não foi por causa do processo E-toupeira, da Operação Marquês ou do processo EDP que se interessou pela PLMJ, mas sim os negócios da empresária angolana Isabel dos Santos e da sua empresa, a Fidequity.

Ainda assim, estes exemplos lidos por Ricardo Negrão foram uma mínima parte entre as “cerca de três mil pastas“, num “conjunto vasto” de computadores, que terão sido acedidas por Rui Pinto no ataque informático de que está acusado de ter feito à PLMJ, no final de 2018. O responsável não conseguiu dar um número exato de quantos ficheiros estavam nessas pastas. “Mais de 10 mil ficheiros”, atirou, ouvido como testemunha naquela que é a 33.ª sessão do julgamento do caso Football Leaks.

Não conseguimos ter a certeza o que, dessas pastas, foi retirado. Temos certezas de um conjunto de 120 ficheiros retirados. Mas as pastas teriam pelo menos esses 10 mil”, explicou.

Ouvido durante várias horas, Ricardo Negrão detalhou que entre os 120 ficheiros “garantidamente abertos e visualizados” estavam documentos em segredo de Estado — alguns acabaram mesmo por ser divulgados. Embora já não se lembre exatamente, o informático acredita terem sido publicados no blogue Mercado de Benfica. Além dos ficheiros, terão também sido acedidas caixas de email de advogados e não só: “Detetámos que tinham sido acedidas cerca de 25 caixas de correio, inclusive a minha”, conta, acrescentando que acredita que o ataque foi feito através de um email phishing enviado para à advogada Paula Martinho da Silva, já ouvida no julgamento.

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Advogada suspeitou logo de email que permitiu ataque de Rui Pinto à PLMJ: “Não parecia normal”

Testemunhas de Rui Pinto agendadas para ser ouvidas no dia 22 de abril. Ana Gomes pode ser a primeira

O julgamento do caso Football Leaks esteve suspenso durante quase três meses na sequência das medidas restritivas adotadas para combate à pandemia, mas retomou esta quinta-feira para aquela que é a 33.ª sessão. Agora, retoma na próxima quarta-feira, dia em que começarão a ser ouvidas as testemunhas de defesa de Aníbal Pinto, embora ainda falta uma testemunha de acusação — o antigo responsável do sistema informático do fundo de investimento Doyen, Jake Hockley — que será ouvida na semana seguinte

Assim, no dia 22 de abril, começarão a ser ouvidas as 45 testemunhas arroladas por Rui Pinto. Os seus advogados ainda terão de indicar ao tribunal quais serão as primeiras a prestar declarações, mas se a ordem seguida for a que está na contestação, a antiga eurodeputada Ana Gomes pode vir a ser a primeira a ser ouvida. Na lista há nomes como Luís Neves, diretor nacional da PJ, Miguel Poiares Maduro, Francisco Louçã, Rafael Marques, jornalista e ativista angolano, ou Edward Snowden, whistleblower e antigo analista da Agência de Segurança Nacional norte-americana que, em 2013, divulgou informações secretas de segurança dos EUA e revelou alguns dos programas ilegais de espionagem que o país usava contra os próprios cidadãos norte-americanos.3

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.