A Fundação Aga Khan está preocupada com a situação na província de Cabo Delgado, onde tem “vários projetos”, e frisa que só o Estado moçambicano pode restaurar a ordem no Norte do país.

“A nossa presença lá [em Cabo Delgado] deve-se ao Estado [moçambicano]. O Estado tem de tomar uma posição, de pôr aquilo em ordem“, disse à Lusa Nazim Ahmad, representante diplomático do Imamat Ismaili (gabinete dos muçulmanos xiitas ismaelitas) em Portugal, que, através da Fundação Aga Khan, tem vários projetos de desenvolvimento principalmente na Ásia e na África de Leste.

Com “costela moçambicana” — como muitos dos cerca de 10 mil ismaelitas (liderados por um imã vivo, o príncipe Aga Khan) que vivem em Portugal —, Nazim Ahmad acredita que “tudo se resolve”, ainda que acompanhe “com muita pena” e “muita preocupação” o desenrolar dos acontecimentos no Norte de Moçambique.

Há duas semanas, a violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado foi sujeita a uma nova escalada, quando grupos armados atacaram a vila de Palma, a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural. Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, de acordo com dados das Nações Unidas.

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“Isto tem de se resolver”, frisa Nazim Ahmad. Até porque o povo moçambicano “merece uma vida melhor”, assinala.

A Rede Aga Khan para o Desenvolvimento iniciou atividade em Moçambique em 1998, após a assinatura de um acordo de cooperação, era Presidente Joaquim Chissano. Três anos depois, a Fundação Aga Khan Portugal começou programas nas áreas de agricultura, educação, saúde, empreendedorismo, sociedade civil, meio ambiente, água e saneamento.

Atualmente, a Aga Khan, em colaboração com o Instituto Camões, está presente em cinco distritos de Cabo Delgado e 190 aldeias, beneficiando mais de 197 mil moçambicanos — segundo informação da própria fundação. “Continuamos a dar apoio”, sublinhou Nazim Ahmad. “O nosso apoio deve andar à volta de quase meio milhão, ou mais, às comunidades locais, que estão muito dependentes de nós“, refere.

Um dos projetos de maior destaque é o Instituto Agrário de Bilibiza, “totalmente destruído” nos ataques recentes. “Foi um investimento muito grande que fizemos naquela zona”, lamenta, relatando que os cerca de 600 alunos tiveram de ser movimentados para outras zonas “para não perderem o ano”.

A Fundação Aga Khan — reclama Nazim Ahmad — “é a única que está na província de Cabo Delgado que não tem nenhum interesse económico“. O interesse “é só o bem da comunidade e do povo moçambicano”, assevera. “Está-me a custar muito, vivi muito… 20 anos da minha vida que dediquei a esta província. Como devem imaginar, não é fácil para mim”, confessa, colocando esperanças também na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que defendeu “uma resposta coletiva” contra os “ataques terroristas”.

Vários países têm oferecido apoio militar no terreno ao Governo moçambicano para combater os insurgentes armados. “Sou muito sentimental”, confessa Nazim Ahmad, referindo-se à relação que tem com as comunidades locais, desde que, há mais de 20 anos e a pedido do Presidente Chissano, aceitou fazer instalar a Fundação na zona “mais pobre” de Moçambique.

“Deparei-me com uma situação muito drástica. As comunidades olhavam para mim e diziam ‘mais uma ONG [organização não-governamental] que vem cá trabalhar connosco para ganhar dinheiro'”, recorda. Teve de convencer a comunidade sobre a intenção da Fundação. “Fomos crescendo a pedido das próprias aldeias”, conta.

Nazim Ahmad mantém o otimismo. Aliás, tem bilhete para Moçambique no dia 20. Costumava visitar o país uma vez por mês, mas já não vai há 11 meses. “Estou com umas saudades enormes”, reconhece. O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou o ataque contra Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas dizem ter recuperado completamente o controlo da vila.