Mentira, difamação, injustiça e viciação. José Sócrates repetiu diversas vezes estas palavras à saída do Campus de Justiça, em Lisboa, depois de saber que foi ilibado dos crimes de corrupção e indiciado por seis crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. “Todas as grandes mentiras da acusação caíram. Tudo isso ruiu”, começou por dizer o ex-primeiro-ministro que se referiu a esta sexta-feira como um momento em que aconteceu algo “singular” na justiça, mas sem deixar de criticar duramente o Ministério Público. Sobre o futuro, não descarta um pedido de indemnização nem um regresso à política e vai defender-se dos crimes de que está acusado.

Sete anos depois do dia 21 de novembro de 2014, em que José Sócrates foi detido à chegada ao Aeroporto de Lisboa, e das muitas voltas que o processo deu, o antigo primeiro-ministro admitiu pedir uma indemnização por todo o tempo que esteve “preso” e em que se sentiu “difamado”. Vai “refletir e analisar”, mas agora que, disse, se provou ser “inocente”, assume que esse é um cenário possível. “Eu sinto-me com a tranquilidade dos inocentes e quero uma reparação por tudo”, assegurou antes de entrar no carro, já no parque de estacionamento do Campus de Justiça.

José Sócrates vai a julgamento por três crimes de branqueamento e falsificação de documento. Mas não por corrupção (único caso que juiz admite, prescreveu)

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Pouco antes, logo após a leitura do juiz Ivo Rosa, falou aos jornalistas e mostrou sentir-se vitorioso, apesar de assegurar que ainda tem de se defender dos seis crimes de que está indiciado. “Prenderam-me e difamaram durante sete anos um inocente”, defendeu-se o antigo chefe de Estado, numa garantia de que “todos os crimes [de que foi acusado] não existiram” e de que “todas as mentiras eram falsas, eram falsidades”, desde as aproximações a Ricardo Salgado, ao Vale do Lobo, ao Grupo Lena e à PT. “A justiça estava errada”, insistiu. José Sócrates lembrou o que foi dito dentro do Campus de Justiça, nomeadamente expressões de Ivo Rosa como que se referiu a acusações “fantasiosas e especulações”, para justificar que os crimes de estava imputado “não tinham o mínimo de substância”.

O caso está longe de ser o que era — Sócrates vai responder apenas por seis crimes — mas, ainda assim, o antigo primeiro-ministro garante que a acusação de branqueamento de capitais “não é verdade” e promete defender-se, seja através de recurso ou no próprio julgamento. “O juiz Ivo Rosa levanta dúvidas sobre a questão dos empréstimos, chega à conclusão de que há indícios que podem contrariar o que eu digo, mas o que digo é verdade e vou defender-me”, assegurou, acrescentando que não conhece os documentos em causa que que nunca os assinou e que “nunca” utilizou “contas de outras pessoas”.

O foco de José Sócrates durante todas as declarações foi outro, o antigo chefe de Governo atirou-se ao Ministério Público e à escolha do juiz Carlos Alexandre. “O Ministério Público cometeu um erro gravíssimo, mas não foi um erro, foi uma intenção, eles queriam-me insultar e foi a única motivação que tiveram”, acusou Sócrates, que admitiu acreditar que houve “motivação política” ao longo de todo o processo da Operação Marquês. “A acusação tem uma motivação política, sempre teve uma motivação política que está bem clara numa decisão do juiz: no momento em que o processo Marquês chegou ao Tribunal de Instrução Criminal, a sua distribuição foi manipulada e viciada para que o juiz Carlos Alexandre ficasse com o processo”, salientou, ao lembrar que Ivo Rosa pediu ao MP para investigar o sorteio que deu processo ao juiz Carlos Alexandre.

Aos olhos de Sócrates “alguém cometeu um crime” nessa escolha e “resta saber quem”. “Claro que não confio no Ministério Público para imputar esse crime porque foi o primeiro interessado para que esse crime não fosse posto em cima da mesa, foi conivente, defendeu essa decisão”, explicou, num momento em que acusou o MP de ter agido de “forma conluiada” com o juiz Carlos Alexandre para o investigarem, acusarem e prenderam, o que disse ser “um escândalo”, quer a “manipulação”, quer o “encobrimento”.

Para o futuro, fica uma resposta sobre um regresso à política. Também não disse que não, mas esse  é um tema que “não quer partilhar com ninguém”, que fica apenas para si (e para os seus botões). “Farei esse debate comigo próprio, não é uma coisa que queira partilhar com ninguém”, concluiu o antigo primeiro-ministro.