O curso de preparação para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) brasileiros em Portugal pode estar em risco devido à pandemia e a sucessivas alterações no Governo brasileiro, admitiu a coordenadora.
Em declarações à agência Lusa, Rejane Lima referiu que devido à pandemia de covid-19 o exame já não se realizou no ano passado e “este ano não se sabe como vai ser”, acrescentando que é preciso ainda saber se “com a mudança de Governo no Brasil, este vai continuar com o projeto no exterior”.
A responsável sublinhou que “o Brasil tem de ver que [com este projeto] o emigrante vai ter acesso à cultura na Europa, a uma nova abertura na sua vida, a uma nova visão global do mundo e pode levar isso de volta” para o seu país, o que constitui “uma mais-valia” também para o Brasil.
O ENCCEJA é “muito mais” do que um exame, considerou, defendendo que tem de haver “uma resposta rápida do Brasil e de Portugal sobre quando se pode fazer o exame”.
Na opinião da responsável do projeto, a solução deve passar por “um protocolo bilateral” entre os dois países.
Porque, se assim não for, pode estar em causa um exame ao qual que se apresentam cerca de 500 alunos anualmente.
O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) é uma prova do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), criada em 2002 com o objetivo de avaliar o conhecimento das pessoas que voltaram a estudar por não terem conseguido concluir o ensino fundamental ou médio na idade adequada.
Em Portugal, o projeto, que incluiu o curso preparatório para a prova, existe há 13 anos e funciona num espaço, cedido gratuitamente pela Universidade Lusófona, em Lisboa, com professores voluntários, a maioria brasileiros, mas também portugueses (2%), para permitir aos jovens e adultos imigrantes terminarem aqui o 12.º ano e completarem aquilo que é o ensino médio no Brasil.
“O que o aluno obtém é um certificado de ensino médio, ou 12.º ano pelo Brasil, que é válido em Portugal”, explicou Rejane Lima.
“É uma oportunidade para quem está fora do seu país de origem [o Brasil] ter uma formação e uma inclusão social melhor”, afirmou.
Segundo a coordenadora do curso, são entre 60 e 70 os alunos que assistem às aulas presenciais (agora por Internet, por causa da pandemia de covid-19), o que admitiu ser um número “pouco expressivo”, tendo em conta que dos cerca de 180 a 200 mil brasileiros que vivem em Portugal, “41% não tem o 12.º ano”, salientou.
Porém, ao exame apresentam-se “por volta de 500 alunos”, o que significa que “em termos de ECCEJA no exterior, o projeto em Portugal é o segundo maior no mundo a seguir ao Japão, disse.
Para Rejane Lima, além da pandemia, outro dos entraves é as mudanças no executivo. “O nosso ministério, o da Educação, trocou de ministro muitas vezes, o Inep trocou de diretor várias vezes, e cada diretor tem um pensamento diferente”, apontou.
“São muitas mudanças no espaço de um ano, são muitos ministros, muitos secretários e muitos diretores a mudar e é preciso uma resposta rápida”, reforçou.
A coordenadora do ENCCEJA Lisboa disse que já contactou o Ministério da Educação do Brasil, para saber como vão fazer, mas considerou que em muita coisa a resposta “depende mais do Presidente do que dos ministros”.
Rejane Lima espera que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, vá mais longe e se pronuncie sobre os emigrantes brasileiros em geral, em Portugal, e não só sobre o ENCCEJA.
“Portugal é um berço de tudo em relação ao Brasil. E essa ligação a gente não pode perder e sabemos que os brasileiros estão a vir para cá”, realçou.
A coordenadora lembrou que o ENCCEJA passou a ser aplicado também em Lisboa na sequência de um protocolo bilateral, entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
O acordo então assinado entre os dois países permite ao aluno fazer o exame em Portugal e ter o diploma reconhecido nas universidades, explicou.
Para se ser aluno do ENCCEJA é preciso ter mais de 18 anos e ter completado o quinto ou o sexto ano de escolaridade. Para participar nas aulas, basta estar na rede social Facebook, referiu a coordenadora.
Para realizar a prova, “o aluno precisa apenas da documentação brasileira e não da portuguesa”, o que facilita a vida para quem ainda não tem a documentação regularizada em Portugal, referiu a coordenadora do projeto.
Perfil de alunos de exame nacional brasileiro em Portugal “mudou muito”
O perfil dos alunos brasileiros “mudou muito” em 13 anos. “No início eram alunos com uma idade muito elevada, ou seja, com mais de 50 ou 60 anos, alguns analfabetos, agora, com o fenómeno de inúmeros brasileiros a virem para cá, nós estamos com uma situação atípica”, afirmou Rejane Lima, em entrevista à Lusa.
Hoje, “são brasileiros jovens, com mais de 18 anos, muitos deles que não se adaptaram à escola portuguesa e vão estudar e terminar o 12.º ano”, explicou.
“Não se adaptaram, sobretudo à pronúncia do português, o ouvido ainda não está preparado. Por isso, a gente tem a preocupação de mesclar [juntar] professores de português e brasileiro” no curso preparatório para o exame, para o aluno se habituar a ouvir a língua em Portugal.
Segundo Rejane Lima, “mais de 60% dos alunos são indocumentados”, ou seja, ainda não regularizaram a sua situação em Portugal e a maioria não tem intenção de voltar para o Brasil.
De acordo com a responsável pelo projeto em Lisboa, estes alunos procuram cada vez mais o ENCCEJA por muitas outras razões, como o facto de perceberem que “em Portugal a exigência educacional é muito maior” para poderem ter uma profissão.
“Para ter o curso de cabeleireiro precisa do 12.º ano, para ter um curso profissionalizante precisa do 12.º ano e até para que tenha um estatuto melhor dentro do seu local de trabalho precisa de uma vida académica mais elevada”, considerou.
No ENCCEJA Lisboa, há cursos de inglês, francês e espanhol, “para que o aluno tenha conhecimento de outras línguas de que precisa, porque está na Europa”, acrescentou.
Além disso, no curso o aluno pode conciliar a vida académica com o trabalho, porque as aulas são em horário pós-laboral, referiu.
Por outro lado, mesmo que um aluno venha com o quinto ano de escolaridade só vai estar um ano no projeto ENCCEJA, porque o “exame é global” e a preparação é feita, num ano, por módulos, explicou.
Do curriculum obrigatório, faz parte, porém, literatura portuguesa, como os Lusíadas, de Luís de Camões, e livros de Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Florbela Espanca.
Outra componente que tem peso para quem chegou há pouco tempo a Portugal e ainda com um emprego precário é o facto de que ali “tudo é gratuito”.
O governo brasileiro manda as provas, que são realizadas na Universidade Lusófona, em Lisboa, e o Consulado do Brasil “aplica-as”.
Normalmente, estas provas decorrem no mês de setembro, porque o ano escolar foi adaptado ao da Europa. Os alunos que vêm só para o exame estudam em casa, por sebentas disponibilizadas no site do Ministério da Educação do Brasil, explicou.
Porém, “muitas vezes este material está muito desatualizado”, porque “não há uma preocupação constante”, o que com que o aluno que estuda sozinho não consiga alcançar um bom resultado, adiantou a responsável do ENCCEJA Lisboa.
Quanto à prova, é toda em português do Brasil, mas no ENCCEJA Lisboa os alunos que participem no curso preparatório têm aulas sobre Portugal.
“Não é matéria que caia na prova, mas fazemos um trabalho social e também de inserção social”, realçou Rejane Lima.
Assim, o aluno que frequenta as aulas do curso preparatório aprende como é Portugal, a distribuição geopolítica, como se podem deslocar, como se podem documentar, quais são os seus direitos e deveres, como se devem comportar, como é a cultura local.
Tudo para que tenha também “uma condição social de inserção muito mais fácil, sem sofrimento. Porque são culturas diferentes”, concluiu Rejane Lima.