O Tribunal de Contas aponta para falta de informação e de transparência na comunicação do impacto para as contas públicas na execução do contrato de venda do Novo Banco, no que diz respeito ao funcionamento do mecanismo de capital contingente que compensa o banco por perdas em alguns ativos.

No sumário executivo da auditoria pedida pelo Parlamento, o Tribunal de Contas destacou que “faltou transparência na comunicação do impacto da Resolução do BES e da venda do Novo Banco (NB) na sustentabilidade das finanças públicas”. Para os juízes do tribunal, “o foco da imputação das perdas verificadas, no BES e no Novo Banco, não deve ser desviado dos seus responsáveis (por ação ou por omissão) para onerar os contribuintes ou os clientes bancários (em regra também contribuintes)”.

Sobre os responsáveis políticos por estas falhas, o Tribunal de Contas distribui-as pelos dois governos que tomaram decisões na matéria: o governo PSD/CDS-PP (responsável pela resolução, em 2014) e o governo PS que lhe seguiu (responsável pela venda do NB, em 2017). Pelo meio, também refere o Banco de Portugal (que nos dois momentos era liderado por Carlos Costa).

“Como reportado, o Banco de Portugal e os Governos em 2014 e em 2017 anunciaram aos cidadãos que a resolução do BES e a venda do Novo Banco, respetivamente, nada iriam custar ao erário público. Porém, como a auditoria reporta, até 31/12/2019, o recurso ao Acordo de Capitalização Contingente já representou 2.976 milhões de euros de despesa pública, que acresce à dos 4.900 milhões de euros de capitalização inicial do NB”, indica a auditoria. Mas isso não é tudo, já que é “ainda possível o dispêndio de mais 914 milhões de euros ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente, e do montante necessário à viabilidade do Novo Banco, nos termos do compromisso assumido com a Comissão Europeia (até 1,6 mil milhões de euros)”.

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Apesar das falhas apontadas no processo, e às quais dará seguimento, o Fundo de Resolução veio já afirmar que, no seu entendimento, “a auditoria não identifica nenhum impedimento ao cumprimento dos compromissos e dos contratos que decorrem do processo de resolução do Banco Espírito Santo em agosto de 2014”. A mesma posição é manifestada pelo Banco de Portugal, que manifesta a “convicção plena de que estão verificadas as exigentes condições para que seja prosseguida a normal execução dos contratos, permitindo-se assim que seja cumprida a sua missão de preservação da estabilidade financeira, conforme agora confirmado pelo Tribunal de Contas”.

As duas entidades destacam que a auditoria confirma que a forma como foi realizada a venda do Novo Banco permitiu assegurar a estabilidade financeira. E consideram que a ação do Tribunal se centrou nos “aspetos procedimentais e formais relativos ao reporte de dados sobre a execução do Acordo de Capitalização Contingente e ao processo instrutório da realização de pagamentos”.

O acordo de capital contingente determina que o Novo Banco pode pedir injeções financeiras ao Fundo de Resolução, na medida em que as perdas registadas num conjunto de ativos de má qualidade (designados de Legacy do antigo BES), ponham em causa os rácios de solidez financeira da instituição e obriguem a entradas de capital. Este acordo tem um teto de 3.890 milhões de euros, dos quais até ao ano passado foram usados 2.976 milhões de euros. Estas injeção foram em parte (na maior parte) financiadas com empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução no montante de 2.130 milhões de euros.

Contrato não reduziu “risco moral” para as contas públicas

Reconhecendo que o “financiamento público do NB concorreu para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo por ter sido evitada a liquidação do banco e reduzido o risco sistémico”, o Tribunal de Contas considera também que “não foi minimizado o impacto na sustentabilidade das finanças públicas, nem reduzido o risco moral, com 2.976 milhões de euros de despesa pública, que acresce à dos 4.900 milhões de euros de capitalização inicial do NB. E lembra que ainda é possível o dispêndio de mais 914 milhões de euros, ao abrigo do ACC (acordo de capital contingente), e do montante necessário à viabilidade do NB, nos termos do compromisso assumido com a CE (até 1,6 mil milhões de euros)”.

Em novembro, por altura da aprovação do Orçamento do Estado para este ano, o PSD juntou-se ao Bloco de Esquerda, ao PCP e ao PAN para impedir novas injeções do Fundo de Resolução no Novo Banco. O Orçamento do Estado para 2021 prevê 476 milhões de euros para o banco, mas com esta proposta o dinheiro só poderá ser transferido depois de o Tribunal de Contas apresentar os resultados de uma auditoria. Algo que aconteceu esta segunda-feira.

O Novo Banco pediu quase 600 milhões de euros ao Fundo de Resolução depois de apresentar os prejuízos do ano passado. Uma parte de 160 milhões de euros deste pedido que o Fundo de Resolução (FdR) contesta. Por outro lado, o Ministério das Finanças tem remetido a autorização da injeção financeira para a auditoria independente da Deloitte, que foi conhecida em abril, e para esta auditoria do Tribunal de Contas pedida pelo Parlamento. Maio é o mês de referência para concretizar a ajuda pública ao Novo Banco, nos termos do contrato assinado com a Lone Star em 2017.

Mas se há críticas à forma como o Governo socialista geriu este tema no que toca ao impacto nas contas públicas, o Tribunal de Contas indica igualmente falhas ao Novo Banco e ao Fundo de Resolução na execução do contrato. Por exemplo, “não foi apresentada a demonstração do cálculo do défice de capital do Novo Banco (valor a financiar), nem evidência sobre a sua verificação integral que o FdR tem o dever de exigir nos termos do acordo de capital contingente”.

Num comunicado a reagir à divulgação da auditoria, o Fundo liderado por Máximo dos Santos sublinha que essa é matéria “é competência exclusiva da autoridade de supervisão, neste caso o Banco Central Europeu e o Banco de Portugal que, por sua vez, remete para o Mecanismo Único de Resolução. Já em contraditório, uma carta do BCE confirma ter conhecimento que o défice de capital do Novo Banco face ao rácio aplicável no final do ano são os 598 milhões de euros indicados pela instituição, uma verificação para o Tribunal que deve constar dos processos de pagamento autorizados pelo Fundo de Resolução.

Condicionantes:  faltou tempo, os contratos em português e respostas do Novo Banco que chegaram depois da auditoria

O Tribunal visa ainda a gestão do banco que não tem cumprido “devidamente” a obrigação de reportar a informação sobre a execução do acordo de capital contingente”, devido à ausência de um acordo formalizado sobre a forma e a substância do suporte dessa informação. O atraso na preparação desse suporte pelo NB (face ao prazo contratual de trinta dias), tem sido justificado pela dependência das contas auditadas.

No entanto, o Tribunal considera que para o controlo público do cumprimento do acordo ser eficaz é necessário segregar as funções e “prevenir o risco de complacência ou conflito de interesses, assegurando a independência das ações e que o valor a financiar seja apropriadamente demonstrado, verificado e validado antes de ser pago”.

No relato da auditoria, o Tribunal de Contas indica as várias condicionantes a este trabalho, destacando o prazo pedido pelo Parlamento (final de abril de 2021) que implicou “só ter seis meses para apresentar o relatório (face à complexidade da matéria)”

A pandemia também foi um obstáculo, mas outras das condicionantes apontadas foi a inexistência de traduções em português dos contratos do mecanismo de capital contingente, “não obstante a lei aplicável e o tempo já decorrido”, desde a assinatura (3 anos e meio).

Outra condicionante referida foi na fase de contraditório e visa novamente o Novo Banco que, segundo os juízes, que só entregou informação sobre as contas de 2020 depois de aprovadas pelos seus acionistas, o que “inviabilizou o seu exame pela auditoria em tempo útil”.