A Ongoing era um dos casos mais graves das imparidades constituídas pelo Novo Banco por incumprimento das dívidas que em 2018 superavam os 400 milhões de euros. Para o antigo membro da comissão de acompanhamento da execução do acordo de capital contingente, era um caso “muito complicado e diferente dos outros” que deixou os membros deste órgão de fiscalização desconfortáveis, afirmou no Parlamento, Miguel Athayde Marques.
Miguel Athayde Marques, que foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, explica que os financiamentos dados pelo Banco Espírito Santo ao grupo liderado por Nuno Vasconcellos tinham como destino “investimentos imateriais” pela natureza da atividade que estava nos media, o grupo era dono do Diário Económico, mas também no marketing e promoção. O maior investimento feito pelo grupo com crédito foi em ações da Portugal Telecom, da qual chegou a ter 10%.
Enquanto num financiamento típico há uma garantia real, numa atividade como a da Ongoing (holding gestora de participações sociais) “não havia essa materialidade”, afirmou o antigo membro do órgão de fiscalização, em resposta ao deputado do PCP. Duarte Alves quis saber porque é que comissão de acompanhamento recusou emitir um parecer sobre este grupo. Athayde Marques admitiu que a operação levada à consideração do órgão em 2018 “nos deixou desconfortáveis”.
Sobre a imaterialidade dos ativos da Ongoing, o antigo membro da comissão de acompanhamento dá como exemplo as marcas. É difícil sustentar o valor de uma marca, sobretudo quando perde a reputação. “Não é um ativo cujo valor possa ser testado pelo mercado, como um imóvel” e não tinha documentos que sustentassem que aquelas garantias tinham o valor registado, acrescentou. E sublinha que o não fazer parecer correspondeu a uma recusa (parecer negativo) à venda de créditos deste grupo.
Os créditos da Ongoing, tal como os relativos ao grupo Moniz da Maia, foram retirados da carteira Nata II que foi vendida a um fundo em 2019, por ordem do Fundo de Resolução. Pelas declarações de Athayde Marques não fica claro se em 2018 houve igualmente um travão a uma tentativa de venda a desconto da dívida do grupo de Nuno Vasconcellos que deverá ser ouvido por vídeoconferência na sexta-feira da próxima semana.
Athayde Marques, que é vice-presidente da Galp, abandonou a comissão de acompanhamento ao Novo Banco em março de 2019, tendo demorado mais de um ano a ser substituído. O órgão de fiscalização esteve a funcionar apenas com dois membros.
Comissão só começou a fiscalizar em 2018
Athayde Marques reconheceu ainda que a comissão de acompanhamento, bem como o contrato que vinculava a fiscalização da gestão dos ativos do capital contingente, só foi assinado em 2018. Segundo Mariana Mortágua, até esses contratos serem assinados, estes ativos registaram perdas de 1.800 milhões de euros desde a data de referência da valorização dos mesmos feita para o contrato da Lone Star, que é junho de 2016.
Não fica no entanto claro quantas dessas perdas foram incorporadas nas chamadas de capital ao Fundo de Resolução. O primeiro pedido de capital acontece em 2018, no montante de mais de 700 milhões de euros, tendo como referência os prejuízos de 2017. “Sinceramente não sei se o Fundo de Resolução ficou à espera da comissão para ouvir os pareceres”, afirmou o ex-membro da comissão.
Uma das operações que escapou a esse acompanhamento foi a reestruturação da dívida de Luís Filipe Vieira acordada em novembro de 2017. E que não foi previamente validada ou autorizada pelo Fundo de Resolução, nem pela comissão de acompanhamento do mecanismo de capital contingente.
Dava pareceres com base em dados entregues pelo banco, que não tinha capacidade de verificar, mas estava de “boa fé”
Ao longo da audição ficou claro que existe um desencontro entre o que os deputados consideram que deve ser a função da comissão de acompanhamento — com base em algumas falhas apontadas pela auditoria do Tribunal de Contas — e as competência e responsabilidades reconhecidas pelo seus membros, ou pelo menos por Athayde Marques.
Por exemplo, explicou que não era competência da comissão verificar as necessidades de capital ou o cálculo dos rácios. Para isso, foi contratada uma entidade independente para o fazer, a Oliver Wyman, justificou o responsável.
A comissão de acompanhamento também não tinha competência, nem meios e capacidade, para verificar a identidade dos compradores dos ativos do Novo e avaliar, de forma independente do banco, se estava a ser cumprida a proibição de transações com partes relacionadas (ligadas ao acionista privado Lone Star).
Essa era uma matéria para a governance do próprio banco, explicou Athayde Marques ao deputado Duarte Pacheco do PSD. Essa questão foi levantadas em várias operações e coube ao banco fazer uma dupla verificação através dos seus órgãos de compliance. O antigo membro admite que a comissão tinha de se socorrer dos meios do banco, “numa ótica de responsabilidade e profissionalismo”. Ou seja, “confiavam na informação que lhes punham à frente”, conclui Duarte Pacheco.
“Estamos de boa fé, assumimos que do outro lado existe boa fé. Se há quebra de confiança as coisas alteram-se. Nós não estávamos de forma passiva a ouvir. Dávamos opinião. Em alguns casos, o banco alterou o procedimento e a proposta de solução”.
Ou seja, a comissão funcionava como um “consultor” que dava pareceres e recomendações ao Fundo de Resolução. e era um órgão estatutário do próprio banco, apesar de independente, preenchido por pessoas com experiência e conhecimento na área. “Tínhamos acesso a toda informação do banco” mas a comissão confiava nos elementos dados pelo banco e pelos seus auditores e não tinha meios para confirmar a veracidade dos documentos que eram apresentados. Já o Fundo de Resolução, a quem cabia a decisão final sobre a gestão dos ativos do acordo de capital contingente, tinha meios próprios. “Não nos cabia aprovar nada”, disse Athayde Marques.