A PSP enviou mesmo um e-mail à Câmara Municipal de Lisboa a dar um parecer negativo à realização da fan zone montada pela Juve Leo junto ao estádio do Sporting — e assente no pressuposto de se tratar de uma manifestação —, mas este chegou à autarquia já ao final do dia 10 de maio, um dia antes da festa de campeões dos leões. A Câmara Municipal de Lisboa nunca respondeu a este apelo porque, segundo a autarquia, esse e-mail nunca chegou. E a aglomeração de adeptos e a festa acabou mesmo por se realizar, dando lugar à primeira carga policial da noite.

De acordo com o documento a que o Observador teve acesso, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, já depois de ter dado o “sim” à realização da festa na sede da Juve Leo no estádio José Alvalade, voltou atrás com a palavra e enviou um outro e-mail para a câmara de Lisboa a sugerir que houvesse uma recusa quanto à existência do ecrã gigante para ver o jogo. “Tendo em conta o comunicado pelos promotores, nomeadamente no que concerne à solicitação de instalação de um ecrã gigante que transmitirá o jogo, é nosso entendimento e nosso parecer que o mesmo deve ser recusado pela CM Lisboa, uma vez que tal facto propiciará ajuntamentos naquele local, em contradição com as recomendações da DGS, assim como trará possíveis focos de alteração da ordem pública“, pode ler-se no e-mail que foi enviado para o endereço que fez a ponte entre os promotores da manifestação, o gabinete de Fernando Medina e a PSP.

Segundo contou uma fonte da PSP ao Observador, as autoridades aperceberam-se da “real dimensão” que um ecrã gigante a reproduzir o jogo decisivo para o título do Sporting teria numa altura em que não há público nos estádios há vários meses devido à pandemia e 19 anos e que os sportinguistas não eram campeões há 19 anos. “Foi dada uma indicação negativa perante a consciência de que aquilo que se estava a pretender montar, além da protomanifestação, era também intenção de montar toda essa infraestrutura que não era um ponto de segurança”, admitiu a mesma fonte. Desta forma, foi enviada uma “adenda” onde se referiam os “elevados constrangimentos” que ajuntamento podia causar e a “dificuldade do ponto de vista de segurança”.

A autarquia nunca respondeu a esse e-mail da PSP, porque, diz, ele nunca chegou. Aos olhos da câmara só havia dois e-mails: um primeiro que pedia informações aos promotores sobre a hora e o local da reunião e a um segundo que não levantava qualquer problema à realização daquela “manifestação”, onde se apelava à “necessidade de cumprimento do uso de máscara, sempre que não seja possível garantir o distanciamento físico (…) sob pena de, em caso de incumprimento, a PSP promover o levantamento do respetivo auto por contra-ordenação”.

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Esta tarde, em conferência de imprensa, Fernando Medina voltou a falar do assunto e insistiu que desconhece qualquer parecer negativo das autoridades: “Se o há eu não o conheço e se o há deve ser dirigido à polícia ou ao MAI porque a câmara não tem nada a ver com a autorização da manifestação.” O presidente da autarquia recordou ainda que a câmara de Lisboa “não tem nenhum poder de autorizar nem manifestações, nem reuniões, nem organizações, a nossa alternativa é uma de duas: ou acontecem espontaneamente ou se tenta organizar com os promotores e com as autoridades um sistema que reduza essa concentração e a nossa grande preocupação foi o Marquês de Pombal”, apontou.

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O uso do direito à manifestação da Juve Leo e as propostas alternativas da PSP

A Juve Leo usou o direito à manifestação para realizar uma festa no estádio do Sporting onde milhares de pessoas se concentraram logo ao início da tarde. O anúncio foi feito nas redes sociais na segunda-feira, com a promessa de uma “fanzone” com “ecrã gigante, DJ’s, comida e muitas surpresas” a começar às 14h00. Na publicação seguinte, foi feito o esclarecimento de que tinha havido comunicação ao Gabinete de Apoio do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, à DGS, às forças de segurança. A Câmara de Lisboa acusou a receção do e-mail no dia 7 de maio e revelou que comunicou ao Ministro da Administração Interna e ao Comando Metropolitano de Lisboa da PSP a informação que tinha recebido. Não estava em causa um pedido de autorização porque o direito de manifestação, o pedido que a Juve Leo usou, é um direito do cidadão e não está proibido pelo atual estado de calamidade. Apesar disso, a PSP considera que a não existência daquele ecrã podia mesmo ter travado a quantidade de pessoas que estiveram no local antes e durante o jogo.

Certo é que a festa realizou-se mesmo e começou cedo. O ambiente dentro e fora do estádio era um brutal contraste. Lá dentro as bancadas vazias, apenas os protagonistas, alguns convidados e jornalistas; lá fora um enorme aglomerado de pessoas que não parou de crescer desde o início da tarde e que no início do jogo eram já de muitos milhares. Os primeiros confrontos aconteceram pouco depois do golo de Paulinho, aos 36 minutos, e houve várias réplicas nas horas que se seguiram, nomeadamente no Marquês de Pombal, cercado de grades, e onde os adeptos também começaram a aglomerar-se, sabendo que o autocarro com os jogadores passaria por lá no culminar da festa.

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Além dos problemas em Alvalade, os desacatos e as aglomerações não foram exclusivas do estádio e, também aí, a PSP disse que alertou e que apresentou propostas alternativas, que não foram aceites. “A PSP colocou em cima da mesa propostas diferentes que, no nosso entender, dariam mais garantias de uma maior capacidade de reação por parte da PSP”, disse à agência Lusa o vice-presidente do Sindicato Nacional de Oficiais da Polícia. Bruno Pereira avançou ainda que a PSP se “opôs veementemente” ao modelo proposto pelo Sporting para o estádio e para o desfile do autocarro com os jogadores, tendo apresentado alternativas que permitiriam à PSP “agir de forma efetiva e não estar sempre a correr atrás do prejuízo”.

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No rescaldo da festa, Fernando Medina recusou assumir a responsabilidade pela concentração de milhares de adeptos junto ao Estádio de Alvalade, mas admitiu que “houve várias coisas que não correram bem”. Na primeira reação pública, o presidente da câmara de Lisboa disse que a autarquia não tinha competência ou poder para autorizar “manifestações ou reuniões” e lembrou ainda que, tal como o Observador já tinha noticiado, a autarquia considerou que a volta de autocarro pela cidade (a culminar no Marquês de Pombal) foi pensada para evitar “um cenário muito difícil”, com “total concentração de centenas de milhares de adeptos” na rotunda, que rapidamente se transformariam em “manifestações espontâneas” que seriam “caóticas”.

Já esta quarta-feira, Carlos Moedas, adversário de Fernando Medina à Câmara Municipal de Lisboa nas próximas eleições autárquicas, tinha criticado o autarca ao acusá-lo de “incapacidade, irresponsabilidade e incompetência” devido aos acontecimentos e ao referir que esta era uma “vitória esperada” e que, por isso, “não faltou tempo para que se garantissem todas as regras de segurança física e sanitárias”. “Ao contrário do compromisso e das afirmações de Fernando Medina o que se verificou foi uma total falha de segurança e de organização. Fernando Medina não soube dividir atempadamente e com variedade os espaços de festejo do Sporting”, apontou o social-democrata.

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Ainda na madrugada de terça para quarta-feira, o gabinete do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que tutela as polícias, recusou comentar o caso ao Observador. “As questões operacionais são com a PSP”, assegurou um porta-voz do ministro, que acrescentou que o ministro nem sequer esteve durante esta terça-feira especialmente atento ao que se passava em Alvalade: teve um jantar com o ministro homólogo da Eslovénia. O porta-voz da PSP também tinha uma intervenção preparada para as 5h da manhã, segundo a RTP, para fazer um balanço dos acontecimentos da noite, mas a mesma acabou por não acontecer e só houve mesmo um comunicado ao final da manhã com o número de feridos e de “ocorrências”.

Já quarta-feira, novo passa-culpas dentro do Governo, com o secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo, a recusar qualquer responsabilidade sobre o modo como decorreram os festejos e repetindo simplesmente aquilo que já dissera na semana passada. “Tinha conhecimento de que havia algumas autoridades, nomeadamente sanitárias, de segurança pública, e agentes desportivos a encontrarem-se para anteciparem e, de alguma forma, planearem um bocadinho em antecipação o que eram as inevitáveis manifestações de alegria, de regozijo daqueles adeptos, como ontem assistimos”, disse João Paulo Rebelo. “Referi-me ao conhecimento que tinha, conhecimento lateral, na medida em que eu não intervim diretamente, não se espera que o secretário do Desporto esteja envolvido em matérias que não têm nada que ver com o desporto.”

Em diversos momentos da curta intervenção, João Paulo Rebelo procurou descartar qualquer responsabilidade sobre o planeamento e acompanhamento dos festejos da noite de terça-feira, que acabaram por se transformar numa noite de violência. “Todos percebemos, pelas imagens que se viram ontem, na capital, em Lisboa, mas um pouco por todo o país, em que pelo menos este apelo que eu fiz a uma responsabilidade dos adeptos, manifestamente acho que todos vimos que não foi atendido”, acrescentou João Paulo Rebelo, preferindo não tecer mais comentários sobre a responsabilidade política e lembrando que é o MAI que tutela as forças de segurança.