O Bloco de Esquerda está a “averiguar” uma queixa de assédio de uma ex-militante contra um militante do partido. A denúncia, que o partido já recebeu formalmente, começou a fazer caminho nas redes sociais e agitou o Twitter, onde várias contas — incluindo a de um membro da direção do Chega — acusaram ou insinuaram, erradamente, que a queixa se referiria ao dirigente e deputado José Manuel Pureza, que não tem qualquer envolvimento no caso.
A confusão começou esta segunda-feira, quando começaram a circular alguns relatos, feitos em contas privadas e replicados em contas de acesso público, de assédio e stalking alegadamente feitos por um membro do Bloco de Esquerda, referido como um “homem de 62 anos”. Esse homem, alegavam algumas destas contas, assediaria mulheres e “menores” a pretexto de trabalho político, recorrendo a perfis em diferentes redes sociais.
O Observador apurou que a denúncia existe de facto e foi apresentada, primeiro telefonicamente e depois por escrito, ao partido. “O Bloco teve conhecimento de denúncia sobre essa matéria e iniciou uma averiguação”, confirmou fonte oficial do partido, sem revelar mais detalhes sobre a queixa.
Acusações falsas no Twitter
No entanto, o assunto ganhou dimensão no Twitter também porque, apesar de o militante em causa “não ter qualquer responsabilidade de direção”, como acrescenta a mesma fonte, o dado revelado sobre a idade — a referência ao tal “homem de 62 anos” — alimentou boatos nas redes, boatos esses que associavam a acusação a pessoas com mais responsabilidades no Bloco.
Os rumores atingiram especificamente José Manuel Pureza, deputado e dirigente que integra a Mesa Nacional do Bloco (uma espécie de direção alargada do partido). Uma vez que Pureza tem, por coincidência, 62 anos de idade e que é uma figura de relevo no Bloco que se pronuncia sobre bandeiras do partido relacionadas com feminismo — em janeiro, foi uma das pessoas que pintaram os lábios de vermelho em solidariedade com Marisa Matias, durante um comício do Bloco — e que trata dos temas da Justiça no Parlamento, houve várias contas a associar o deputado e dirigente ao caso.
https://twitter.com/FrazaoPs/status/1394368195272888325
Conforme o Observador apurou junto de várias fontes que têm conhecimento do caso e da queixa, a mesma não é sobre o deputado nem inclui qualquer referência a ele. No entanto, as falsas associações e acusações foram já transmitidas por várias contas, também com ligações políticas, de forma mais direta ou através de insinuações sobre o deputado e dirigente. Foi o caso de um tweet e de um post no Facebook publicado por Pedro dos Santos Frazão, vogal da direção nacional do Chega, que ironizou: “Já não há Pureza no Bloco de Asquereza?”, juntando à mensagem a hashtag #MeToo.
Questionado pelo Observador, Frazão admitiu não estar na posse de qualquer dado que ligasse o deputado à queixa, justificando que a mesma ideia estaria “disseminada no Twitter, até com fotos” e acusando o Bloco de Esquerda de ter uma “dualidade de critérios” no que toca a queixas entre militantes, com um desafio: “Se for mentira, desmintam”.
No entanto, já no final do telefonema, acrescentou que a palavra “Pureza” seria, no seu post, uma referência à “virtude da santa pureza”, entre risos.
A referência à “dualidade de critérios” faz eco do clima que se tem vivido nas redes sociais nas últimas semanas e que ameaça tornar-se um nó difícil de desfazer para o partido: primeiro, vieram as publicações nas redes sociais que falavam vagamente de problemas de “assédio” e de desfiliações no partido. Depois, concretizou-se a acusação de violência doméstica de uma ex-namorada contra o deputado Luís Monteiro, que decidiu avançar para a Justiça, dizendo ter sido ele próprio vítima de agressões, e desistindo uns dias depois da candidatura à Câmara Municipal de Gaia e aos órgãos do partido, na convenção marcada para 22 e 23 de maio.
Sendo o Bloco de Esquerda um partido que assume como bandeiras suas o feminismo ou o combate à violência de género, as acusações sobre a tal “dualidade de critérios” — em relação a supostos agressores de fora ou de dentro do partido — têm sido replicadas, sobretudo nas redes, muitas vezes por ex-militantes do partido, mas também por críticos que ironizam com a posição do partido sobre o movimento Me Too, que defende a credibilização das vítimas.
Oficialmente, a direção do Bloco tem defendido que é preciso ouvir as vítimas mas também respeitar o princípio da presunção de inocência: “Uma acusação numa rede social não acaba com a presunção de inocência de ninguém”, dizia Catarina Martins este fim de semana, em entrevista à Antena 1.