Manizha é a representante da Rússia no Festival Eurovisão da Canção mas não está ali só para cantar: pretende eliminar tabus e fazer ativismo, ao denunciar o conservadorismo e as desigualdades da sociedade russa como, aliás, tem feito ao longo do tempo, suscitando um coro de oposição das alas mais ortodoxas.
O tema da tadjique na Eurovisão é um hino ao feminismo e ela está pronta para a luta: “Toquei num nervo”, disse à agência France Press depois de dois grupos conservadores terem apresentado uma queixa por causa da canção “Mulher Russa”. Uma delas, vinda da associação de mulheres ortodoxas, diz que a sua imagem, a sua música e aquilo que representa insultam e humilham as mulheres russas.
A letra ridiculariza claramente a espiritualidade e a cultura russa e incita o ódio aos homens, o que mina os alicerces da família tradicional”, acusou a associação, citada pela imprensa russa e internacional.
Mas afinal, o que diz esta cantora de 29 anos, defensora dos direitos LGBTI, que luta contra a violência doméstica e os direitos dos refugiados? Quando, inesperadamente, foi escolhida em março para representar a Rússia no festival que se realiza nos Países Baixos, a sua mensagem tornou-se clara. E nesta terça-feira ganhou novo palco ao passar na semifinal do Festival.
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Com um exuberante e gigantesco vestido da tradição popular russa, misturando hip-hop com sons folclóricos russos na sua música, Manizha denunciou desigualdades sociais e preconceitos relativamente às mulheres russas, numa clara oposição ao regime de Putin. Cantou frases como “Já tens trinta anos? Hello? Onde estão os teus filhos? Até tens piada em geral. Mas devias perder algum peso”, para desmontar estereótipos sobre as mulheres. Depois de despir o gigantesco traje que fica em palco, a cantora continuou na mesma linha pedindo às mulheres, em inglês, que não tenham medo, enquanto no ecrã foram passando imagens de diferentes tipos de mulheres e slogans “quebra o muro”. A ideia é mostrar que na Rússia ainda há muita gente moderna e aberta, que escolhe como viver e que também querem ser ouvidas.
Manizha sabe do que fala: nasceu na capital do Tadjiquistão, país de maioria religiosa muçulmana e predominantemente persa, emigrou depois para Moscovo quando ainda era criança devido à guerra cívil no país, o que a obrigou a crescer num clima de instabilidade e “medo”.
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Desde cedo que a cantora se assume como ativista e que começou a usar a música como “arma” para combater as desigualdades e injustiças sociais, o que lhe tem granjeado a animosidade da elite mais conservadora da Rússia, que a acusa de “ofender a dignidade de todas as mulheres russas e violar a harmonia nacional”.
Aliás, a autoridade federal de investigação do país, o equivalente ao ministério público português, abriu um inquérito após críticas por parte de uma associação de veteranos de guerra, que considera que a artista provoca tensões entre tadjiques e russos.
Porém, apesar da contestação, a artista não baixou os braços e lançou uma campanha, visível nas ruas de São Petersburgo e Moscovo com o mote: “Ouça uma mulher russa. Ouça uma mulher tadjique. Ouça uma mulher talentosa. Ouça as mulheres corajosas. Ouça todas as mulheres”.
Mas Manizha não está sozinha. Tem o apoio de figuras públicas, como é o caso de Dima Bilan — vencedor do Festival Eurovisão da Canção em 2008. O também cantor manifestou~lhe o seu apoio: “Está a trabalhar pela inclusão de todos e faz-nos pensar em problemas que muitos de nós às vezes esquecemos”, referiu, lembrando que ele próprio é cabardino-balcário e nasceu em Carachai-Circássia e isso não o torna menos russo.
Para já, Manizha conseguiu o que queria. A sua voz e mensagem voltarão a encher os ecrãs quando, a partir de Roterdão, se disputar a final da Eurovisão. “Mulher russa” é uma das finalistas.