A ameaça fica no ar, mesmo que seja mera retórica e nunca se venha a concretizar. No seu discurso final do III Congresso do Chega, André Ventura sugeriu que — se um dia liderasse o Governo — várias figuras da esquerda poderiam ir parar atrás das grades: “Se com Passos Coelho houve um ex-primeiro-ministro preso, talvez com André Ventura houvesse vários dirigentes de esquerda presos em Portugal porque roubaram este país até ao tutano”.

Foi das frases mais bélicas, numa despedida em ambiente de festa. Foi ao som de “Nowhere Fast” que André Ventura, a nova direção e os membros eleitos do Conselho de Jurisdição e da Mesa Nacional acabam a dançar em cima do palco, num verdadeiro ambiente de festa. Pouco antes, no fim do discurso, o líder do partido voltou a ajoelhar-se perante os militantes e a colocar a mão no peito. Desta vez, não houve “milagre” — como no primeiro dia — nem um “novo sol” — como no segundo dia. Mas houve um líder que garantiu estar disposto a dar a vida pelo partido, com uma ideia que já tinha sido usada na campanha presidencial: “Talvez uma bala possa um dia terminar com a minha vida mas nunca terminará com este projeto e força enorme que é o Chega.”

Consciente de que “nem todos” os congressistas votaram na direção que escolheu, André Ventura diz ser o “líder de todos” e pede “unidade”. O soundbite repete-se: já Rui Paulo Sousa o tinha dito, Salvini repetiu a ideia e Ventura insistiu: “Os nossos adversários estão fora e não dentro.” E os órgãos que foram eleitos são, segundo Ventura, aqueles que vão levar o partido até “à unidade e à construção de uma alternativa ao Governo de Portugal”. Mas antes disso é preciso o partido saber governar a si próprio.

A afirmação do Chega como partido de Governo marcou os discursos de Ventura nos últimos três dias, que não larga a ideia: “Quero muito, muito que no IV Congresso a chancela [disse a apontar para o cartaz do Congresso] não seja só Chega mas diga por baixo Governo de Portugal e é para isso que temos de lutar.”

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Se Ventura mostra em cada linha que o Governo está nas intenções do Chega, o líder do partido também tem o atual Executivo como um alvo a abater. Os ataques a Costa multiplicaram-se ao longo do discurso, com Costa a culpar quem anda há “décadas a destruir o país, o tecido empresarial, o desemprego e a deixar pensionistas na miséria”. Que se estende, novamente, à geringonça. A culpa, aponta é da “esquerda e extrema-esquerda” que aos olhos de Ventura ninguém responsabiliza, à exceção do Chega.

“É impossível que os portugueses aguentem mais quatro anos desta coisa a que chamaram geringonça”, apontou. Para Ventura, o Chega é a “única força capaz de combater a esquerda e a extrema-esquerda” e escuda a ideia dos números das Presidenciais, ao dizer que é o único partido capaz de ter mais votos do que o BE e o PCP juntos”. A farpa à direita também tinha o mesmo contexto, com Ventura a dizer que, nas eleições presidenciais, o Chega “deixou os betinhos da IL fora do arco da governabilidade”.

Depois, o líder do Chega passou à tentativa de ridicularizar adversários e da “moda” ou “desfile patético” dos que dizem que “com o Chega, nunca”. “Até o PAN”, ironizou: “Ainda vamos ter o Nós Cidadãos a dizer isso”. “Sabemos que isso não depende deles mas do povo português”, atirou, ao referir-se que quem o diz tem “falta de espelhos em casa”.

A mensagem é para que não se ceda “à tentação fácil do discurso de que temos de nos moderar”, porque aos olhos do líder do partido foi a genuinidade e a autenticidade que resultou no crescimento do Chega.

Por falar em moderação, houve tempo para atacar Rui Rio, o PSD e para ironia. Depois de o partido social-democrata ter recusado marcar presença no Congresso por considerar que “há limites que a decência e o bom senso não permitem ser ultrapassados”, André Ventura atirou: “Já nem vou dormir à noite”. “O PSD habituou-se 46 anos a mandar à direita. Meus amigos, esse tempo acabou e se não acabou, vai acabar”, prometeu, ao argumentar que “o único limite de decência ultrapassado foi a decência de não compactuar com António Costa”. “Querem-nos censurar mas há um país inteiro que já não deixará”, garantiu o líder do Chega.