O presidente da comissão de acompanhamento dos ativos do Novo Banco que estão cobertos pelo Fundo de Resolução diz que houve casos “excecionais” em que a comissão viu “com preocupação, para não usar uma palavra mais forte” o grau de imparidades que o Novo Banco queria registar (em ativos onde sabia que o Fundo de Resolução, depois, compensaria). “Foram casos excecionais, mas aconteceu”, disse José Bracinha Vieira, que acrescentou que o banco poderá ter reversões de imparidades – mas não se deve esperar que seja devolvido dinheiro ao Fundo de Resolução.
“A limpeza do balanço foi tão forte que admito – e já aconteceu nos últimos meses – que possa haver alguma reversão parcial das imparidades, bastante parcial“, ou seja, situações em que a conta de resultados do Novo Banco é beneficiada por perdas inferiores às que se temeram (e se precaveram através do registo de imparidades ou provisões”, afirmou José Bracinha Vieira em audição parlamentar, esta terça-feira.
Bracinha Vieira diz não querer “criar expectativas” mas admitiu que a evolução de algumas situações pode acabar por ser menos negativa do que o previsto e, por isso, algumas imparidades podem ser revertidas – isso até já está a acontecer, diz. Poderão ser “algumas boas dezenas de milhões, não mais do que isso, é a minha expectativa”
Mas isso significa que o Novo Banco poderá devolver algum do dinheiro recebido (perguntou a deputada Cecília Meireles, do CDS-PP)?
Depende do volume, mas as reversões que eu antecipo não devem chegar para que o Novo Banco devolver dinheiro ao Fundo de Resolução”, explicou. Claro que “se houvesse uma redução drástica das imparidades aí havia contas a fazer“, mas não deverá chegar a isso, indicou Bracinha Vieira.
A deputada do CDS-PP comentou com ironia que provavelmente já não haverá “contas a fazer” se essas reversões de imparidades acontecerem depois de 2026, quando expira o acordo com o Lone Star. “Admito que tenha razão“, reconheceu Bracinha Vieira, que indicou que ainda há 2.082 milhões de euros (valor líquido) em ativos potencialmente cobertos pelo acordo de compensação (eram mais de 12 mil milhões inicialmente).
O responsável indicou que, relativamente a 2021, “com base nas previsões nas contas do banco e admitindo que o Fundo de Resolução triunfa nos dois processos no Tribunal Arbitral poderá haver necessidade de uma call na ordem dos 100 milhões de euros”, ou seja, a pagar pelo Fundo de Resolução na primavera de 2022. “Pode haver uma insuficiência residual no capital do banco, mesmo que tenha lucros”, disse Bracinha Vieira, notando que “é difícil de dizer neste momento porque ainda só temos as contas de março”.
Em “casos excecionais, pareceram-nos excessivas as imparidades”
Bracinha Vieira recordou que a comissão a que preside integra o chamado comité alargado de imparidades no banco e, aí, houve ocasiões em que este organismo sentiu “alguma preocupação em relação à constituição de imparidades”. Foram situações de “exceção” mas houve momentos em que a comissão de acompanhamento teve “algumas dúvidas” porque houve “casos em que nos pareceu que pode estar a ser excessiva a imparidade constituída“.
É certo que “há regras muito específicas, hoje, para a constituição mas há um pequeno coeficiente que tem a ver com a apreciação subjetiva” de cada caso e das expectativas razoáveis de recuperabilidade – e, aí, houve situações em que a comissão de acompanhamento achou que o Novo Banco queria ir mais longe do que o necessário.
O responsável assinalou vários casos em que admite se possam vir a verificar reduções de imparidades de dezenas de milhões de euros. Um deles tem a ver com o Banco Económico, o herdeiro do BESA em Angola, que tem feito um enorme esforço para pagar ao Novo Banco. Outro remete para a reavaliação em baixa feita pelo Novo Banco no ano passado dos fundos de reestruturação.
A redução do valor dos seis fundos de reestruturação feita pelo Novo Banco foi questionada pela comissão de acompanhamento que pediu uma auditoria. Foi uma iniciativa que surpreendeu, reconhece Bracinha Vieira, porque tinha sido feita uma desvalorização destes ativos no ano anterior e que porque estavam em causa imóveis.
Em 2020, o Novo Banco reconheceu perdas de 320 milhões de euros nestes fundos, tendo atribuído a revisão em baixa ao impacto da pandemia. Esta reavaliação do valor justo foi questionada pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e uma auditoria admitiu que pudesse ter-se verificado uma redução de 18 milhões de euros em excesso neste exercício de apuramento do valor justo destes fundos.
Bracinha Vieira indica como um sinal positivo o facto de as propostas de compra para estes fundos, no que toca à parte detida pela ECS Capital, permitem perspetivar a anulação de uma parcela da revisão para baixo deita pelo banco em 2020. Com base em propostas ainda não vinculativas, admite que se possa recuperar 30 a 40 milhões de euros.
Fundo de Resolução está, sim, a pagar prejuízos gerais do banco
No geral, Bracinha Vieira diz que este acordo “foi uma solução boa, evitou um custo one-off muito forte na altura da compra do banco e, além de escalonar no tempo os prejuízos, teve outra vantagem porque foi um acordo em que os prejuízos foram escrutinados – foram verificados e nem todos foram aceites”.
Ainda assim, numa alusão às críticas do Tribunal de Contas de que o Fundo de Resolução está, na realidade, a pagar mais do que apenas as perdas nos ativos específicos, Bracinha Vieira diz que “tem razão” quem faz essa análise.
Esta comissão de acompanhamento iniciou funções em dezembro de 2017 e, indicou o responsável, entre 30 junho de 2016 e 31 dez 2017 as imparidades já atingiam 1,8 mil milhões de euros. “Em grande parte por isto, o valor acumulado dos prejuízos CCA ultrapassou sempre, nos quatro exercícios (2017-2020), o montante da insuficiência de capital do cumprimento de rácios contratuais ou regulatórios, o tal shortfall de capital”, afirmou Bracinha Vieira, em alusão ao CCA, ou seja, o acordo de compensação de perdas definido no momento da venda de 75% do banco à Lone Star.
“Por isso tem-se dito, com razão, que o que tem determinado o valor das chamada de capital tem sido, na realidade, o nível dos prejuízos globais do banco“, atirou.
Apesar das limitações impostas pela Direção-Geral da Concorrência europeia (DGComp), Bracinha Vieira considerou que “se fez um trabalho bastante bom, um trabalho feito com competência”, embora reconheça que sobretudo em 2018 e 2019 por vezes a comissão sentia alguma “irritação” perante algumas imparidades que eram registadas pelo Novo Banco.
Porém, hoje, Bracinha Vieira diz que vê o processo com outros olhos, de uma forma mais favorável. “O balanço do Novo Banco está fundamentalmente limpo e estou convencido que os prejuízos CCA, se existirem, serão mínimos a partir de agora”.
“Estou a pôr o pescoço no cepo mas estou convencido que o banco vai gerar lucros em 2021“, atirou.
O presidente da comissão de acompanhamento foi ainda confrontado com a declaração feita no Parlamento em 2018 segundo a qual não acreditava que a chamada de capital ao abrigo do mecanismo de capital contingente fosse maior do que os 3.000 milhões. Vai ser mais? (pergunta de Cecília Meireles. Bracinha Vieira explicou que estava convicto desse valor com base em documentos com previsões feitas à data da audição referida. Mas “gosto de reconhecer quando falho”. Hoje, é evidente que os pagamentos ao Novo Banco vão ficar acima dos três mil milhões de euros, mas volta a dizer que os “prejuízos do CCa vão ser estancados. Estamos noutra etapa”
Comissão “tem confiança nos serviços do banco”, mas admite falhas no seu funcionamento
O responsável admitiu que a decisão inicial da comissão de acompanhamento de não ter meios próprios pode ter sido errada, mas ao mesmo tempo sublinhou que tem confiança nos serviços do banco e na informação por estes prestada às perguntas, destacando a confiança no departamento de compliance a quem compete avaliar transações com partes relacionadas. Neste capítulo, os meios usados pela comissão passam por consultas na internet para avaliar eventuais relações entre compradores de ativos e acionistas do Novo Banco, uma forma “precária”, reconhece. Mas sublinha também que os fundos compradores eram entidades conhecidas no mercado.
Bracinha Vieira admitiu ainda que a comissão falhou no follow-up (acompanhamento) posterior de operações que tiveram parecer e que depois aconteceram de forma diferente ou não se concretizaram.
Questionado por Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda sobre as decisões tomadas pela gestão que penalizam os rácios de capital e que não escrutinadas pelo Fundo de Resolução ou comissão de acompanhamento, Bracinha Vieira diz que não foi consultado sobre a opção de investimento em dívida soberana em dólares, e que segundo o Tribunal de Contas, aumentou as necessidades de capital do Novo Banco.