Um homem de 41 anos da província de Jiangsu, na China, foi o primeiro caso conhecido de infeção em humanos com o vírus H10N3. Este vírus, como outros do mesmo subtipo, infeta preferencialmente aves, causando uma forma de gripe das aves.

Esta infeção é uma transmissão acidental entre espécies”, disse, em comunicado, a Comissão Nacional de Saúde da China: “O risco de transmissão em grande escala é baixo.”

Um estudo de 2016, com vírus do subtipo H10, revelava que estes vírus podiam circular nos patos, ser transmitidos por galinhas e causar doença nos ratos. “Isso pode levar ao potencial aparecimento de um vírus de gripe pandémica em mamíferos”, afirmavam, na altura os autores, na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature.

Analisando o potencial de os vírus H10 se tornarem pandémicos, uma equipa de investigadores australianos alertou, em 2017, que os vírus que causam gripe nas aves precisam de poucas mutações para se tornarem transmissíveis por gotículas e para conseguirem replicar-se no organismo dos mamíferos. Ainda que estes vírus não provoquem, normalmente, doença grave nos humanos infetados, já houve casos de mortes, e as frequentes recombinações podem criar condições para uma ameaça à saúde pública.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que se sabe sobre o H10N3?

Em 40 anos, até 2018, este vírus só tinha sido identificado em 160 casos — e sempre em animais. É considerado um vírus de baixa patogenicidade (baixo risco de causar doença ou de causar doença grave nas aves) e com probabilidade reduzida de se disseminar, escreveu a Reuters.

Não haverá, por enquanto, razão para alarme, porque não foi demonstrado que o vírus possa ser transmitido entre humanos, disse Yang Zhanqiu, vice-diretor do Departamento de Biologia Patogénica da Universidade de Wuhan, citado pelo Global Times.

China. Primeira vez que o vírus da gripe das aves H10N3 é detetado em humanos

Que riscos representam os vírus H10 para aves?

Um estudo com os vírus do subtipo H10 mostrou que os vírus H10N3 e H10N7 infetavam as galinhas e eram transmitidos entre elas, mas que o H10N8 não. Neste trabalho, verificou-se que estes vírus eram transmitidos entre patos, mas não causavam doença nos animais, segundo os resultados publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature, em 2016.

Outros vírus da gripe aviária, no entanto, podem obrigar ao abate de um grande número de animais. No início deste ano, a França teve de abater mais de 200 mil patos e 400 mil aves.

Gripe das Aves. “Problema veterinário que pode chegar aos humanos”

Que riscos representam os vírus H10 para os mamíferos?

Os vírus H10N3, H10N7 e H10N8 provocaram infeções em ratos na mesma experiência publicada na revista Scientific Reports. Mas, enquanto o H10N8 só provocou uma doença ligeira, os vírus H10N3 e H10N7 provocaram uma reação inflamatória grave. O H10N3, em particular, provocou lesões nos pulmões e brônquios, bronquiolite, espessamento das paredes alveolares, etc.

No caso do vírus H10N3, foram detetadas as mutações Q591K e E627K, o que reforçou a ideia de que estas mutações pudessem ser importantes na adaptação do vírus aos mamíferos. Estas mutações também já tinham sido identificadas nos vírus que causam doença em mamíferos H9N2, H7N9 e H5N2.

Existem ainda outros exemplos dentro do subtipo H10: o vírus H10N7 foi detetado em focas mortas num porto da Dinamarca, um surto de H10N5 provocou doenças respiratórias numa quinta de visons na Suécia e o vírus H10N5 já foi detetado em porcos.

Que risco representam os vírus H10 para humanos?

De forma geral, os vírus do subtipo H10 não têm uma grande afinidade com os recetores nas células humanas — que é muito maior para os recetores nas células das aves. Isto é, a chave dos vírus abre muito mais facilmente a fechadura nas células das aves do que a dos humanos (onde pode nem sequer conseguir entrar).

No entanto, o facto de os três vírus referidos se poderem replicar nos pulmões dos ratos (um mamífero, mais próximo do homem do que das aves) deixa margem para que seja dada mais atenção a estes vírus.

O surgimento e prevalência de vírus H10 em galinhas e a ocorrência de infeções em humanos fornecem evidências diretas da ameaça do atual ecossistema da gripe na China”, escreveram os autores de um artigo publicado no Journal of Virology, em 2015.

O vírus H10N3, analisado no artigo de 2016, terá resultado de uma recombinação do vírus H7N3, que também terá contribuído para o aparecimento do H7N9 que causa doença em humanos. Um surto de H7N9, em 2016-2017, causou um elevado número de infeções e a morte de cerca de 300 pessoas, lembrou o jornal El País.

Qual a origem dos vírus H10?

Os vírus H10 são conhecidos há mais de 60 anos, mas estavam sobretudo associados aos patos e outras aves aquáticas. No entanto, o contacto dos patos selvagens com os patos domésticos levou à introdução do vírus H10N8 nos animais de criação e mais tarde ao contágio de humanos.

Um equipa da Universidade de Hong Kong estudou estes vírus, na região Jiangxi (no sul da China), desde o início dos anos 2000 e, em agosto de 2013, identificou pela primeira vez a presença do vírus H10N8 em aves não aquáticas num mercado com animais vivos. Depois disso, muitos outros casos foram identificados em galinhas de mercados locais, mas também em humanos, referem os investigadores num artigo publicado no Journal of Virology, em 2015.

Mais, os investigadores demonstraram que as amostras do vírus H10N8 analisadas resultavam de múltiplas combinações de H10 e N8 de patos domésticos e de vírus H9N2 de galinhas. Estas recombinações nas galinhas eram semelhantes às que foram encontradas nas pessoas que foram infetadas (algumas com resultado fatal), “indicando que o mercado de galinhas foi a origem da infeção humana”.

Em 2016 e 2017, foram detetados sete casos dos três vírus H10 já mencionados, só na província de Zhejiang (este da China), em mercados de animais vivos. As estirpes detetadas resultavam da recombinação de vírus H10, H3 e H7 de vírus da Ásia oriental e, apesar de serem pouco patogénicos em ratos, tinham a capacidade de se replicar nesta espécie, segundo um artigo publicado na revista Archive of Virology.

Qual o vírus da gripe das aves mais preocupante neste momento?

De momento, a preocupação parece centrar-se num outro vírus, o H5N8, que levou ao abate dos patos em França e que foi detetado em sete pessoas num aviário no sul da Rússia, em fevereiro deste ano. Esta aviário tinha tido um surto do vírus, entre os animais, em dezembro de 2020.

“O laboratório confirmou o primeiro caso de infeção de uma pessoa pelo vírus do grupo A, a gripe aviária AH5N8”, disse a chefe da agência sanitária russa Rospotrebnadzor, Anna Popova, no final de fevereiro: “Esta variante do vírus não é transmitida de pessoa para pessoa atualmente.”

Rússia deteta primeiro caso de transmissão a humanos de estirpe da gripe das aves

Ainda não está demonstrado que as pessoas possam transmitir os vírus do subtipo H5 entre si, mas, sobretudo desde 2010, têm sido registados vários casos de infeção em aves de criação e humanos. Além disso, o H5N8 é um dos resultados das recombinações do vírus H5N1 — que já causou, pelo menos, 862 infeções e 455 mortes.

Weifeng Shi, da Academia de Ciências médicas Shandong, e George F. Gao, do Centro Chinês para o Controlo e Prevenção da Doença, lembram que o potencial de recombinação destes vírus é motivo de preocupação e vigilância.

Os investigadores alertam ainda, num artigo publicado na Science, que os dados da incidência de gripe durante a pandemia de Covid-19 podem estar subestimados, devido a dificuldades na vigilância e ao facto de as pessoas procurarem menos os cuidados de saúde. Para sustentarem este alerta, lembram os vários surtos em aviários desde o final de 2019, com vírus do subtipo H5.