Há devedores que estão em incumprimento com o Novo Banco porque investiram e perderam dinheiro nos investimentos feitos em empresas do Grupo Espírito Santo (GES) e por isso acham que não têm que pagar. São casos de “default estratégico”, incumprimento propositado, explicou o presidente da comissão de acompanhamento do Novo Banco, na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco esta terça-feira.

José Bracinha Vieira foi confrontado pela deputada do CDS, Cecília Meireles, com declarações feitas no passado no Parlamento em que revelou a existência de casos de “default estratégico”, ou seja, de “pessoas que fizeram tudo para não pagar” as dívidas ao Novo Banco e não porque estivessem sem recursos para o fazer. “É uma pergunta importante”, referiu o responsável.

Várias entidades e personalidades que estavam na órbita de Ricardo Salgado tinham investido valores substanciais em títulos de divida de empresas do GES, sobretudo papel comercial. A queda do BES teve a ver com efeito de contaminação de todas as entidades do grupo. “Tenho a sensação de que quando houve aquela corrida ao BES (aos depósitos e aplicações), grandes clientes do Banque Privée (na Suíça) perderam muito” em papel comercial da Rioforte e da Espírito Santo Internacional, empresas não financeiras do GES que declararam falência. Esses investimentos tinham sido financiados com o penhor desses títulos que perderam todo valor. Portanto, “perderam tudo”.

Por isso, argumenta, tem sido uma “tarefa dificílima recuperar créditos”. Esses devedores tem ido para tribunal e há decisões que lhes são favoráveis”. É nesse contexto que fala em situações de default estratégico em que os devedores não pagam porque acreditam que isso lhes pode ser favorável até porque não há património visível, nem bens à vista. A recuperação de crédito, sublinha, tem também um “aspeto comportamental. Há muita gente que não paga, porque tinha investido no GES e acha que não tem nada a pagar”, portanto entraram em incumprimento).

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O presidente da comissão de acompanhamento foi ainda questionado sobre o parecer desta órgão que defendeu uma estratégia de avançar com processos crime ou de responsabilidade civil contra alguns grandes devedores, antes de vender os créditos. Bracinha Vieira não identificou quem eram, mas admitiu que alguns já passaram por esta comissão de inquérito. E considerou também que há casos em que perante a perspetiva de recuperação com a venda, mais vale, tentar procurar património ao devedor e se houver sintomas de gestão danosa ou sonegação de bens, atuar contra ele, procurar anular e, no limite, procurar responsabilidade civil. “É um bom principio. Mas não podemos impor”.

Comissão encontrou “anomalias” e valores muito baixos em propostas para alguns créditos

Ainda em respostas à deputada do CDS, Bracinha Vieira diz que foram encontradas algumas algumas anomalias nas propostas de compra da carteira de céditos Nata II. Quando a comissão foi comparar o valor líquido de alguns créditos com as propostas de valor dos dois fundos concorrentes encontrou “enormes variações”. O valor económico proposto para um crédito não devem ser muito abaixo do valor líquido (com imparidades).

“O que mais nos preocupou ” foram casos de propostas de solução para certos devedores que ofereciam determinado valor, e que eram recusados por ser abaixo do valor razoável. E mais tarde apareciam com valores ainda inferiores. “Era um absurdo completo”. Foram várias exposições retiradas da carteira (o caso da Ongoing é conhecido), mas o fundo não podia retirar mais de 20% do valor da carteira. Um dos tais créditos que ficou na carteira foi o da Imosteps de Luís Filipe Vieira.

Por outro lado, Bracinha Vieira refere também que à data da venda destes créditos “mais patológicos” não tinha ideia do nível de recuperação de créditos que veio a verificar-se nos ativos do CCA (acordo de capital contingente). Segundo números dados no início da audição, foram recuperados mais de 4.000 milhões de euros nos ativos protegidos pelo mecanismo criado na venda.

Grandes devedores. Podia-se ter feito mais, mas ações judiciais dificultam recuperação

Bracinha Vieira foi ainda confrontado com o parecer da comissão de acompanhamento que defendia um maior recurso a ações judiciais contra grandes devedores em incumprimento. “Perante a despreocupação manifestada por grandes devedores, em termos de honorabilidade”, talvez se pudesse fazer mais. Mas ao mesmo tempo avisou que contratar uma entidade especializada para detetar bens fora de Portugal “pode ter um custo demasiado elevado face à perspetiva de recuperação”.

O presidente da comissão de acompanhamento reconhece ainda casos em que forma feitos aumentos de capital em empresas dadas como garantias para diluir a posição do Novo Banco, como o da Associação Berardo (dona das obras de arte) e do grupo Moniz da Maia.

Neste caso, e depois dos “enormes prejuízos” no investimento feito em ações do BCP, “estranhamente o BES deu mais crédito para um investimento florestal que correu desastrosamente. Até lhe deitaram fogo (António Ramalho já o tinha contado). Havia uma indústria de resinas de alta tecnologia em Aveiro que se ficasse com o banco permitira mitigar prejuízos. “Demos parecer positivo, mas não entusiástico, mas foi um erro”. Considerou contudo que o banco atuou corretamente contra estes devedores.

No entanto, também alertou que quando um crédito vai para tribunal tende a deteriorar-se, bem como o património associado, dificultando a recuperação. Daí que o banco tenha recorrido, e “e a meu ver bem”, à venda de créditos em carteira. Aponta ainda para as condições “dramáticas” impostas pela Comissão Europeia que determinaram a necessidade de reduzir brutalmente e rapidamente o rácio de crédito não produtivo (NPL) como condicionante de todo o processo.

Outra falha que apontou na forma como os ativos do CCA (acordo de capital contingente) são geridos é a circunstância de alguns grupos estarem divididos entre esse mecanismo e o balanço normal do banco, o que faz perder a possibilidade de uma gestão conjunta da situação.