Além de o número de casos de Covid-19 ter disparado em Portugal, o governo britânico aponta duas outras razões para retirar Portugal da lista verde de destinos turísticos considerados seguros: uma refere-se aos 68 casos da linhagem mais perigosa da variante Delta do novo coronavírus (anteriormente conhecida por variante indiana) registados até agora em Portugal; a outra a uma mutação adicional que dizem ser “potencialmente prejudicial”. Esta última mutação, denominada de nepalesa, está agora a ser estudada pela comunidade científica e já foi identificada em 12 infetados em Portugal.
Foi disso mesmo que o governo britânico deu conta no comunicado enviado esta quinta-feira em que justificou a sua decisão. Nesse comunicado lê-se que a situação exigiu uma “ação rápida” depois de terem sido “identificados em Portugal 68 casos de uma variante preocupante, incluindo casos da variante Delta com uma mutação adicional potencialmente prejudicial”.
João Paulo Gomes, o investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge que é responsável pelo estudo da diversidade genética do vírus, confirmou entretanto os números, em declarações a vários meios de comunicação, mas não a gravidade da situação — até porque a variante britânica continua a ser a mais prevalente em Portugal; porque o número de casos da variante Delta “está muito estável” no país, e também porque a mutação em causa nem sequer é inédita. “É da variante indiana que se está a falar, que tem uma série de mutações. Esta mutação do Nepal é apenas uma delas. Para se ter uma ideia, é uma mutação que existe já em todos os casos da variante da África do Sul. Não é nova, já a conhecemos. E o que sabemos dela até agora é que pode – atenção, pode – dar um pouco mais de transmissibilidade”, disse o especialista ao Público. “Não há qualquer evidência de que esta sub-linhagem seja pior. Os ingleses acham que ela se vai portar mal. Com 90 casos em todo mundo o que me ocorre dizer é que isto é uma tempestade num copo de água“, acrescentou ainda João Paulo Gomes.
Ao jornal Inevitável, o especialista avançou ainda que, em vez dos 68 casos anunciados pelo Reino Unido, são agora 74 os infetados em Portugal com a variante delta, o que faz com que a prevalência no país da variante seja agora de 4,8% — no Reino Unido é de 75%, sendo que 36 dos 90 casos da chamada variante nepalesa foram detetados lá. “O maior erro epidemiológico da pandemia foi cometido pelo Reino Unido, quando em dezembro comunicou a variante inglesa à OMS quando já tinha uma prevalência de 65% no país. A variante do Reino Unido dominou todos os países onde entrou e agora nós temos 12 casos da variante indiana com uma mutação e fazem isto”, criticou João Paulo Gomes. “Penso que é um pretexto para o Reino Unido atingir um objetivo qualquer que ainda não percebi qual é. Estou incrédulo, como acho que todo o país está incrédulo.”
Portugal sai da lista verde do Reino Unido. Governo lamenta “decisão cuja lógica não se alcança”
Em questão está a linhagem B.1.617.2 da variante indiana, agora conhecida como Delta, apontada como grande responsável pelo agravamento da pandemia em países como a Índia e os seus vizinhos, mas também no Reino Unido, onde já representa cerca de 75% das infeções, e que tem gerado particular preocupação nas autoridades britânicas e na comunidade científica.
No último relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, referente ao período até 26 de maio (e que deverá ser atualizado esta sexta-feira), dos 46 casos identificados da variante indiana em Portugal, 37 deles referem-se a esta linhagem B.1.617.2. Agora, as autoridades britânicas, citando números da base de dados científica GISAID (Global Initiative on Sharing All Influenza Data), falam em pelo menos 68 casos identificados em território português.
A variante indiana mais do que quadruplicou e a linhagem que mais cresceu foi a mais preocupante
“A linhagem B.1.617.2 foi classificada como Variante de Preocupação pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) a 24 de maio de 2021. As outras duas linhagens [da variante indiana B.1.617.1 e B.1.617.3] mantêm a classificação de Variante de Interesse”, lê-se no relatório da Monotorização das Linhas Vermelhas para a Covid-19. E enquanto a B.1.617.1 cresceu em Portugal muito pouco num mês (foi identificada a 30 de abril e a 14 de maio havia registo de nove casos), a linhagem B.1.617.2 tinha a 14 de maio dois casos e na duas semanas depois eram já 37 os casos. Agora o Reino Unido (a um dia deste número ser atualizado pelas autoridades de saúde portuguesas) fala em 68 casos.
Comunidade científica estuda potencial risco da variante nepalesa
Acresce que, entre esses casos identificados, o governo britânico está particularmente apreensivo com uma nova mutação dessa mesma linhagem. Ao anunciar a retirada de Portugal da lista verde, o ministro dos Transportes, Grant Shapps, citado pela BBC, alertou para uma “espécie de mutação do Nepal que foi detetada e que ainda não sabemos o potencial para que seja uma mutação capaz de resistir à vacina”. A mutação em causa é conhecida por K417N.
De acordo com o portal Outbreak.info, que agrega conteúdo científico sobre a pandemia de Covid-19, existem, em todo o mundo, 90 casos da mutação K417N, vulgarmente conhecida como mutação nepalesa, da variante Delta, sendo que em Portugal foram identificados, até ao momento, 12 casos desta mutação que faz parta da linhagem da estirpe indiana. Uma informação confirmada por fonte do INSA ao Observador.
Numa publicação na rede social Twitter, Jeffrey Barrett, diretor da iniciativa Covid Genomics do Wellcome Sanger Institute, com sede no Reino Unido, nota que esta nova mutação nepalesa tem preocupado a comunidade científica, uma vez que as linhagens da variante indiana podem ser mais resistentes à vacina contra a Covid-19.
There has been some chat about a "Nepal variant" today, which I'm pretty sure refers to B.1.617.2 / Delta plus the spike K417N mutation. As usual, https://t.co/1FkUd8VmhK makes it easy to get an overview: https://t.co/Ae4adMgK5c A few quick points:
— Jeffrey Barrett (@jcbarret) June 3, 2021
Barrett explica que é por isso que, apesar de, até agora, se registarem apenas 90 casos em todo o mundo — e, por isso, ser algo que não deve preocupar nesta altura o cidadão comum —, a mutação K417N (ou “mutação nepalesa”), associada a uma variante já muito transmissível, é vista como potencialmente “problemática” e tem merecido tanta atenção da comunidade científica.
Artigo atualizado com as declarações de João Paulo Gomes