Nas ruas de Alfama as roupas nos estendais das janelas substituem os tradicionais enfeites das festas populares na véspera do Santo António. A música parou e o cheiro a sardinhas assadas faz parte do passado.

Este é o fado que a pandemia desenhou e que levou o bairro lisboeta a perder “vida” num mês que seria de celebração.

“Se as coisas funcionassem normalmente, teríamos o bairro a fervilhar de gente, principalmente de turistas, que é o forte deste bairro, é a sua alma”, disse à agência Lusa António Ramos, responsável pela geladaria Giallo, no Largo do Chafariz de Dentro.

Noutros tempos, por esta altura, Alfama enchia-se de visitantes que davam cor ao bairro, recordou.

Fazer os Santos Populares não é possível pelas razões conhecidas porque, se isso não acontecesse, naturalmente, que isto funcionava como um bairro com muita vida, como normalmente acontecia. A vida de Alfama são os turistas e não havendo turistas é como se vê, a coisa é muito mais complicada, porque fica reduzido aos nacionais”, salientou o comerciante.

Demonstrando tristeza por mais um ano sem festejos de Santo António, o responsável pela pequena geladaria reconheceu que não há condições para se celebrar as festas.

“Não há condições de se desenvolver seja o que for. [O sentimento é] de muita tristeza, porque, inclusivamente, se houvesse as marchas, tudo isso dava vida ao bairro”, sustentou.

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Na rua adjacente, na Rua dos Remédios, apareceu Rosália Pais, uma moradora do bairro que afirmou ser “muito triste ver Alfama assim tão nua”.

É muito triste, muito triste. […] Sou uma ferrenha por Alfama, cada vez que saía a marcha fardava-me como elas [marchantes], vou para a Avenida, faço a minha festa, é uma saudade”, realçou.

Rosália Pais contou que a situação é “aborrecida” e disse que estava convencida que, depois de não ter havido em 2020, os Santos Populares se pudessem realizar este ano.

“[As pessoas] não têm com que se divertir, é uma vez por ano, nós gostamos das festas. É muito triste não vermos as pessoas que gostamos e as pessoas que vêm”, referiu, apontando para a vontade de “comer uma ‘sardinhazinha'”, como diz.

As roupas secam com o vento e com o calor tórrido que se faz sentir, mas o quadro está deserto. São poucas as pessoas que caminham pelas ruas de paralelos que as levam até ao castelo.

“[Há alguns anos] Isto estava tudo enfeitado até lá cima e assim não está nada, está triste: é como nós e no nosso coração, está triste, não há Alfama”, suspirou Rosália Pais.

Com um “sentimento não muito famoso” e no centro nevrálgico do bairro, Cecília Ribeiro disse que o bairro parou.

“Não há fogareiros, não há o chamariz da sardinha, não há o típico que as pessoas estavam habituadas. Todo este bairro era montado desde o dia 1 [de junho] até ao dia 30 [de junho] com todos os enfeites nas ruas, com música nas ruas. As pessoas vinham logo de manhã ver os enfeites, havia as marchas e os casamentos de Santo António. Tudo isto parou”, observou.

A empregada de mesa da Tasquinha Ginja D’Alfama reiterou que a não realização das festas populares “não é agradável”, mas espera que em 2022 Alfama volte a receber foliões, como em outros anos.

Esperemos que sim, que as pessoas venham e se divirtam até às quatro-cinco-seis da manhã como era antigamente. Tenho toda a esperança do mundo”, afirmou.

Num dos becos do bairro, um restaurante surge no meio de enfeites coloridos. Engane-se aquele que pensa que foram colados para os Santos Populares deste ano, já faz parte da decoração do estabelecimento há 36 anos.

De acordo com João Pereira, empregado de mesa no restaurante Lautasco, os tradicionais enfeites servem apenas de “referência” para casa, referindo que sente revolta por não haver Santo António.

O sentimento é de revolta, porque no Porto há [São João] e aqui não há [Santo António]. […] É uma grande tristeza. São festas que existem há séculos e sentimento é mesmo de revolta e de tristeza”, sublinhou.

Para João Pereira, era possível realizarem-se os Santos Populares.

“É sempre possível fazer tudo e mais alguma coisa, desde que as pessoas tenham consciência daquilo que vão fazer. Evitar aglomerados é difícil, mas isso não é só nos Santos, é todo o ano e em qualquer a altura do ano”, acrescentou.

Em 2021, Alfama não cheira a sardinhas e a manjericos, “cheira a saudade”, como cantava Amália Rodrigues.